Danilo Cabral, Superintendente do órgão, fala sobre os projetos para incentivar o desenvolvimento no Nordeste, analisa o impacto do fim dos incentivos fiscais determinado pela Reforma Tributária e garante que o trecho Salgueiro-Suape da Transnordestina será construído.
Em menos de um mês à frente da Sudene, Danilo Cabral já deixou patente a prioridade da sua gestão: resgatar a função do órgão de planejar o desenvolvimento do Nordeste. Um papel estabelecido quando a superintendência foi criada pelo renomado economista Celso Furtado, mas que foi abandonada nas últimas décadas a ponto de ter sido até extinta no Governo de Fernando Henrique. Nesta entrevista a Cláudia Santos e Rafael Dantas, Danilo Cabral falou da elaboração do Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste, com a participação dos governadores da região, das consequências do fim dos incentivos fiscais determinado pela Reforma Tributária e garantiu que o trecho Salgueiro-Suape da Transnordestina será construído.
O Nordeste continua uma região carente, tanto é que 50% dos beneficiários do Bolsa Família estão aqui. O que prevê o Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste, formulado pela Sudene, para reverter essa situação?
Acho que temos alguns desafios que estão postos na Sudene, que ocupou um papel mais relevante quando foi criada, em 1959, por Celso Furtado. Esse protagonismo foi sendo perdido, a partir da décadas de 80 e 90 quando começou um processo de esvaziamento dos órgãos de planejamento mas, sobretudo, no Governo Bolsonaro quando houve uma relação de quase inimizade entre o Governo Federal e o Nordeste. Estamos resgatando a essência da Sudene para ser um grande órgão de formulação e planejamento de políticas públicas para reduzir a desigualdade da região.
O primeiro desafio é reposicionar a Sudene como um espaço de diálogo federativo porque se chegou a um ponto de se ter que constituir um consórcio com os governadores, uma instância de governança regional, para poder fazer as discussões e apontar as soluções que eles imaginavam para o Nordeste. Mas tem que haver um diálogo federativo que é o papel da Sudene: coordenar, mobilizar, articular, integrar o conjunto das políticas.
Temos um ambiente hoje muito propício a isso. A volta de Lula à Presidência da República permitiu um reencontro do Nordeste com o Brasil. Precisamos voltar a um estágio que vivenciamos, inclusive nos primeiros governos de Lula, quando vimos o Nordeste crescer 53%, enquanto o Brasil cresceu 46% do seu PIB e foi nesse período que vimos a região entrar no processo de industrialização, embora tardio. Vimos um conjunto de políticas para tirar uma marca que foi e até hoje é vista por alguns que insistem em tratar o Nordeste de forma preconceituosa como um problema, o Nordeste da fome, da miséria, da seca.
Não somos mais esse Nordeste, nem a Sudene é mais aquela, porque chegou uma nova industrialização, que precisa avançar, e chegou a proteção social com o Bolsa Família. Chegaram a escola técnica no interior, a água com a Transposição, que precisa consolidar. Vimos a energia limpa chegar ao Nordeste, ou seja, temos avanços. Precisamos aproveitar este momento com a eleição de Lula e fazer um novo reencontro do Nordeste com o Brasil, para que a gente possa ter uma nova janela de oportunidades.
Quais os desafios para a Sudene voltar a ser um órgão importante de planejamento? Ela perdeu a equipe técnica?
Perdeu. A Sudene chegou a ter 3.500 funcionários, tinha escritórios de representação em todos os Estados do Nordeste. Hoje temos 180 funcionários e mais nenhum escritório nos Estados. Tivemos reunião, junto com a Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) e a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), com o ministro Waldez Góes [da Integração e do Desenvolvimento Regional] a quem as superintendências estão subordinadas. As três têm o mesmo diagnóstico: esvaziamento, redução de quadro, sucateamento do órgão. Apresentamos ao ministro um pedido de recomposição de quadros. Ele tem sido muito sensível a todas essas questões.
É preciso fortalecer o Condel, o Conselho Deliberativo das políticas regionais. Com o Consórcio Nordeste houve um deslocamento do eixo. Por isso, minha primeira agenda foi ir à Paraíba, simbolicamente uma referência a Celso Furtado, mas também conversar com João Azevedo, coordenador do Consórcio, para convidá-lo, em nome de todos os governadores, para a minha posse. Eles fizeram questão de participar.
