E stamos tão absorvidos com o debate sobre inteligência artificial e crise climática que uma mudança tão importante quanto essas está sendo deixada de lado: a transição demográfica da população brasileira. Consequência da combinação da queda da taxa de natalidade e do aumento da expectativa de vida, que se aceleraram nas últimas décadas, o perfil do brasileiro do futuro causará grandes impactos sociais e econômicos. Apesar disso, esse tema não está na pauta das discussões estratégicas do País.
De acordo com dados do IBGE, na década de 1940, a expectativa de vida no Brasil era em média de 45,5 anos, alcançando 76 anos em 2018. A partir de 2042, deve ultrapassar o patamar dos 80 anos, podendo chegar a 84,49 em Santa Catarina, em 2060, por exemplo. Isso é fruto, de uma forma geral, do aumento da qualidade dos tratamentos de saúde, assim como da ampliação de serviços, como fornecimento de energia, coleta de lixo e saneamento, obtidos nas últimas décadas.
Em relação à taxa de natalidade, a média de filhos por mulher era de 6,2 entre 1940 e 1960. Essa taxa chega a 1,7 atualmente, ficando abaixo do que seria necessário para a reposição da população, que é de 2,1 filhos por mulher. Isso tem ocorrido pelas consequências da rápida urbanização, do aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, do acesso ampliado aos métodos contraceptivos e do novo comportamento dos jovens, que priorizam o trabalho e a diversão em detrimento da família.
Dados divulgados em junho deste ano pela Pnad Contínua Domicílios e Moradores mostram o nível de aceleração da transição demográfica no Brasil. E que já se torna um problema não só para o futuro, como também para o presente. Em 2012, 49,9% dos brasileiros tinham menos de 30 anos. Essa fatia caiu para 43,3% em 2022. Os jovens agora são menos da metade da população brasileira. O percentual de idosos (60 anos ou mais) subiu de 11,3% para 15,1% no mesmo período.
Do ponto de vista do estado, uma população mais idosa significa mais investimentos em saúde. Não apenas devido aos tratamentos mais caros, como para os variados tipos de câncer, mas também pelos mais longos em virtude das doenças crônicas — diabetes, obesidade, osteoporose e pressão alta— que tendem a aumentar com o envelhecimento.
Por outro lado, a menor taxa de natalidade implica em menor quantidade de crianças. Essa tendência traz como consequência menos necessidade de maternidades e creches, por exemplo. Outra demanda em declínio é por novas escolas de ensino fundamental, podendo até ocorrer fechamento de unidades em regiões nas quais a velocidade da queda da taxa de natalidade seja alta.
Se uma tendência compensa a outra sob o aspecto do orçamento público, não sabemos ainda, pois não há o devido investimento em estudos técnicos nessa direção. Mas nos faz pensar, por exemplo, em ideias para transformação de escolas esvaziadas em centros sociais, que podem oferecer serviços públicos para jovens, adultos e idosos, ligados à educação, saúde, esportes, requalificação profissional, entre outras possibilidades. Mas esse debate não existe atualmente.
A tendência de “menos jovens e mais idosos” também traz problemas para o mercado de trabalho. O primeiro deles é o aumento do déficit da previdência, pois haverá cada vez menos jovens para contribuir e mais idosos para usufruir. Outra questão é a falta de trabalhadores para o preenchimento de novas vagas. O que pode ocasionar resultados menores no PIB e na arrecadação de impostos. Custos sociais em crescimento com estagnação do orçamento público: uma conta preocupante.
Diferentemente do Brasil, em países como Portugal, Espanha, Itália e Japão, essa questão está na pauta do dia. Nesses locais, os governos flexibilizam a entrada de imigrantes jovens, reduzem alíquotas do IR para casais com filhos pequenos, ampliam a rede de suporte à maternidade, flexibilizam leis trabalhistas e até mesmo pagam renda universal por filho. Mesmo assim, não tem sido vista a reversão da tendência, mostrando que é um problema grave e de solução lenta e complexa.
A grande questão da transição demográfica acelerada para o Brasil, em comparação com outros países, é que o envelhecimento e a diminuição populacional chegarão antes que tenhamos um padrão de bem-estar social elevado. Isto é, o Brasil terá expectativa de vida de países ricos, porém com proteção social insuficiente para o novo perfil do cidadão.