Da Fundaj
Antes mesmo de completar meio século, o escritor português Gonçalo M. Tavares, 49 anos, já imprimia sua marca neste mundo ora conturbado e sensível, arrancando elogios de nomes como José Saramago. Suas produções superam a casa das quatro dezenas, arrebatam leitores, chocam aos clássicos e causam rebuliço no mercado editorial. Pelo menos 45 países já acessaram uma de suas 220 traduções. Do mesmo modo está no teatro, nas artes visuais, em vídeo e ópera. A partir deste sábado (20), a Fundação Joaquim Nabuco, por meio da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), publicará, diariamente, no site oficial www.fundaj.gov.br e nas redes sociais uma reflexão inédita do autor.
A iniciativa se dá em meio ao isolamento social adotado como medida para conter a crise sanitária que assola o globo, causada pelo novo coronavírus (Covid-19).
“Neste momento, precisamos promover outras formas de intercâmbio. O convite a Gonçalo M. Tavares integra esse esforço no qual a Fundação Joaquim Nabuco vem operado para continuar presente, proporcionando debates e reflexões para atravessar este e outros momentos”, explicou o também escritor e presidente da Instituição, Antônio Campos. “Permanecemos comprometidos com a preservação histórica, mas atentos à atualidade. Gonçalo é um destes como Fernando Pessoa e Valter Hugo Mãe. Um nome para ser ainda mais conhecido, de olhos atentos e dedos afiados em um mundo em cheque — como na sua Jerusalém”, concluiu.
O diretor da Dimeca, Mario Helio Gomes, ressalta que “Em tempos sombrios como os atuais, a arte que mescla inteligência e sensibilidade é a ferramenta ideal para que as cores, os ritmos, as linhas, volumes e luzes entrem na casa de cada um de nós”. A escolha pelo português, explica, se deu por se tratar de um dos melhores escritores da atualidade, que há meses desenvolve trabalhos com reflexões a respeito do assunto.
No YouTube, há uma série de vídeos na qual o autor de títulos como Aprender a Rezar na Era da Técnica (Caminho, 2007) e Uma Menina está Perdida no seu Século à Procura do Pai (Porto Editora, 2014) sugere leituras e fala da experiência do confinamento. Todos os dias, escreve ao site do semanário lusitano Expresso o seu Diário da Peste. “Leio que algumas formigas conseguem comer e guardar algo no estômago sem digerir. Quando a comunidade precisa, elas regurgitam o alimento intacto para todos comerem. É um ‘estômago social’, dizem”, publicou na segunda-feira, também sobre protestos e festas escondidas.
Na parceria, o autor publica o Diário Visual e Gráfico. Assim, reúne elemento imagéticos e organizacionais para experimentar outros tipos de poética. Como em O senhor Swedenborg e as investigações geométricas (Caminho, 2009), na qual mistura versos às figuras de triângulos, quadrados e círculos. Agora, diz compor uma literatura feita do material visual do mundo. “Em tempos estranhos, é necessário utilizar o material da estatística, das notícias e colocá-los no centro da criação. Apontamentos rápidos sobre os humanos e suas tragédias, amores e alegrias, micronarrativas e aforismos”, revela Gonçalo M.Tavares.
Para se ter ideia, a edição europeia de 1001 livros para ler antes de morrer incluiu Jerusalém (Caminho, 2004), ao ‘guia cronológico dos mais importantes romances de todos os tempos’. Não por acaso, o título recebeu o Prêmio Literário José Saramago, em 2005. “Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos. Dá vontade de lhe bater”, disse o próprio Saramago, durante o discurso de entrega do prêmio. Também promoveu o livro ao conjunto de obras da ‘grande literatura ocidental’. Em 2007, Jerusalém levou o Prémio Ler/Millenium e o brasileiro Telecom de Literatura (atual Oceanos).