Vamos fazer — temo até usar essa expressão, senão Ariano [Suassuna] se mexe no túmulo dele (risos) — um roadshow, pois as pessoas precisam voltar a conhecer a Sudene. Recebi perguntas do tipo: a Sudene existe ainda? Porque as pessoas não a percebem por trás das obras, como a do Aeroporto dos Guararapes, onde há uma grande reforma feita por um parceiro privado. Mas tem recursos do Fundo Constitucional da Sudene ali. A Transnordestina recebe R$ 3,5 bilhões do Fundo. Quando a gente fala da Stellantis, tem R$ 2 bilhões de recursos de incentivos ali.
Voltando ao Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste. O que ele prevê?
Resgatamos um plano gestado ainda em 2019, mas ele não teve efetividade até por causa da pandemia. Mas as bases dele foram constituídas a partir de estudos feitos pela própria equipe técnica da Sudene. [A economista] Tânia Bacelar também ajudou na formulação. Fizemos a atualização de alguns dados desse plano, constituímos os conceitos macro do ponto de vista da visão, dos princípios, dos valores, das diretrizes e uma carteira de projetos atualizada com essa nova safra de governadores. Consultamos todos os estados para apresentarem seus projetos para os próximos quatro anos. Um conjunto enorme de projetos foi apresentado. Vamos anexá-los ao plano que está sendo encaminhado para os ministérios da Integração e do Planejamento, e serão incorporados ao PPA, para chegar agora em agosto ao Congresso Nacional.
Acho que o plano carece ainda de um amplo debate e é isso que vamos continuar fazendo durante a tramitação dele no Congresso Nacional. Queremos rodar os estados para ouvi-los mais, os municípios, o setor produtivo, as universidades, os trabalhadores. Trabalhamos com uma visão estratégica de futuro que vai até 2027 com um Nordeste inovador, próspero, justo, que valorize e respeite a diversidade cultural e os nossos biomas, que fortaleça as instituições e que dê ao nosso povo uma condição de vida digna.
Também há uma clara convicção de que vamos desconcentrar o crescimento que é concentrado na borda das regiões metropolitanas dos estados. Precisamos levar esse crescimento para o interior. Foram identificadas 52 regiões do interior do Nordeste – que na Sudene inclui norte de Minas e Espírito Santo. É o que chamamos de cidades policêntricas, aquelas que têm um padrão de desenvolvimento que interferiu no crescimento da região. Em Pernambuco, por exemplo, além do Recife, temos Caruaru, Serra Talhada e Petrolina. A linha é integrar as políticas do governo direcionando para essas regiões e, a partir delas, levar o desenvolvimento para o interior e transbordá-lo da borda daqueles municípios.
A carteira de projetos vai ser compatibilizada com o orçamento do Governo Federal, na linha do PPA, do PAC, e a partir disso iniciamos o monitoramento da execução do plano. Queremos fazer isso dialogando. Precisamos avançar para ter um equilíbrio no nosso desenvolvimento. Temos instrumentos para isso que são os fundos constitucionais que somam quase R$ 40 bilhões, além dos incentivos fiscais.
O senhor disse que, no plano, cada Estado lançou seus projetos. Quais são os de Pernambuco?
Em Pernambuco, um dos pontos mais pendentes e buscados é a questão da Transnordestina, e que não é só de Pernambuco. Fizemos, recentemente, um ato muito bonito de mobilização das forças locais em defesa do trecho de Salgueiro até Suape. Mas o projeto é uma demanda da região, porque ele foi apresentado pelo governador João Azevêdo [governador da Paraíba e presidente do Consórcio Nordeste], quando da primeira interlocução do presidente Lula com os Estados. Ele solicitou a cada um que apresentasse três projetos e a Transnordestina foi apresentado como um projeto da região.
Pernambuco tem outros projetos. Precisamos avançar na questão do Arco Metropolitano. Temos os encaminhamentos que já estão sendo feitos desde outros governos, um avançado no trecho sul. Estamos discutindo como fazer o trecho norte, a discussão ambiental precisa ser feita. A questão da água é fundamental, apesar do avanço da Transposição, mas temos ainda o desafio de integração dessas bacias e adutoras que precisa ser feita.
