*Por Carlos André Silva de Moura
É consenso entre pesquisadores da história das religiões, especialmente aqueles que se dedicam a compreender aspectos políticos, sociais e culturais da Igreja Católica Apostólica Romana, que a instituição representa uma das principais estruturas conservadoras da atualidade. Pode-se destacar que muitas das suas recomendações, como a “proibição” do planejamento familiar, a falta da ascensão das mulheres em cargos de liderança ou a manutenção do celibato para o clero, são aspectos que estão distantes do diálogo com a realidade do tempo presente.
Desde o papa João Paulo II (1978-2005), temáticas sensíveis sobre a reestruturação da Cúria Romana estiveram, de forma mais direta, na ordem do dia entre a hierarquia eclesiástica da Igreja Católica. No entanto, nos últimos 12 anos, o papa Francisco conseguiu estruturar um debate que atendeu parte das reivindicações de eclesiásticos, fiéis e colaboradores que trabalhavam por maior abertura da instituição. A sua proposta de uma Igreja Sinodal, que enfatiza a importância da participação ativa de todos os seus membros no processo de discernimento e decisão, apresentou a tônica dos debates estabelecidos desde 2013. O pontífice trabalhou por uma proposta relacional, com defesa da comunhão, da participação nas estruturas religiosas e constante missão, com a promoção de uma “Igreja em saída”, modelo de instituição que se move para “fora de si” e em busca das necessidades do mundo.
As orientações elaboradas pelo papa Francisco estavam em seus escritos mas, também, em atos, inclusive nas recomendações para o seu funeral. Em suas primeiras horas de pontificado, surgiu para a multidão na “sacada das bênçãos”, varanda central da Basílica de São Pedro, com vestes talares simples, crucifixo de latão e poucas palavras se comparado aos seus antecessores, simbolismo que marcou o seu governo. Do mesmo modo, a escolha de Lampedusa, ilha localizada ao sul da Itália, como o destino para a sua primeira viagem demonstrou a preocupação com a causa dos imigrantes e refugiados em todo o mundo, especialmente na Itália que recebia milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade.
O papa Francisco foi um exímio negociador, em busca da execução de uma diplomacia internacional de chefe de estado e a derrubada de muros existenciais. Buscou dialogar com norte-americanos e cubanos, israelenses e palestinos, russos e ucranianos, evitou a Argentina com receio de usos políticos da sua imagem, em um trabalho de aproximação dos diferentes. Criticou os autoritarismos, a violência, os desmandos socioculturais e a guerra nos principais espaços políticos, não se resumindo ao mundo eclesiástico. Trabalhou para a construção de pontes em um mundo de crises e distanciamentos.
Os últimos dias de Francisco foram marcados por atos simbólicos significativos, como a sua aparição na varanda central da Basílica de São Pedro, no dia da Páscoa, com o objetivo de conceder a bênção Urbi et Orbi, e a saudação ao povo no meio da Praça de São Pedro, demonstraram a preocupação do pontífice em fortalecer a sua conexão com os fiéis. Com todas as limitações de uma instituição conservadora, Francisco estabeleceu orientações para a Igreja Católica que exigirá do novo papa diálogos com diferentes grupos e atores sociais, mesmo aqueles distantes do mundo eclesiásticos.
O pontificado que se encerrou em 21 de abril de 2025 ficará marcado por possibilidades de discussões de temas basilares para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. No entanto, sabe-se que os rompimentos são demorados, precisam de continuidades que necessitam de uma longa duração e diálogos conjuntos em uma sociedade complexa como a vivenciada atualmente. A retrospectiva do trabalho executado pelo papa Francisco exigirá do novo pontífice a construção de novas pontes e o fortalecimento daquelas já existentes.
*Carlos André Silva de Moura é docente da Universidade de Pernambuco e coordenador do Laboratório de Estudos da Religião