À grave situação fiscal que afeta a União some-se agora a crise financeira que atinge o conjunto dos Estados brasileiros, embora haja substanciais diferenças quanto ao grau de dificuldade e de desempenho da gestão fiscal entre as unidades federadas. A crise financeira dos Estados brasileiros que assume colorações fortemente dramáticas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, mas não em Pernambuco, é estrutural em sua essência. A recessão econômica só fez agravar e revelar com ênfase uma situação que vinha se deteriorando gradativamente ao longo do período 2007-2015. A perda de arrecadação própria e de transferências da União comprometeu as receitas dos Estados. Todavia, esta não foi a causa da crise. Apenas piorou o que já era ruim.
O principal vilão da crise é o crescimento dos gastos com pessoal, especialmente com os inativos. As despesas com servidores públicos no conjunto dos Estados aumentaram 43% acima da inflação entre 2009 e 2015. E o déficit com inativos elevou-se 64% durante o mesmo período aumentando de R$ 47 para R$ 77 bilhões. Não houve aumento significativo no número de servidores públicos ativos para o conjunto do País. A elevação dos gastos com pessoal deveu-se mais ao aumento de inativos e do salário médio. Em 2015, oito Estados tiveram os limites globais de comprometimento da Receita Corrente Líquida com pessoal bem acima do teto de 60% estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, destacando-se Minas Gerais (78%) e o Rio Grande do Sul (71%). Pernambuco comprometeu apenas 53% porque fez bem o dever de casa. Esse estouro ocorreu apesar da definição do que está contido ou não nos limites ter sido, em anos recentes, flexibilizada pelo Senado Federal e pela vista grossa dos Tribunais de Contas dos Estados.
Houve também um aumento do endividamento financeiro dos Estados com bancos públicos e agências multilaterais, especialmente entre 2007 e 2014. Esses recursos foram captados para investimento, mas, de fato, substituíram receita própria que teria essa finalidade e que foi deslocada para aumentos de pessoal e custeio da máquina pública. Parte do investimento foi financiado por empréstimos e não por recursos próprios.
A terceira causa da crise dos Estados repousa na substantiva renúncia fiscal incorrida para atrair ou manter empresas nos seus territórios, conhecida como guerra fiscal. Os benefícios fiscais incidem em sua maioria sobre o ICMS, o principal imposto de titularidade dos Estados. Há inúmeros benefícios que se caracterizam por isenções, redução da base de cálculo e créditos que drenam recursos dos cofres estaduais. Alguns desses benefícios foram concedidos à margem do Conselho de Política Fazendária (Confaz) que exige unanimidade dos Estados para serem aprovados.
No caso do Rio de Janeiro, de longe o Estado com a situação fiscal mais crítica, houve o uso de rendas do petróleo (royalties), um recurso volátil e finito, para financiar despesas permanentes como o pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores públicos. É um princípio saudável da política fiscal que gastos recorrentes não devam ser financiados por receitas extraordinárias ou incertas no seu valor e duração. Isso, no entanto, foi o que ocorreu no Rio de Janeiro onde as despesas com pessoal cresceram durante o período 2009-2015, sem descontar a inflação, 146,6%. Retirado o efeito da inflação (45,4%), o crescimento real da folha de pagamento dos servidores públicos, ativos e inativos, do Rio de Janeiro cresceu 101,2%, o que significa que os gastos com pessoal dobraram em termos reais em seis anos. Esse crescimento mostrou-se insustentável, revelando uma gestão fiscal temerária.
Quais são as saídas? Reformar a previdência pública dos Estados; criar uma limitação constitucional para o crescimento dos gastos primários, ou seja, limitar o crescimento real do gasto público primário estadual com mecanismo, se não igual, semelhante à contida na PEC dos gastos do Governo Federal; acabar com o princípio do destino na cobrança interestadual do ICMS extinguindo a guerra fiscal; e, fortalecer e ampliar a Lei de Responsabilidade Fiscal para evitar alguns abusos como o uso de royalties para financiar despesas permanentes.
As medidas são duras, mas é melhor encarar esses desafios do que ter de conviver com Estados fracassados onde há uma dissociação entre realidade jurídica e empírica, onde as estruturas de governança não funcionam e onde as instituições e as principais funções do Estado colapsam.
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