É certo que a Festa Digital do Livro, uma promoção da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) para celebrar o Dia Mundial do Livro, já nasce bem sucedida. A programação, que está disponível, foi transmitida ao vivo por meio de diversas plataformas virtuais ganhou projeção, contabilizando mais de 2.800 acessos em território nacional e países como Estados Unidos, Austrália, Portugal, Argentina, França, Reino Unido, Colômbia, Espanha, Índia, Japão, dentre outros. A iniciativa aponta, também, uma direção para a TV Fundaj, projeto que vem sendo alinhado pela Instituição pernambucana. Os comentários são positivos. Em Pernambuco, universidades tornaram o evento a aula do dia. O evento teve uma maratona de 18 horas.
Homenageada da edição inaugural, a escritora brasileira Clarice Lispector (1920–1977) se fez presente logo cedo. Foi do sobrado 387 da Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, área Central do Recife, que o presidente da Fundaj, Antônio Campos, fez sua saudação inicial. Defensor da literatura em Pernambuco, ele reforçou a urgência no tombamento e recuperação do imóvel onde Clarice viveu sua infância. “Ela reconhecia que Recife foi sua geografia fundadora, sua memória afetiva. Vamos abraçar Clarice como pernambucana e colocá-la na geografia literária, artística, turística e cultural de Pernambuco”, defendeu Campos. Por isso, cobrou da Assembleia Legislativa o Título de Cidadã Pernambucana in memorian para a autora.
No bloco da manhã, os espectadores a programação com curadoria do gestor da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Casa, Mario Helio. “Ao decidir celebrar Dia Mundial do Livro em uma festa 100% digital, a eleição da homenagem foi algo muito fácil. Nenhuma autora sintetiza melhor que Clarice Lispector um Brasil internacional, não apenas por haver nascido na Ucrânia e se naturalizado brasileira quando já adulta, aos 23 anos, e sim pela temática e universalidade de sua obra”, festejou o diretor. A fim de reforçar com o público a disponibilidade de espaços de conhecimento, a Biblioteca Blanche Knopf, no Recife, e a Biblioteca Oliveira Lima, em Washington, nos EUA, foram apresentadas pelas suas gestoras.
Na função de âncora, o jornalista Ivan Júnior conversou, ao vivo, com a professora da UFRPE Sherry Almeida, que falou sobre a presença fundamental do não dito e a presença do cotidiano nas obras de Clarice. “Para ler qualquer texto dela, é preciso entender o sentido que as linhas e entrelinhas dão e como formam uma relação. O que ela torna inusitado, além de atrativo e estranho a alguns, é a transformação dos acontecimentos do cotidiano em algo muito mais importante. Ela potencializa isso”, explicou. Defendeu também, na conversa, que a capacidade de leitura não está necessariamente relacionada à idade ou experiência e, sim, à liberdade de permitir um mergulho em si, que é o que a escritora propõe.
Abrindo as palestras, a agente literária Luciana Villas-Boas e fez uma análise do mercado editorial contextualizada a partir da pandemia da Covid-19. Ela falou sobre os impactos nas grandes feiras, que foram repensadas, e a reinvenção do setor brasileiro e mundial. Lembrou que o segmento é estimulado a se reformular há mais de vinte anos. “Desde a substituição do papel pelo cd rom”, brincou. Luciana comentou, também, a quebra de grandes redes, como a Cultura e Saraiva, o consequente comprometimento às editoras e a poderosa chegada dos e-books. “Esses fatores já eram a realidade dos players da literatura, ao contrário, por exemplo, do cenário das empresas de aviação que, hoje, vivenciam a perda de passageiros com o isolamento social”, refletiu.
Em entrevista, a professora universitária na Paraíba, Zuleide Duarte, divagou sobre a importância da efeméride e refletiu sobre como a realidade brasileira impacta o hábito da leitura. “Faltam leitores porque falta aprendizado de leitura. Temos uma ausência de incentivo às publicações e à leitura, de política de tradução, de pesquisa e curiosidade. Há muito para se ler e há muito para dizer”, apontou. Já a escritora Andrea Nunes homenageou o escritor e ensaísta Rubem Fonseca, falecido no último dia 15. Andrea leu trecho de “Agosto” para mostrar a influência da carreira de Rubem como comissário de polícia nas suas obras. “Ele tinha preocupação de trabalhar com a violência como matéria-prima e a linguagem coloquial da realidade brasileira. Trouxe uma qualidade de texto que extrapola os rótulos”, afirmou.
Além das palestras e entrevistas, o público assistiu ao recital de trechos da obra de Clarice Lispector por personalidades como a antropóloga Fátima Quinta, a atriz Maria Fernanda Cândido e o cineasta Marcelo Gomes. A Cinemateca Pernambucana exibiu clássicos do Ciclo do Recife, produzidos na década de 1920, a exemplo de Retribuição, Jurando Vingar e Revezes. O documentário O Rochedo e A Estrela, da cineasta Katia Mesel, trouxe um panorama da cultura judaica em Pernambuco, um dos eixos da Festa. Ao longo da transmissão, os espectadores elogiaram a iniciativa. “Estou acompanhando a live o dia inteiro. Belíssima e merecida homenagem a Clarice Lispector”, comentou Ana Karla Farias. “A arte sempre nos mostrando a direção a tomar: para dentro de nós mesmos”, disse Samuel Nunes. A Festa Digital do Livro pode ser conferida em flidfundaj.com.br.