“A McKinsey não disse que era para levar a Transnordestina para o Ceará” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“A McKinsey não disse que era para levar a Transnordestina para o Ceará”

Bruno Schwambach, Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado teve acesso a trechos do estudo sobre a ferrovia. Ele defende a manutenção dos ramais dos portos pernambucano e do Ceará, mesmo sem viabilidade econômica, porque o projeto é uma política pública de desenvolvimento.

Durante o período em que o empresário Bruno Schwambach foi secretário de Desenvolvimento Econômico, no Governo Paulo Câmara, uma de suas maiores batalhas foi resolver os entraves para a conclusão do trajeto da Transnordestina até o Porto de Suape. Embora não tenha resolvido a contenda, ele contribuiu muito para encontrar uma alternativa. Ciente de que a TLSA não mostrava interesse pelo porto pernambucano, Schwambach esteve à frente das articulações para a entrada de outra empresa privada para concluir a obra, no caso a mineradora Bemisa.

Nesta entrevista a Cláudia Santos, o ex-secretário conta como se deu esse processo e esclarece algumas questões. Assegura, por exemplo, que o estudo da McKinsey de viabilidade econômica do projeto, solicitado pelo Governo Federal, não orientou a construção apenas do ramal para o porto de Pecém (CE) em detrimento de Suape. A decisão, na verdade, foi tomada pela própria TLSA e aceita pelo governo. “Não pode a concessionária, que é um ente privado, decidir para onde ela quer levar o projeto. Se é uma política pública de integração e desenvolvimento regional, quem tem que fazer essa análise é o Ministério dos Transportes, é a ANTT, é o Tribunal de Contas”, indigna-se Schwambach.

Ele salienta também que a construção dos dois ramais nunca se mostrou lucrativa. Mas adverte que, desde a sua concepção, a ferrovia não tinha como objetivo a viabilidade econômica, mas sim uma política pública de desenvolvimento regional. “O que entendo como absurdo é a análise da consultoria ter como objetivo encontrar a melhor viabilidade econômico-financeira para segurar o contrato de concessão que a TLSA tinha. Mas isso não é a premissa inicial do contrato, que nunca foi a viabilidade econômica”. Confira a seguir a entrevista.

Quando o senhor assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, como estava a situação do ramal de Suape da Transnordestina?

Fui convidado para fazer parte da Secretaria de Desenvolvimento Econômico que tem atribuições específicas, e muitos dos projetos que geram emprego, renda e desenvolvimento, terminam sendo um pouco da atribuição da Sdec. Criamos um comitê com as demais secretarias dos projetos estratégicos para Pernambuco, para juntar as informações, montar um planejamento, identificar as necessidades e o que tínhamos que perseguir como meta e objetivo para podermos, dentro do período que estivermos trabalhando, entregar os projetos e também para dar continuidade a eles. Isso porque projetos desse porte, normalmente, não são concluídos em quatro anos, mas perpassam alguns governos.

Levantamos os projetos importantes de infraestrutura, de desenvolvimento econômico, e a vocação e os potenciais de cada região que precisavam ser articulados para acontecerem, seja por meio de investimento público, privado ou PPP (parceria público privada). Elencamos vários desses projetos, entre eles o Arco Metropolitano, a Transnordestina, os estaleiros de Suape, a refinaria, a transposição do Rio São Francisco, a questão das adutoras e do território irrigado do Sertão.

Começamos a trabalhar para entender como estava a situação de cada um deles e como poderíamos viabilizá-los. Na questão da Transnordestina, primeiro fomos conversar com a concessionária, a TLSA. Desde o começo percebemos uma negatividade deles em relação à implantação dos trechos faltantes em Pernambuco. O que aconteceu é que houve o pedido de caducidade da concessão da Transnordestina pela ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) para o Governo Federal e o Tribunal de Contas. Com isso, ficou proibido colocar recursos públicos no projeto porque a empresa descumpriu todos os prazos estipulados e ela praticamente parou as obras aqui.