Voltando à abordagem do Nordeste de um modo geral, quando se fala do fim da política de incentivo fiscal, o que se aponta como desafio depois disso é garantir uma atratividade de investimentos para a região. Essa condição acabando (e vai acabar com a Reforma Tributária lá na frente), precisamos colocar os instrumentos para que as empresas, independentemente dos incentivos, fiscais se estabeleçam na região. Para isso precisamos avançar nessa questão da infraestrutura e volto a falar na Transnordestina como questão central, mas também da água, dos portos, da malha viária, da energia como questões centrais.
Também precisamos de capital humano, porque ninguém vai se estabelecer enquanto não tiver mão de obra. Precisamos avançar na pauta da educação, que faz parte também do eixo estratégico do plano. Essa é uma área pela a qual tenho muito carinho dada a experiência que tive como secretário de Educação. A região tem apenas 30% das crianças nas creches, precisamos avançar nessa questão e no acesso e na qualidade do que vem depois disso, no ensino superior e na educação profissional.
Um terceiro ponto diz respeito à agenda ambiental. Temos no Nordeste um ativo que no passado foi visto como passivo: temos sol o ano todo e os ventos como ativos para geração de energia limpa. Temos hoje na região 83% da energia limpa produzida no Brasil, (considerando solar e eólica), temos 80 parques solares e eólicos que são base para a principal etapa que vem depois que é a do hidrogênio verde. Mas a demanda é muito maior. Tive diálogos com duas empresas nacionais que querem avançar nessa área e buscam mecanismos de apoio e financiamento. Vai ter um momento em que isso vai ser dialogado com o governo para que se coloque o tema dentro de uma pauta de centralidade no Brasil, porque há muitas iniciativas que estão sendo conduzidas.
O senhor mencionou o fim dos incentivos fiscais no Nordeste com a Reforma Tributária. O fundo de compensação previsto será suficiente para os Estados serem ressarcidos dos prejuízos?
Primeiro, temos que reconhecer o avanço que representa a aprovação da reforma, isso é um debate que já tem mais de 30 anos. Temos um sistema tributário que é muito prejudicial a quem ganha menos, com uma base tributária em cima do consumo que termina igualando o sujeito que ganha um bolsa família, ao comprar um pacote de feijão, a um desses grandes bilionários. Essa base é um ponto de partida, a reforma já aponta um avanço.
Há questões como a desoneração da cesta básica, o processo de simplificação, o conjunto de impostos que muitas vezes gera litígio e até afugenta quem quer empreender. A simplificação é um avanço, a mudança da cobrança para onde está o consumo também porque, muitas vezes, pagávamos o imposto para uma fábrica que produzia em São Paulo ao invés de pagar aqui.
Agora, temos preocupações do que pode acontecer do ponto de vista regional, primeiro em relação ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional que vai pretensamente fazer a compensação dessa transição de quem perder. Houve uma omissão da decisão tomada na Câmara que foi não colocar na PEC os critérios de distribuição dos recursos do fundo que deveriam estar já na proposta. Em função da dificuldade de avançar no consenso, optou-se em jogar isso para a legislação complementar. Defendemos – e a grande maioria dos estados também – que o critério seja o chamado PIB Invertido: os estados com os menores PIB receberiam mais recursos desse fundo. É um ponto que ficou a ser discutido na tramitação no Senado.
Outro ponto diz respeito aos mecanismos de deliberação do Conselho Federativo que é a instância que vai regulamentar e discutir toda a questão da política tributária. O critério definido era que a maioria dos estados decidiria sobre a questão. Mas foi incorporado um item em que o critério será também em função dos estados mais populosos. Isso termina desviando o eixo de decisão para estados como São Paulo.
Há outras questões que estão correndo em paralelo. Uma diz respeito ao incentivo à indústria automotiva. Só o Nordeste perdeu nesse movimento. Durante a votação da PEC na Câmara, por um voto, não alcançamos os 328 votos necessários para preservar esse incentivo que garantiu a vinda, por exemplo, da Stellantis aqui, está garantindo a implantação de uma montadora na Bahia e que pode garantir ao Rio Grande do Norte trazer um empreendimento como esse também. Isso é uma coisa que precisa ser recomposta de imediato porque a próxima votação será no Senado.
