Por Yuri Euzébio
Em meio às dificuldades de incentivo para o setor de cultura e ao fechamento de casas de espetáculos, pipocam no Recife espaços alternativos para apresentação de diversas formas artísticas, em especial, da música independente produzida em Pernambuco. Em comum, esses locais têm um caráter intimista, com lotação limitada, preços acessíveis e a força de vontade de seguir nadando contra a maré da crise econômica. Em muitos deles, o proprietário resolveu abrir os portões do quintal da própria casa como cenário para exibição da arte local.
Foi o que fez a jornalista Aline Feitosa, que transformou a área externa da sua residência no Pequeno Latifúndio, espaço onde se apresentam músicos da cena autoral. É uma espécie de jardim secreto em meio à selva de concreto do bairro do Espinheiro, onde Aline monta um palco com cadeiras para receber seus clientes e artistas. “Gosto de dizer que o Pequeno Latifúndio não é um bar, nem um espaço, é a minha casa. Quando eu recebo as pessoas aqui, trato como se fossem convidados do meu lar, fico na cozinha, preparo os drinques”, destacou a proprietária e pau pra toda obra.
A ideia do espaço surgiu como um passo natural da vida da jornalista, que já havia dado uma guinada com a criação de uma assessoria e consultoria em comunicação para artistas e projetos culturais, cuja sede era também na sua casa, e da percepção do momento penoso à cultura vivido pelo País. “Transformar isso aqui em um lugar que recebesse shows partiu da minha constatação de não haver mais espaços e nem incentivo para músicos, principalmente os que fazem música autoral”, explicou Aline em meio às plantas do seu quintal.
“Aqui não é uma casa de shows, é uma casa de encontros”, conceitua explicando que em geral são os próprios músicos que trazem seus equipamentos. Para não atrapalhar a vizinhança, ela pede para que produzam um som num volume baixo. Muitos nem usam amplificador, tocam acústico. “É uma experiência bacana tanto para o músico que está fazendo um formato inusitado, quanto para o público que se vê na obrigação de não fazer barulho e prestar atenção”, ressalta.
O casal de jornalistas Jefte Amorim e Andrea Trigueiro também abriram as portas de sua casa para as artes. Só que na Vila Nazaré, em Cabo de Santo Agostinho, onde fundaram o Esperantivo Casa, Comida e Cultura. A ideia inicial era ter um local para descansar e acabaram alugando uma casa onde funcionava um bistrô. “Como havia a estrutura de restaurante, acabamos recebendo alguns amigos e cozinhando pra eles. Começamos a abrir ao público também com bebidas e as boas conversas”, conta Jefte. “Juntamos essa experiência com o sonho de ter um lugar para promover a obra, a memória, o trabalho e a vida do poeta Esperantivo”. Cordelista, Esperantivo é imortal da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel (PE), Academia Cabense de Letras (PE) e Academia de Cordel do Vale da Paraíba (PB).
O espaço oferece ainda visita guiada e uma exposição permanente sobre a vida e a obra do poeta. “Fazemos também recepção, sob agenda, para grupos educacionais, oferecemos oficinas de cordel e cedemos nosso espaço como palco para parceiros que queiram ministrar oficinas ou elaborar conteúdos que estejam ligados à nossa missão”, explica Andrea. O maior desafio do Esperantivo, segundo o casal, é também seu maior compromisso: a formação de um público cabense que valorize e se acostume com experiências culturais na cidade.
No centro do Recife, a TV Tumulto é outro ponto de resistência que aposta nos sons autorais e independentes da cidade. O projeto encabeçado pelo músico Juvenil Silva, divide o mesmo espaço com o ateliê do artista plástico Flávio Emanuel e vem com um conceito diferente. “A TV Tumulto é como se fosse um programa de TV, só que todo mundo entra e todo mês vamos fazer algum evento diferente”, explicou o artista. Todas as atividades que acontecem no local são registradas em vídeo com o objetivo de formar uma programação nas redes sociais.
O espaço agrega expressões artísticas diferentes, que vão desde a música até a leitura de obras literárias. “A proposta da casa é multiartística. Até porque Flávio é um artista plástico renomado, a mulher dele Alice Gouveia é professora de cinema da UFPE e está sempre com o pessoal do audiovisual, e eu sou músico. Temos vários contatos do pessoal de teatro também, Fernando Arruda atua na produção e é ligado às artes cênicas”, reiterou. “Quando alguém nos pede para fazer um show, propomos diálogos com outras expressões artísticas”, explicou.
O instrumentista Juvenil além de vez ou outra dar uma canja no palco, também é responsável por fazer a curadoria da casa. O músico pondera que mesmo com todas as dificuldades do momento atual, é muito gratificante promover a arte. “Acho que quanto mais difícil, maior tem que ser a resistência”, defendeu.
Congregando bar e eventos culturais, o Terra Café já é referência pra quem gosta de curtir uma boa música na cidade. O espaço surgiu, ocasionalmente, quando a arquiteta Fernanda Batista resolveu abrir o quintal do seu escritório para a criação de um lugar de socialização e isso foi ganhando uma proporção maior. Ela conta que tudo começou quando chamou um amigo, que era cantor e compositor, pediu para se apresentar no local. Aos poucos o espaço foi se transformando num café, bar e restaurante com apresentação de shows. “Esse já é o terceiro endereço, começou num local pequenininho na Boa Vista, aí fomos pra Rua Monte Castelo que já foi um pouco maior e depois, como a demanda foi aumentando, sentimos a necessidade de ter um equipamento cultural ainda maior para dar esse suporte ao público”, esclareceu Gabriela Dias, sócia e administradora do local.
Apesar das mudanças de endereço, o Terra mantém desde o princípio as mesmas características de um ambiente que funciona num quintal arborizado para que quem estiver lá se sinta em casa e da proposta de unir música e bebidas. Também funciona de segunda a sexta para almoço e as apresentações ocorrem sempre às quintas e sextas. Esporadicamente, sábados e domingos também são abertos para shows.
O espaço é amplo, mas mantém um charme aconchegante e intimista, e não se resume só à música. “Temos um projeto chamado Terra Mercado Colaborativo em que, mensalmente, atendemos em torno de 30 artesãos”, explicou Gabriela. “A ideia é movimentar a economia criativa e incentivar as pessoas a comprar de quem faz”. O lugar traz como política o funcionamento em rede, tanto dos músicos ou artistas que ali se apresentam, quanto das pessoas que estão fazendo tudo funcionar. Talvez por isso que ali tenha sido o nascedouro do Movimento Reverbo, coletivo de destaque entre diversos cantores da nova cena musical pernambucana forjado em canjas e apresentações no Terra.
Atuação em rede, aliás, é a marca de todos esses espaços. Juvenil Silva, por exemplo, já foi curador do Terra Café Bar, além de ter se apresentado no Esperantivo e no Pequeno Latifúndio. O Esperantivo movimenta a vizinhança da região que comercializa quitutes em dia de shows na casa. Tanto no Pequeno Latifúndio quanto no Terra Café, os músicos que se apresentam pedem para algum artista que está na plateia para dar uma canja no show.
O que esses espaços mostram é que o importante é o crescimento coletivo e manter a cultura pernambucana atuante, mesmo com todos os obstáculos.