Pretendíamos nos colocar à disposição deles e fazer toda a nossa parte (desapropriações, licenças etc), deixar tudo preparado para viabilizar o projeto, independentemente do cenário que acontecesse, que poderia ser a caducidade da concessão, poderia ser de cisão ou de continuidade. Mas, desde o começo, sentimos muita má vontade por parte da TLSA. Nós nos perguntávamos por que eles escolheram Pecém se o nosso trecho era menor?

Na verdade, porque eles fizeram uma escolha, há muito tempo, por Pecém, ao montar a sede da empresa no Ceará, ao comprar áreas no entorno de onde chegará a ferrovia, por terem conseguido um terminal portuário lá e querem que toda carga seja direcionada para o Ceará. Inclusive em 2015, um dos presidentes da TLSA foi Ciro Gomes. O que a gente considera é que eles fizeram uma escolha no passado – e aí não sei avaliar o porquê – de que eles iriam viabilizar o máximo possível esse projeto para o Ceará em detrimento do ramal daqui.

Ao estudarmos a Transnordestina, identificamos que ela não é um projeto de viabilidade econômico-financeira sustentável para os dois ramais. É um projeto de desenvolvimento econômico para uma região que necessita de infraestrutura, então é um projeto de desenvolvimento regional. Qual é a carga que dá sustentabilidade e viabilidade econômica para operar nessas duas frentes? Não existe viabilidade econômica de mercadorias no setor privado que justifique ele fazer, manter e pagar essa conta toda.

Ou seja: é uma política pública de desenvolvimento?

Sim. Desde o início da concessão da Transnordestina pelo Governo Federal, o objetivo era desenvolver uma ferrovia ligada ao porto de Suape e a Pecém, porque era preciso levar infraestrutura para essa região carente de recursos naturais, porém, muito populosa. Do mesmo jeito que é a transposição do Rio São Francisco: um projeto que não tem viabilidade econômica, é um projeto de infraestrutura, de desenvolvimento do governo que ele vai entrar com o dinheiro para fazer. Se existe água e ferrovia numa região que já tem uma população que reside nela é ótimo, inclusive para manter esse pessoal fora das grandes cidades. Do ponto de vista de política pública é excelente!

Como você analisa essa opção de manter uma empresa para executar esse projeto que não cumpriu os prazos do contrato?

Houve uma opção, no início do contrato, de que ia ser feita uma concessão para uma empresa privada operar. A CSN ganhou e virou a TLSA. O Governo Federal investiria uma parte dos recursos e a empresa, a outra parte, porque economicamente não é viável para a empresa botar o dinheiro e tirar só com a movimentação de carga que terá. Mas a TLSA atrasou a obra e, aí, criou-se um questionamento sobre a efetividade dela continuar ou fazer a caducidade do contrato.

Para mim, não tinha nem o que discutir, tinha que dar a caducidade porque ela descumpriu todos os prazos. Aí, as surpresas começam a acontecer. Ao conversarmos com o Governo Federal, sentíamos a dificuldade da relação dos estados com o governo Jair Bolsonaro para aumentar as políticas públicas voltadas para a infraestrutura de desenvolvimento regional. A ideia deles era: “quanto menos estado, melhor; não vou dar dinheiro para nada; o que eu puder deixar para a iniciativa privada fazer, faça, o que não der para fazer, eu não faço nada”.

Como se chegou à solução para a entrada da Bemisa?

Sem ter ressonância com o Governo Federal para apoiar o que foi desenhado como um projeto de desenvolvimento, nem da concessionária e com o processo de caducidade em andamento, decidimos fazer o mapeamento de quais cargas poderiam viabilizar o trecho para Suape. Afinal, nosso trecho era menor. Entre as cargas mapeadas havia a fruta do sertão de Pernambuco e o gesso, de valor agregado muito baixo, não seria isso que conseguiria manter ou estruturar uma ferrovia.