Um terceiro ponto é que temos a política de incentivos, que é feita pela Sudene, de desoneração do pagamento do imposto de renda das empresas que chega a 75% da capacidade de reinvestir, cuja lei diz que vai até 31 de dezembro deste ano. Há um projeto tramitando no Senado e aprovado na Câmara, do deputado Júlio César (PSD-PI), que prorroga isso para 2028. Esses quatro pontos são muito importantes na política de atração de investimento e devemos estar atentos para garantir minimamente uma equidade na relação regional.
Em relação à Transnordestina qual é a garantia de que o trecho Salgueiro-Suape vai ser construído?
A Sudene é parte da solução, da mesma forma que ela já foi e é parte do que já está sendo executada hoje. Como disse, nesta fase que está em execução, R$ 3,5 bilhões vieram do fundo constitucional da Sudene e certamente vamos ter, tanto a conclusão do trecho de Salgueiro a Pecém como também do trecho que vai até Suape. Vamos participar desse diálogo. Estava numa discussão com diversos órgãos do governo para estruturar esse mecanismo de financiamento e isso tudo vai ser de alguma forma esclarecido.
Quero crer que vamos ter uma clareza disso tudo quando for apresentado o novo PAC, que é quando o governo vai apresentar o conjunto de prioridades para os próximos quatro anos. São investimentos da ordem de R$ 70 bilhões e dentro desses investimentos sabemos que têm muitos recursos para a infraestrutura e para recursos hídricos. O Nordeste vai ser muito prestigiado nessas duas áreas.
A garantia é a vontade política de fazer, a garantia de quem pegou a obra que era secular, tinha 300 anos, e começou a executá-la. A garantia de um presidente que conhece a realidade do povo do Nordeste e que daqui saiu expulso porque não teve oportunidade, mas chegando à condição de presidente foi quem mais transformou a vida do povo nordestino.
As condições políticas estão postas, com a presença política do Nordeste no governo do presidente Lula. Ora, você pega o Maranhão tem o ministro Flávio Dino, o Piauí tem o ministro Wellington [Dias], o Ceará tem o ministro Camilo [Santana], o Rio Grande do Norte tem o presidente da Petrobrás Jean Paul Prates, a Paraíba tem o presidente do Consórcio, Pernambuco tem Luciana [Santos] e tem André [de Paula], você pega Alagoas tem Renan [Filho] no Transportes, pega Sergipe tem Márcio Macedo, Secretário Geral da Presidência, a Bahia tem Rui Costa na Casa Civil. Temos um ativo político com um conjunto de atores que conhecem de perto essa realidade e eu tenho certeza que isso vai se transformar também em ações do governo.
Como está a obra da Transposição?
Avançou muito. Agora temos dois desafios: um é concluir algumas obras complementares, a principal delas em Pernambuco é a Adutora do Agreste que levará água do canal a 81 localidades do Agreste Pernambucano. E um desafio posterior é equacionar a gestão do próprio programa. Há uma conta que precisa ser equacionada que estados e o Governo Federal precisam chegar num entendimento de como vai se dar. Mas tenho certeza de que isso vai ser rapidamente solucionado, há uma disposição do governo para isso. Mas, o importante é que a água chegou, 12 milhões de pessoas dependem dessa água.
O senhor falou que são R$ 40 bilhões nos fundos constitucionais. Eles serão destinados a que tipo de financiamentos?
São recursos para financiamento e tem critérios para isso, basicamente todos os setores da economia podem acessar os dois fundos. Há uma orientação do presidente Lula de democratizar o acesso a eles. O volume é expressivo, inclusive nosso maior parceiro é o Banco do Nordeste. Na reunião do primeiro Condel, foi apresentado e aprovado nas outras superintendências uma proposta de vinculação de, no mínimo 3%, dos recursos para o microcrédito produtivo orientado para garantir acesso aos pequenos, aí gera-se muito emprego e renda. É essa a política.