*Por Raul Lody
É comum dizer: “vou fazer feijão”. E com essa intimidade, localiza-se o que é “fazer feijão”. Pois feijão é um símbolo da casa, da cozinha, do cotidiano. Uma comida que está na grande maioria das mesas brasileiras.
Então detalhamentos de um imaginário que individualiza qual é o tipo de feijão e a sua receita culinária. E assim posso fazer feijão magro; fazer feijão de leite, diga-se ao leite de coco; feijão de azeite, e com essa característica já se sabe, no caso dos baianos, que o feijão é do tipo fradinho e temperado com azeite de dendê.
Assim o feijão de azeite faz a base dos cardápios para as outras receitas com dendê, o mesmo ocorrendo com a farofa de dendê. Dessa maneira retoma-se a harmonização feijão e farinha de mandioca .Essa opção de se comer é a opção mais geral e nacional que encontramos na união do feijão e da farinha, diga-se feijões e farinhas de muitos e diferentes tipos, cores, formas e sabores .
As comidas “de azeite” integram receitas de carnes, peixes, aves, legumes, todas celebradas no dendê, que também é chamado de “azeite de cheiro”. O de oliva chama-se de “azeite doce”, também um ingrediente tradicional destas mesas reinventadas na matriz africana que compõe com a mesa ibérica e mediterrânea.
A mão africana misturou o leite de coco ao dendê, ao azeite de oliva, também pela África Magrebe, e assim nascem diferentes sabores afrodescendentes. Como também nas interpretações das pimentas frescas e secas, e outros temperos como, por exemplo, cominho, urucum; “egussí”, que é a semente da abóbora ou da melancia, torrada e salgada, usada para destacar o cheiro, a cor e o gosto das comidas.
Embora o feijão de azeite esteja presente na tradição da mesa baiana, no clássico “A arte culinária da Bahia” (1928), de Manuel Querino, os pratos com feijão apresentados pelo autor, que viveu e realizou suas etnografias, século XIX, na cidade do São Salvador, são os da feijoada e do feijão de leite.Não citando a receita que se conhece por feijão de azeite.
. Como acontece com a maioria dos pratos “de azeite”, há uma presença marcante do camarão defumado, e certamente do molho de pimenta fresca para aguçar os sabores.
A mistura do feijão fradinho com o camarão defumado está no abará, por exemplo, e que se complementa na pimenta e no dendê. Também pode-se ver o acarajé como uma elaboração do feijão e do dendê. E ainda com dendê os recheios do vatapá de acarajé, diferente do vatapá de mesa, do camarão defumado refogado e no próprio molho do acarajé .
Então para se fazer o feijão de azeite segue-se um roteiro que começa com o feijão fradinho que é bem cozido e na sequencia vai para o refogado, sem o caldo; e, na receita tradicional, são acrescentados: camarão defumado, cebola, coentro, dendê, sal.
Ainda deste processo culinário de se fazer o feijão de azeite, a água do cozimento, que é a água escorrida do feijão fradinho, poderá ser a base de um tipo de sopa que é complementada com legumes, carne “verde” ou fresca geralmente de boi, algum embutido entre outros ingredientes.
A partir da receita do feijão de azeite, há uma receita de amplo uso ritual religioso chamada de omolocum, que é uma das comidas preferidas do Orixá Oxum. O feijão é muito cozido e refogado com cebola, camarão defumado e dendê.Quando esta etapa está realizada este feijão é colocado em um utensílio de louça onde são acrescentados ovos cozidos inteiros , pois o prato com estas características assume seu conceito estético, e assim segue para o seu uso sagrado.
O feijão é tanto uma comida consagrada do dia a dia, e o feijão é também uma comida da festa e é ainda a base de muitas receitas rituais, fazendo com que o nosso paladar busque no feijão uma notável referência do sabor brasileiro.
*RAUL LODY é antropólogo