Se você pensa que aquele chá que sua avó lhe oferecia quando estava doente não traz benefícios para a saúde, é bom mudar de ideia. Existem comprovações científicas dos efeitos positivos das plantas medicinais e dos remédios produzidos a partir delas, os fitoterápicos. A tradição de nossos ancestrais de transformar a flora numa verdadeira farmácia ganhou status de ciência. E não é só isso. Também virou política pública. O Ministério da Saúde (MS) vem incentivando a fitoterapia País afora a partir do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF). E aqui, na Veneza Brasileira, a Secretaria de Saúde do Recife vai inaugurar no ano que vem um projeto de Farmácia Viva no Jardim Botânico para distribuir plantas medicinais e fitoterápicos aos pacientes da rede municipal.
Pernambuco já teve um laboratório semelhante. Foi o primeiro do Brasil pertencente ao serviço público. Isso aconteceu lá pelos idos de 1983, em Olinda, tendo à frente a médica Evani Araújo, que hoje é professora do Curso de Farmácia da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS). Uma série de fatores, porém, levou à suspensão da iniciativa, que, no entanto, deixou sementes. A ponto de hoje já termos certa expertise para fazer um novo laboratório.
“Quando comecei, nos anos 80, a fitoterapia era mal vista pelos colegas”, recorda-se Evani. “Mas a concepção foi evoluindo até que em 2006 veio a resolução do Ministério da Saúde oficializando o uso no SUS da fitoterapia. Em seguida foi divulgada a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Renisus)”, relata a médica. Nessa relação constam 71 plantas muito pesquisadas e que já têm segurança de uso. A intenção do MS é expandir a utilização delas tanto in natura quanto na forma de fitoterápicos.
Segundo dados de 2012 do Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica do MS, 970 municípios disponibilizam fitoterápicos em ao menos um estabelecimento de saúde da atenção básica e 80 ofertam esses remédios no modelo de Farmácia Viva. A fitoterapia também ganhou as farmácias comerciais. Basta dar uma olhada nas prateleiras das drogarias para perceber a quantidade e variedade desses medicamentos que são vendidos.
Os que desejam saber como cultivar e usar essas plantas têm a oportunidade de participar de cursos gratuitos ofertados pelo Núcleo de Apoio às Práticas Integrativas (Napi), ligado à Secretaria de Saúde do Recife. O aluno aprende a fazer a formulação caseira mais adequada, seja um chá, um lambedor, ou até um xampu, a partir de vegetais muito comuns em jardins e quintais, como quebra-pedra, babosa e Melão-de-São-Caetano. Gente de todas as classes sociais frequentam as aulas, desde donas de casa, até profissionais da área de saúde que estão fazendo mestrado ou doutorado.
Evani é uma das professoras e assegura que a melhor alternativa para adquirir uma planta medicinal é fazer seu próprio cultivo. “Deve-se saber onde buscar a planta, nem sempre os mercados públicos são a opção mais vantajosa. O melhor é cultivar em casa, mesmo sendo num apartamento. Pode-se plantar até numa garrafa PET”, incentiva a médica.
Usar plantas medicinais requer um certo cuidado. Qualquer interferência externa pode modificar sua eficácia, como a poluição. “E se não forem utilizadas logo depois da coleta, devem ser secadas”, orienta Elba Lúcia Amorim, professora associada e vice-chefe do Departamento de Ciências Farmacêuticas da UFPE.
Elba, que também é conselheira do Conselho Regional de Farmácia, alerta, ainda, para a falsa ideia de que as plantas medicinais não provocam efeitos adversos. Portanto, esqueça aquele pensamento de que tudo que é natural se não fizer bem, mal não faz. “Elas apresentam ações benéficas, mas não desprovidas de efeitos colaterais”, adverte a farmacêutica. Quer ver um exemplo? O boldo é uma planta cuja eficácia contra a indigestão é conhecida por muita gente e teve seus efeitos benéficos comprovados por pesquisas. Mas, em grande quantidade pode provocar câncer hepático. Vale também um alerta especial para gestantes e bebês. Como ainda não existem estudos científicos que comprovem que plantas medicinais não são tóxicas para eles, grávidas e crianças muito pequenas não devem fazer uso delas.
Por todas essas razões, antes de recorrer à fitoterapia, o ideal é obter informações seguras de como se beneficiar de uma horta medicinal. Uma das maneiras, por exemplo, é participar dos cursos, como o do Napi. Maria Alci Medeiros é uma das alunas que usufruiu dos conhecimentos das aulas. Ao sofrer de infecção urinária, foi parar duas vezes na emergência. Ela se curou com o bom e velho chá de quebra-pedra. “Nunca mais tive nada”, comemora Alci.
Já os medicamentos fitoterápicos contêm o princípio ativo (substância que produz o efeito farmacológico) que foi extraído das plantas. Mas não pensem que por serem originados da natureza não passam por fiscalização. Assim como os remédios industrializados, eles precisam do registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), para serem comercializados. Esse registro é obtido a partir da confirmação de testes que comprovem sua eficácia terapêutica e a segurança quanto à toxicidade.
PESQUISA
O Brasil – Pernambuco incluído – tem um potencial grande para expandir o uso de plantas medicinais e produzir uma quantidade diversificada de fitoterápicos. Afinal, nossa biodiversidade é imensa. Mas esbarramos nos obstáculos para realizar pesquisas que evidenciem o efeito desses medicamentos. “Desenvolver esses estudos é um investimento muito caro. Falta incentivo”, lamenta Evani.