Aí identificamos a Bemisa, que possui uma mina de minério de ferro no Piauí. Foi quando falei para a equipe: “quem aqui já conversou com o dono da mina?” e disseram: “ninguém conversou”. Então eu disse: “essa é a pessoa para a gente conversar porque ela é que tem carga que justifique viabilizar a implantação da ferrovia”. Fomos lá para uma primeira conversa com o presidente Augusto Lopes e o conselheiro José Luís Vidal. Depois levei o governador para dizer: “o Governo de Pernambuco tem todo interesse em viabilizar essa estrutura para Suape”.

O presidente estava muito irritado com a operação da Transnordestina, porque se imagine na situação dele: ter uma mina, que ele não pode explorar por não ter como exportar, porque está a mil quilômetros do mar e ele precisa de uma ferrovia para viabilizar o negócio. A ideia era tê-lo como parceiro para construir uma alternativa para viabilizar a ferrovia com saída por Suape e deixar a TLSA fazer a parte dela, porque é difícil ter confiança nessa empresa que descumpriu o que estava no contrato nos últimos anos.

Começamos a desenhar esses cenários e colocamos um roteiro de ações necessárias para viabilizar a implantação desse terminal para cá. Dissemos para ele: “você tem a mina do lado de cá, o Governo do Estado lhe concede uma área no porto [para fazer o terminal de minérios] e trabalhamos para você ter uma autorização ferroviária para trazer a ferrovia para Suape”. Dessa forma, conseguiríamos construir um projeto verticalizado em que uma mesma empresa é dona da mina, da ferrovia e do terminal portuário. Ela não depende de ninguém para tirar o projeto dela do papel e fazê-lo funcionar.

Articulamos com o Ministério dos Transportes, com o Congresso, para criarmos uma legislação de autorização ferroviária, que permitiria ao Estado autorizar uma empresa privada a construir um pedaço de ferrovia que, por qualquer motivo, ela queira se conectar com algum ramal. É uma alternativa ao modelo de concessão pública, que abrangia todas as ferrovias no Brasil, inclusive a Transnordestina, que é um processo complexo, demorado. A autorização ferroviária é mais simples: a empresa tem um produto para escoar, quer construir uma ferrovia, só precisa de autorização para que ela mesma construa. Desde que isso não traga nenhum problema de segurança nacional ou inviabilidade do que já existe.

A legislação foi aprovada. Junto com o ministério fizemos todo um trabalho, que é uma parte administrativa muito burocrática, muito lenta, para mexer na poligonal de Suape para retirar do porto essa área para entregar para Bemisa poder construir o terminal de minérios. Fizemos uma legislação estadual específica também. Uma série de ações que foi desenhada para construir essa alternativa de solução.

Acredito que essa é uma alternativa interessante. Agora, o que eu acho absurdo são as soluções que aconteceram após o pedido de caducidade da ANTT e do Tribunal de Contas. O ministério contratou, sem licitação, sem transparência, a consultoria McKinsey para elaborar um estudo sobre o contrato de concessão e criar alternativas do que poderia ser feito. A consultoria fez uma disposição de cenários sobre quais aspectos o governo deveria se preocupar caso fosse decretada ou não a caducidade, se fosse fazer o trajeto para os dois portos ou em um deles.

O senhor teve acesso ao estudo da McKinsey?

Não tivemos acesso diretamente ao relatório, mas eu tive acesso às partes dele que falavam disso. O que entendo como absurdo é o seguinte: lá atrás foi pensada numa política pública de fazer um projeto de investimento de desenvolvimento regional, sabendo que não tinha viabilidade financeira de se sustentar sozinho, e que precisaria de recursos do governo.

De repente, a análise da consultoria teve como objetivo encontrar melhor viabilidade econômico-financeira para segurar o contrato de concessão que a TLSA tinha. Mas isso não é a premissa inicial do contrato, porque nunca teve a viabilidade econômica. É óbvio que é mais barato terminar a ferrovia para um lado só, mas não foi isso que estava no contrato inicial. Essa alternativa, no meu entender, não deveria acontecer.

O estudo da McKinsey assegura que a solução seria a construção apenas do ramal para Pecém?

