Exportar não é só para os gigantes

Consumidores da África, da Europa e até do mundo árabe podem adquirir cosméticos produzidos por uma pequena indústria do Recife. Em Chã Grande uma cachaçaria artesanal comercializa sua sofisticada bebida para o mercado europeu, para onde também são exportadas frutas de uma cooperativa de pequenos produtores de Petrolina. Esses cases representam uma minoria de empresas que contribuíram para o crescimento expressivo nas exportações que Pernambuco teve durante o período da crise econômica. Somente entre 2016 e 2017, o Estado elevou as exportações em 38,4%. Muito disso, porém concentrado em alguns gigantes, como a Fiat. Frente a uma tradição de importação e uma cultura empresarial tímida para alçar voos no exterior, há um esforço governamental para estimular as pequenas e médias empresas a enxergarem o mercado internacional como uma possibilidade de crescimento dos negócios.

Os veículos automotores assumiram recentemente a liderança na pauta de exportações pernambucanas, superando a histórica comercialização do açúcar para o mercado externo. Os combustíveis, químicos e as frutas do Vale do São Francisco são os destaques desse portfólio de produtos do Estado que alcança consumidores de outros países. “Os dez primeiros itens dessa lista representam quase 80% de tudo o que foi exportado pelo Estado. Um grande player nesse cenário é para a Fiat que mudou a liderança da pauta com a exportação de carros, que têm uma agregação de valor muito maior”, afirma João Canto, assessor de comércio exterior da AD Diper (Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco).

João Canto, assessor de comércio exterior da AD Diper

De acordo com Ivone Malaquias, gerente de comércio exterior da agência, a maioria das exportações pernambucanas é proveniente das transações de grandes corporações, várias delas multinacionais. O universo das pequenas e médias empresas ainda está distante dessas oportunidades comerciais, principalmente pela ausência de tradição exportadora. “Esse é um problema nacional. Pequenos e médios empresários não se enxergam no mercado internacional. A falta de cultura de exportação e o tamanho do mercado interno são os principais entraves. A ambição das empresas locais é chegar no Nordeste e depois no Sul e Sudeste. É uma zona de conforto que pode ser uma preparação para a sua morte, pois ficam completamente dependentes do mercado nacional”, afirma.

De acordo com dados da AD Diper, Pernambuco tem uma média de apenas 250 empresas exportadoras, incluindo as grandes. O Brasil tem 25 mil, o que também é pouco. “No mundo desenvolvido a empresa que exporta é competitiva, inovadora e estruturada. Nos EUA, 55% das exportações são de empresas de pequeno porte e na Itália essa fatia é mais de 60%”, aponta a especialista.

Para reverter esse cenário e colocar as empresas brasileiras – e pernambucanas – numa condição de disputar espaço no mercado exterior, há uma série de ferramentas, serviços e programas para sensibilizar e contribuir na preparação organizacional dos interessados em exportar. “Temos que trabalhar muito ainda a cultura. Do mesmo jeito que hoje inovação, empreendedorismo e sustentabilidade são conceitos sobre os quais se conversa desde cedo com os estudantes, essa visão de mundo para negócios também deveria fazer parte da educação para formação dos nossos jovens”, aponta.

Organizações como a AD Diper, Apex Brasil, Sebrae, entre outras, promovem cursos, consultorias, feiras de negócios, missões comerciais, entre outras ações de apoio empresarial. Ivone destaca que em 2015 foi lançado o Plano Nacional de Cultura Exportadora para sistematizar as ações de cada etapa necessária para uma empresa iniciar seus voos no mercado externo.

Uma dessas ações é o Programa de Qualificação para Exportação (PEIEX), promovido pela Apex Brasil, uma agência vinculada ao Ministério das Relações Exteriores. Em Pernambuco são mais de 400 empresas em capacitação no Recife, Caruaru e Petrolina. “Pernambuco é o Estado do Nordeste que tem a maior quantidade de núcleos desse programa. Nosso foco é ampliar a base de empresas exportadoras na região”, afirma Sérgio Ferreira, coordenador do escritório regional da Apex Brasil. O programa consiste em identificar e capacitar empresários que tenham interesse e potencial para exportar, com apoio gratuito de técnicos de universidades parceiras.

Sérgio ressalta que as organizações que sobem esse degrau da exportação amadurecem e ficam menos vulneráveis a fatores da economia brasileira, como a atual recessão econômica. “Quando a empresa acessa o comércio exterior, além de ter o mercado internacional como alternativa às flutuações cambiais e crises domésticas, torna-se competitiva internamente”, explica Ferreira.

CASES
Uma das empresas pernambucanas de médio porte que encara o consumidor estrangeiro como potencial para alavancar os negócios é a Rishon Cosméticos. Com 31 anos de operação, está há sete no mercado internacional. Atualmente comercializa seus produtos para África do Sul, Itália, Polônia, Inglaterra e está vendendo também para os Estados Unidos. Até a Líbia já recebeu os cosméticos da marca. “Hoje o comércio exterior representa ainda menos de 10% do nosso faturamento. Somos uma empresa pequena, mas ‘enxerida’. Trabalhamos muito pensando no médio e longo prazo e a nossa meta é fazer com que a exportação chegue a 20% do faturamento”, prospecta a empresária Marcelle Sultanum.