Tratar-se, na verdade, de um processo que pode levar mais de 10 anos. Primeiro identifica-se a planta, a partir da classificação botânica internacional com nome em latim. Em seguida, estuda-se como ela se apresenta durante o ano, colhendo mês a mês para verificar se sofre algum tipo de alteração. Em seguida vem uma série de testes primeiro em animais, depois em pessoas.
Elba coordenou um estudo sobre os efeitos de determinada planta no combate a infecções por fungos. Mas teve que paralisar a pesquisa na fase de testes em animais porque não conseguiu financiamentos de R$ 50 mil para dar prosseguimento à investigação. A professora da UFPE não revelou nome do vegetal porque pretende patenteá-lo.
Um cuidado compreensível uma vez que a biopirataria é uma realidade. “Pessoas de outros países pegam a informação com a população sobre o uso medicinal das plantas, produzem seu medicamento, visando o lucro, mas não dão retorno às comunidades que detinham o conhecimento. A patente de um medicamento leva 20 anos”, confronta Evani. Segundo o Ministério da Saúde existe legislação para evitar a saída das plantas. “Mas é difícil a fiscalização, somos um país continental, com áreas de difícil acesso, os vegetais são exportados sem proteção”, afirma Elba.
Mas, estudiosos como ela não desistem das pesquisas. Hoje, Elba está à frente de um estudo de certa planta da caatinga de Altinho (cidade próxima a Caruaru) para observar seus efeitos como protetor solar. “Analisamos se o extrato dessa planta consegue filtrar a radiação ultravioleta. As pesquisas estão em andamento na fase de testes in vitro”, informa a professora.
Evani também realizou vários estudos, mas agora optou por trabalhar com as plantas já pesquisadas e comprovadamente eficazes no combate às doenças. “Meu trabalho visa repassar para os profissionais e população em geral os resultados de pesquisas sobre eficácia e segurança no uso das plantas”.
Ressalte-se, porém, que os fitoterápicos não são substitutos dos medicamentos industrializados, mas são complementares. Porém oferecem uma boa economia para o bolso do consumidor, principalmente quando o laboratório do Jardim Botânico estiver concluído já que serão ofertados gratuitamente. Economia que também pode ser usufruída se o tratamento for à base de plantas medicinais cultivadas pelo próprio paciente. E você também pode se beneficiar. Basta transformar o seu jardim numa farmácia natural. Portanto, mão à obra, ou melhor à terra!
Em breve, plantas e fitoterápicos gratuitos
A população do Recife contará , em breve, com uma Farmácia Viva, isto é, vai adquirir, gratuitamente, plantas medicinais, drogas vegetais e medicamentos fitoterápicos na rede de atenção básica do município. O projeto é uma parceria da Secretaria Municipal de Saúde com a Secretaria Meio Ambiente, que cedeu o Jardim Botânico do Recife (JBR) para cultivar a horta medicinal. No JBR também será instalado um laboratório para a fabricação dos remédios.
“Resolvemos fazer essa parceria com o Jardim Botânico, que já tem a expertise no manejo dessas plantas, aliando à nossa capacidade técnica desenvolvida no Núcleo de Práticas Integrativas (Napi) da Secretaria da Saúde”, explica o secretário de Saúde Jailson Correia. O núcleo a que o secretário se refere oferece aos pacientes da rede municipal atividades como tai chi chuan, bioenergética, ioga, acupuntura, além de orientações relativa à fitoterapia seguindo um conceito de saúde integral.
E é a partir dessa experiência que a Farmácia Viva está sendo implantada. Não por acaso, quem participa da iniciativa é Tiago Ribeiro, coordenador do Napi. Ele explica que o projeto venceu um edital do Ministério da Saúde, em 2014, e garantiu cerca de R$ 450 mil para estruturação do serviço e compra de equipamentos. “Como contrapartida a Secretaria de Saúde terá que bancar o investimento da construção da sede do laboratório”, acrescenta.
Mesmo com a retração da economia, Jailson Correia garante que as obras estarão concluídas no prazo estabelecido de 2016. “Estamos somando os esforços com a Secretaria de Meio Ambiente para a construção desse laboratório, indo atrás de novos recursos. Apesar do momento difícil, vamos manter a expectativa de tê-lo funcionando no ano que vem.”
Dez plantas medicinais serão cultivadas no Jardim Botânico: capim-santo, maracujá, aroeira da praia, babosa, melão-de-são-caetano, chambá, alumã, boldo, hortelã graúda e colônia. Segundo Correia, o desenvolvimento do projeto está sendo realizado em sintonia com a prática dos recifenses. “Nossa população ainda usa bastante as plantas medicinais”, constata.
E a população vai poder participar dessa iniciativa, não apenas adquirindo produtos fitoterápicos, mas também participando de atividades no Jardim Botânico. “Vamos promover ações educativas para a comunidade em geral e também para profissionais e estudantes da área de saúde”, acrescenta Ribeiro.
Esse contato com as pessoas, de acordo com Ribeiro, é importante porque há uma demanda cada vez maior da fitoterapia, que oferece não apenas tratamento para as doenças, mas promove um resgate afetivo, de um conhecimento que foi transmitido por nossos antepassados. “É algo que está inerente na nossa cultura. Ninguém se recorda com afetividade do anti-inflamatório que tomou, mas nos lembramos com carinho daquela xícara quente de chá que nossa mãe nos deu quando estávamos doentes. ”