*Por Mauricio Oliveira de Andrade
A Ferrovia Transnordestina concebida para ligar Eliseu Martins, no serrado piauiense, aos portos de Pecém, no Ceará, e de Suape, em Pernambuco, inicia em 2006 e se arrasta há 17 anos com obras atrasadas, sobrepreços e muitas controvérsias, culminadas com o aditivo assinado pela ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre) com a TLSA (Transnordestina S.A.) no final de 2022, excluindo a meta de construir o ramal até Suape. Essa decisão dita técnica, embora contestada por muitos técnicos pela maior distância de Salgueiro a Pecém, baseou-se em relatório de consultoria contratada pela VALEC, que apesar da óbvia necessidade de ampla divulgação, permanece em sigilo. Consultas a publicações na imprensa do Ceará na época da decisão destacam como razões a liberação pelo Governo do Estado para a União de todas as terras desapropriadas, o licenciamento ambiental e o projeto executivo de todo o traçado da ferrovia totalmente solucionado, não havendo qualquer óbice para uma rápida execução das obras. Mesmo que essas razões tenham peso na decisão, uma ferrovia representa uma infraestrutura com vida útil e utilização no longo prazo que naturalmente requer decisões que considerem os benefícios e os custos de investimento e de operação e não apenas o tempo de construção.
Em megaprojetos como a Transnordestina, além da complexidade da gestão por múltiplos agentes políticos e privados com interesses às vezes conflitantes ou concorrentes, há uma tendência à subestimação dos custos e dos prazos devidos a planejamentos não realistas, em que riscos econômicos e de engenharia são subavaliados e desprezados. A transparência do planejamento que envolve conhecimentos interdisciplinares é essencial para evitar esses problemas. Além disso, a vigilância política dos governantes locais dos passos do projeto deve ser extremamente atenta para evitar manobras que busquem soluções aparentemente mais rápidas, mas que não atingem as metas do projeto em termos de redução de custos de transportes e de propiciar o desenvolvimento regional integrado.
A Transnordestina, como originalmente concebida, baseava-se no conceito de corredor econômico com metas de acelerar o desenvolvimento regional com redução de desigualdades pelo aumento da eficiência das cadeias de produção industrial, mineral e agrícola, decorrentes de melhores e mais econômicas condições de transporte para conectar oferta e demanda. Assim a integridade do projeto da Transnordestina com o corte do ramal de Suape atinge fortemente a economia pernambucana e nordestina ao alijar o principal complexo industrial-portuário do Nordeste em movimentação de granéis líquidos, de cabotagem e de contêineres de se beneficiar da integração logística por meio ferroviário. Não se concebe um Hub-Port desconectado de uma rede ferroviária de alcance nacional e regional e de um terminal multimodal de cargas. Condições adequadas de acessos rodoviários e ferroviários são essenciais para o desenvolvimento do Porto de Suape, que ainda tem muita capacidade de expansão revelada pelos diversos investimentos em projetos âncora em andamento. Sem esses acessos, ficará estrangulado e muito aquém do seu potencial.
Apesar de todos esses problemas surgiu em 2022, a opção do Ramal de Suape vir a ser construído pela mineradora Bemisa, que detém direitos de exploração de minério de ferro no Piauí, com aporte privado da ordem de R$ 10 bilhões para a ferrovia e o terminal de granéis sólidos. Essa iniciativa, oportunizada por mudanças na legislação que permitem autorizações de ramais ferroviários, demonstra a atratividade e a viabilidade econômica de um ramal para Suape. No entanto, esse projeto ainda encontra muitas barreiras a superar, tanto de engenharia, pois ainda não dispõe de um projeto executivo, como de regulação econômica, pois há problemas a resolver de direito de passagem no trecho da concessão (TLSA), além da liberação dos trechos com execução parcial a leste de Salgueiro pela concessionária anterior.
Desse contexto, fica a seguinte indagação: qual deve ser a estratégia de Pernambuco para superar esses obstáculos econômicos, políticos e legais para realizar conexão Salgueiro-Suape? Acho que a resposta deve ser, em primeiro lugar, tentar politicamente fazer o Governo Federal mudar a decisão anterior. Esse é um trabalho das representações políticas do executivo e legislativo, das entidades empresariais e profissionais, das universidades e das organizações sociais. No entanto, não basta fazer dessa reivindicação, apenas um discurso político, mas de convencimento das vantagens econômicas do ramal, com dados e estimativas de demanda de carga por setores econômicos e o potencial de geração de crescimento econômico e de sustentabilidade fiscal dos investimentos públicos. Decisões politicas precisam ser embasadas em razões técnicas e econômicas. No entanto, a manifestação de interesse da Bemisa deve ser também objeto de ações de superação de dificuldades técnicas e regulatórias. Nas duas situações, é fundamental o envolvimento do Governo de Pernambuco para agilizar as definições de traçado e as desapropriações que são indispensáveis para qualquer uma das soluções. O que fundamentalmente não se deve aceitar é a perda da oportunidade de inserir Pernambuco nas rotas logísticas principais do Brasil.
*Por Mauricio Oliveira de Andrade, Professor Associado da UFPE e membro do CTP (Comitê Permanente) do Crea-PE