A consultoria não disse que era para levar a ferrovia para o Ceará ou Pernambuco. O que a consultoria fez foi mostrar cenários e num desses cenários foi colocado construir saída para apenas um dos portos. Mas não especificou qual dos dois. Nem o ministério, nem a ANTT, nem o Tribunal de Contas disseram que era para optar pelo Ceará, porque é mais barato construir para Pernambuco.

Eles chamaram a concessionária e disseram: “o que você quer”? ela disse: “eu faço o seguinte, fico somente com o trecho do Ceará, termino a obra lá, devolvo o trecho de Pernambuco, vocês se viram com ele”. Veja, não pode a concessionária, que é um ente privado, decidir para onde ela quer levar o projeto. Se é uma política pública de integração e desenvolvimento regional, quem tem que fazer essa análise é o ministério, é ANTT, é o Tribunal de Contas. A mim, me estranha que eles aceitem essa cisão sem resolver o problema de Pernambuco.

Eles colocam que será criada uma alternativa para fazer o trecho de Pernambuco, mas fizeram um aditivo [no contrato de concessão] no final do ano passado, e já pretendem liberar recursos para o lado do Ceará, sem dar uma solução para Pernambuco. É um absurdo! Acho que o Governo Federal não pode aceitar e deveria rever essa questão de permitir a um antigo concessionário que descumpriu tudo, simplesmente, criar o trecho do Ceará e deixar para resolver depois o trecho de Pernambuco.

E a questão da Bemisa, como fica? Ela teria que utilizar os trilhos já feitos pela TLSA até Salgueiro?

Isso é algo normatizado dentro dos contratos de concessão. Não é um empecilho porque calcula-se o investimento feito pela TLSA e a ANTT pode arbitrar qual o valor a ser cobrado de passagem naquele trecho.

Quais são os empecilhos para Bemisa fazer esse trajeto?

Bem, da mina até Trindade, a ferrovia está 75% pronta. De Trindade até Salgueiro está tudo pronto. De Salgueiro para Suape está 40% construído. Falta fazer o restante. Tudo é desafiador, mas a parte legal da autorização ferroviária e do porto, a gente andou bastante. O problema é que entramos na loucura dessa guerra [na Ucrânia], veio a pandemia, os juros explodiram. Dificilmente você consegue tirar um projeto desse do papel neste momento com juros a 13,5%. Se estivéssemos numa economia mundial acelerada, tranquila, juros a 2%, acho que o projeto já teria sido viabilizado pela Bemisa. Mas um projeto de US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões para explorar a mina, fazer a ferrovia em um momento como este… tem-se que esperar um pouco para deixar as coisas se acalmarem.

Mas continuo acreditando nessa solução, apesar de ela depender de um ente privado que pode tirar do papel hoje ou daqui a 3 ou 10 anos. Criamos as alternativas dentro das possibilidades que tínhamos, mas sempre vamos depender do Governo Federal para um investimento como esse e da economia mundial para viabilizá-lo. Sempre defendemos não aceitar uma cisão pela cisão, eu diria até, não aceitar, com certa ressalva, que a ferrovia seja construída só com Suape, do mesmo jeito que criticamos que seja só com Pecém. Não é justo.

O Governo Federal poderia também chamar a Bemisa, que já manifestou interesse de fazer o trecho de Pernambuco, e dizer “é um projeto de desenvolvimento regional que a conta não fecha. Quanto é que você bota e quanto é que o Governo Federal precisa entrar para poder fechar sua taxa de retorno para a gente viabilizar o projeto? US$ 2 bilhões? Então eu vou colocar U$ 2 bilhões no projeto do Ceará e US$ 2 bilhões no de Pernambuco”. E quando estiverem operando, deixar cada um procurar suas cargas para viabilizar.

E neste momento é imprescindível a mobilização da sociedade pernambucana?

Sim, acho que vale essa mobilização pelo Estado e por outros atores, seja privado, público, instituições, governadora, prefeitos, senadores, todo mundo, para fazer uma força, para mostrar a importância desse projeto de desenvolvimento regional e encontrar uma forma de viabilizá-lo.

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