Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Foi aprovado para comercialização um novo exame sorológico que detecta a presença de anticorpos contra o vírus zika em amostras de sangue. O teste avança em relação aos que estão disponíveis no mercado pela sua capacidade de identificar se o indivíduo foi infectado mesmo após o término da fase aguda da doença. Além disso, apresenta alta precisão mesmo em pessoas que já tiveram dengue ou febre amarela.
O método, testado em mais de 3 mil mulheres de diferentes estados do Brasil, foi desenvolvido pela empresa AdvaGen Biotech, em colaboração com pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e do Instituto Butantan. O projeto contou com apoio da FAPESP e da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep) por meio do Programa PAPPE/PIPE Subvenção.
A empresa detentora da patente tem sede em Itu (SP) e capacidade para produzir 40 mil testes por dia. Com a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso comercial, a empresa está fazendo a validação do kit de testes junto aos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), em Brasília, para a participação junto ao Projeto Cegonha – estratégia do Sistema Único de Saúde (SUS) para o acompanhamento das gestantes em todo o país.
Além disso, o kit também está sendo apresentado para quatro laboratórios privados do Brasil e está em fase de validação na Argentina e na Colômbia.
O objetivo da empresa é que o teste de baixo custo entre no rol de exames de pré-natal do Ministério da Saúde e das Secretarias de Saúde. Além de determinar quais pessoas já foram expostas ao vírus, o intuito do produto é identificar casos de mulheres que foram infectadas pelo patógeno durante a gravidez e cujos bebês nasceram sem microcefalia. Essas crianças podem vir a ter complicações de desenvolvimento como déficit cognitivo e dificuldades motoras.
“Nosso foco foi atender gestantes, principalmente. O teste consegue identificar quem já está imunizado [já foi infectado pelo zika alguma vez na vida], até mesmo no caso de pessoas que também tiveram dengue ou febre amarela. Com o novo teste, as grávidas que nunca foram infectadas passam a ter mais cuidados, como usar repelente e evitar áreas de risco. Já os casos de detecção do vírus durante a gravidez devem passar a ser acompanhados por mais tempo, mesmo que o bebê nasça sem microcefalia”, disse Edison Luiz Durigon, pesquisador do ICB-USP e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do novo teste.
Para Durigon, o novo teste pode ser estratégico para a formulação de políticas públicas. Isso porque bebês expostos ao vírus durante a gestação podem nascer com pequenas lesões no cérebro inicialmente não detectáveis, mas que no futuro podem desencadear déficit cognitivo e outros tipos de problemas.
"A microcefalia é só a ponta do iceberg. A doença é assintomática muitas vezes e até hoje não sabemos a dimensão da epidemia por carência de dados. Acreditamos que cerca de 90% das gestantes que tiveram zika não relataram a doença por não terem notado a infecção. Portanto, muitas das crianças que nasceram sem microcefalia podem vir a apresentar disfunções que só serão percebidas a partir da idade escolar”, disse.
Segundo Durigon, com o novo teste é possível identificar esses casos específicos, que necessitam de exames mais sofisticados, como tomografia e ressonância, para detectar essas lesões no cérebro.
“Hoje temos por volta de 3,8 mil crianças institucionalizadas por causa do vírus zika. Já é um número alto e se refere apenas às crianças com microcefalia. Quantas ao todo foram afetadas não sabemos ainda, pois há uma sombra nessa epidemia que não nos permite ver. O perigo é que novos desdobramentos venham a ser percebidos nos próximos anos, como o aumento de casos de dificuldade de aprendizado nas escolas. Isso pode ser uma consequência, claro que não tão grave quanto a microcefalia, mas também muito séria", disse.
Baixo custo e alta especificidade
A grande vantagem do teste em relação aos já disponíveis no mercado é a capacidade de medir anticorpos muito específicos e, assim, identificar a ocorrência de infecção por zika no soro sanguíneo mesmo em amostras de pessoas que já tiveram contato com patógenos aparentados, como o vírus da dengue.
“O primeiro surto da doença no Brasil ocorreu em dezembro de 2015 e já em julho de 2016 foram colocados no mercado uns três testes sorológicos. Porém, eles são pouco específicos e podem dar um resultado falso positivo caso o indivíduo já tenha tido dengue ou outra doença cujo patógeno pertence à mesma família dos flavivírus. E isso era muito comum em várias regiões do Brasil em que a dengue é endêmica”, disse Danielle Bruna Leal de Oliveira, pesquisadora do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do ICB-USP e coordenadora do projeto.
Com isso, a equipe de pesquisadores desenvolveu o teste sorológico para detecção da proteína viral à qual os anticorpos do tipo IgG (imunoglobulina G) aderem durante a infecção. Dessa forma é possível identificar se a pessoa está imunizada, pois as proteínas permanecem no organismo anos após a infecção.
A dificuldade da técnica, no entanto, estava no fato de a proteína viral NS1 ser muito parecida em todos os membros da família dos flavivírus, que inclui dengue, zika e febre amarela, entre outros. Para contornar o problema, os pesquisadores da USP usaram uma versão editada da proteína, apenas com o trecho da molécula que é específico para o zika.
“Era muito importante que não houvesse reação cruzada em quem já tivesse sido infectado com pelo menos um dos quatro tipos de dengue. Por isso, fizemos mais de 3 mil testes até validar o produto. Buscamos populações de áreas endêmicas de dengue, como São Paulo, Bahia, Goiás e outros estados”, disse Durigon.
O teste é baseado na metodologia conhecida como ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática, na sigla em inglês), justamente para ser de baixo custo e de amplo alcance para a população. A plataforma é composta por uma placa com 96 pequenos poços nos quais fica aderida uma proteína viral capaz de ser reconhecida pelo sistema imune humano.
Os poços são preenchidos com soro sanguíneo de até 94 pacientes simultaneamente – outros dois são usados como controle. Nos casos em que houve contato prévio com o zika, os anticorpos IgG ficam aderidos à proteína viral – o que é posteriormente detectado por ensaios colorimétricos (as amostras positivas e negativas adquirem colorações diferentes).
De acordo com Durigon, é possível saber se a infecção é mais recente ou antiga pela quantidade de anticorpos. "Embora não tenha sido o objetivo do teste, dá para saber se a pessoa tem mais ou menos anticorpos. Se a quantidade diminuiu bastante, é provável que a infecção tenha ocorrido há um ano, por exemplo", disse Durigon.
“O anticorpo não desaparece totalmente do organismo, mas decai muito com o tempo. O lado bom é que, mesmo que a pessoa tenha um nível baixo de anticorpos [infecção antiga], ao entrar em contato novamente com o vírus os níveis de imunidade rapidamente se recuperam. Dá para confiar no sistema imunológico", disse.