Marcelle Sultanum, da Rishon Cosméticos

A Rishon já participou de vários programas de apoio que prepararam a empresa para atravessar as fronteiras do País. Sua principal estratégia para captação de novos pedidos é a participação na Cosmoprof Bolonha, uma das principais feiras internacionais de cosméticos.

Outra pernambucana, a Sanhaçu, também exporta a sua cachaça orgânica para a Áustria. Atualmente uma fatia pequena, que representa apenas 1% do total produzido de 22 mil litros por anos, está chegando à Europa, mas as projeções são bem ousadas. “Nossa meta é produzir 40 mil litros por ano, a partir de 2021, e exportar 50%”, afirma o diretor de administração e produção Oto Barreto.

Oto Barreto, diretor da Sanhaçu. Foto: Tom Cabral

O acesso ao mercado europeu se deu graças a um distribuidor em São Paulo, que estava buscando seis cachaças brasileiras para levar para uma companhia de e-commerce da Áustria especializada em bebidas mais sofisticadas. Entre os 200 rótulos que a distribuidora trabalhava no Brasil, a Sanhaçu conseguiu espaço. Para 2018, a empresa já tem uma oportunidade de entrar no promissor mercado alemão.

O fato da marca trabalhar com cana-de-açúcar orgânica e ter diferenciais de sustentabilidade (como o fato de usar 95% de energia solar no seu processo produtivo) são fatores que agregaram valor à Sanhaçu para chegar ao exigente consumidor europeu.

ECONOMIA CRIATIVA
Uma novidade para o ano de 2018 vem do setor de audiovisual: a animação infantil Mundo Bita vai chegar aos espectadores latino-americanos. “Esse sonho já existe há mais de três anos. Vamos entrar do México até a Argentina com todo o nosso catálogo de cinco álbuns em espanhol”, anuncia Felipe Almeida, diretor da Mr. Plot Produções, responsável pelo desenho animado. O tempo de espera para chegar nos países vizinhos foi uma necessidade da empresa para elaborar com cuidado o processo de dublagem, já que é um produto com viés educativo.

Como o conteúdo no primeiro momento é apenas digital, a distribuição é via plataformas como YouTube, Netflix, Spotify e diversas outras. O segundo passo será levar os eventos ao vivo para os países da América Latina e os produtos licenciados, que vão de brinquedos a materiais escolares. Os aplicativos para mobile são outra forma de envolvimento com os fãs que podem fazer parte dessa cadeia de faturamento pelo continente. “Temos todo planejamento traçado para chegarmos nesse mercado. E esperamos um retorno positivo para produzirmos novas versões em inglês”, projeta Felipe Almeida.

DO CAMPO PARA O MUNDO

As uvas e mangas do Vale do São Francisco que chegam ao mercado exterior somam 7,4% das exportações pernambucanas. Uma experiência que vem de Petrolina e não é exclusiva de grandes produtores. “Parte dessas frutas são produtos provenientes de pequenos agricultores, que entram no padrão internacional e que vendem seus produtos para uma exportadora ou através de cooperativas”, afirma João Canto.

Uma dessas experiências é da Cooperativa Agrícola Nova Aliança (Coana). Somando 21 associados em Petrolina, ela comercializa 2,5 toneladas de uvas principalmente para a Europa. “Aumentamos 24% do nosso volume de exportação no ano passado e a tendência é de crescimento, pois estamos voltando a alguns mercados para os quais não exportávamos há alguns anos”, explica o presidente da Coana Edis Matsumoto.

Se o ano passado foi positivo, para 2018 a expectativa é crescer entre 25% e 30%. “Temos mais áreas sendo plantadas e entramos mais forte no mercado inglês e norte-americano”, afirma o produtor. Ele revela que se houvesse mais área produzida, esse volume poderia dobrar. “Temos mercado para isso”, revela. Além da maior demanda pelos produtos brasileiros, o aumento dos pedidos é consequência do maior consumo do produto também no mercado interno, o que fez algumas empresas do Vale do São Francisco diminuírem suas exportações.

Mel é outro produto made in Pernambuco que tem potencial para chegar às mesas estrangeiras. A AD Diper promove a capacitação de pequenos apicultores cooperados do Arranjo Produtivo de Mel do Araripe. “O produto da região é de alta qualidade, mas não chega ao exterior por intermédio de seus produtores, mas de empresas de outros Estados. Nossa atuação é para que haja agregação de valor na produção deles para que possam exportar o próprio mel sem a necessidade de terceiros”, afirma Canto.

O esforço da agência é no sentido de contribuir para as adequações na organização física e legal, além da qualificação técnica. Nas pesquisas da agência já foi identificado um grande potencial de ingresso desse produto no mercado europeu, onde o consumo está aumentando em razão da substituição do açúcar pelo mel.

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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