Frei Caneca: Morte e vida de um herói e mártir - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Frei Caneca: Morte e vida de um herói e mártir

Rafael Dantas

Naquele 13 de janeiro um herói pernambucano inscreveria seu nome na história do Brasil. Desde cedo estava armado o triste espetáculo da demonstração de força pela forca. O cadafalso estava em frente ao Forte das Cinco Pontas, escancarado, para que todos o vissem. O condenado era um religioso despojado dos seus trajes sacerdotais.
Era um tempo de poder incontrastável mas, mesmo assim, três carrascos, homens acostumados a exterminar outros, se recusaram a enforcá-lo. Os militares, então, diante da desobediência dos verdugos, ordenaram que fosse formado um pelotão de arcabuzamento. Só para lembrar aos mais esquecidos, arcabuz era, digamos, o equivalente ao fuzil de hoje.
Teria ocorrido ao comandante da execução que, ao fim, o espetáculo teria mais impacto, já que haveria a tenebrosa sonoplastia dos disparos?
O fato é que cessados os estampidos, o corpo foi colocado à porta de um templo carmelita existente no centro do Recife, em seguida recolhido pelos religiosos e enterrado em local até hoje e talvez para sempre, desconhecido.O muro onde ele foi arcabuzado, no entanto, testemunha insensível daquele momento, continua lá, fazendo companhia a um busto do herói.
A descrição do próprio condenado mostra como ocorriam as coisas no Brasil colonial.
“No dia 20 fui eu conduzido perante o assassino tribunal da comissão de que eram membros o general Francisco de Lima e Silva, presidente (viria a ser o pai do Duque de Caxias); juiz relator Tomás Xavier Garcia de Almeida; e vogais, o coronel de engenharia Salvador José Maciel, o tenente-coronel de caçadores Francisco Vicente Souto; o coronel de caçadores Manuel Antônio Leitão Bandeira; o conde de Escragnolle, que foi o meu interrogante.”
Nascido a 20 de agosto de 1779, naquele 13 de janeiro de 1825 a vida de Joaquim da Silva Rabello ou Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, ou ainda Frei Caneca, como passou ao panteão dos grandes heróis brasileiros, chegara ao fim.
Veja-se, porém, como ele viveu.
Frei Caneca foi um religioso, político, professor e jornalista implicado em movimentos em sua maioria para libertação do jugo português. Para atingir seu objetivo, ele empenhou sua inteligência e seu destemor, constituindo-se um dos principais líderes da Revolução Pernambucana (1817), que proclamou uma República e organizou o primeiro governo independente na região; e da Confederação do Equador (1824), isto sem falar de sua atuação destemida à frente do combativo jornal ”Typhis Pernambucano”, o que lhe valeu, nos autos do processo, a classificação de “escritor de papéis incendiários”. O primeiro número do jornal circulou em 25 de dezembro de 1823, denunciando o despotismo do poder central e conclamando os pernambucanos à revolta. Tornou-se a trincheira de Frei Caneca até à liquidação da Confederação.
De grande erudição, ele foi também professor de retórica, geometria e filosofia racional e moral. Além disso, foi conselheiro do exército republicano do sul, e com a derrota do movimento foi preso e transferido para Salvador, Bahia, onde passou quatro anos preso, tempo em que se dedicou à redação de uma gramática da língua portuguesa.
De volta ao Recife, esteve implicado no chamado movimento de Goiana, uma sedição emancipacionista com o apoio dos principais proprietários da Mata Norte e algodoeira da província. Naqueles dias, um exército de milícias rurais e da tropa de primeira linha marchou contra o Recife, porém sem ocupar a cidade.
Não foi só. Apoiou a formação da primeira Junta Governativa de Pernambuco, presidida pelo comerciante Gervásio Pires Ferreira e depois participou da Junta dos Matutos, que substituiu a junta gervasiana, tempo em que se deu o seu efetivo ingresso na liça ideológica, mas foi na Confederação do Equador que se revelou uma das suas mais marcantes atuações. Nos primórdios não podia ser considerado separatista, já que buscava a preservação do “status” conquistado pelo Brasil no interior do império lusitano.

No Nordeste, contudo, onde a Independência já começara com uma disputa entre colônia e metrópole com a diferença de que esta última já não estava em Lisboa mas no Rio de Janeiro, a situação exigia soluções diferentes.

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Então, com Cipriano Barata, também um dos líderes, deu uma feição claramente definida à Confederação, como um movimento republicano e separatista, ressaltando que seus argumentos para tal não se dirigiam ao imperador, mas contra o que considerava a vocação autoritária de José Bonifácio.

Após o Sete de Setembro, o acirramento da luta entre José Bonifácio e os liberais da Corte havia levado à censura da imprensa, com o fechamento de jornais e o atentado contra o diretor da “Malagueta”, e à prisão de mais de 300 indivíduos, os mesmos que se haviam batido pela independência desde a partida de D. João VI. Havia outras razões de insatisfação, tais como as exigências do erário fluminense, o projeto de Constituição divulgado pelo Correio Braziliense em setembro de 1822, a criação do batalhão de suíços, a fundação do Apostolado, a instituição da Imperial Ordem do Cruzeiro, esta vista como o clube dos aristocratas servis, prossegue o historiador Evaldo Cabral de Melo.

Com seu descortino, partilhava suas ideias republicanas e frequentava a Academia do Paraíso, um dos centros de reunião daqueles que, influenciados pela Revolução Francesa e pela Independência dos Estados Unidos, conspiravam contra o colonizador.

A respeito de Frei Caneca disse o já citado historiador: “O homem que, na história do Brasil, encarnará por excelência o sentimento nativista era curiosamente um lusitano “jus sanguinis” ou, em outras palavras, era considerado cidadão português, já que vigia um preceito de nacionalidade que atribuía a uma pessoa a mesma cidadania dos seus pais, que eram portugueses. Seria, além de tudo, crime de traição?
Permita uma divagação: você sabe por que o nome Caneca?
Uns dizem que era homenagem ao seu pai, que fabricava vasilhames e, obviamente canecas, enquanto outros afirmam que se deve ao fato de que, de família muito pobre, quando menino vendia canecas pelas ruas do Recife.
No livro Cem anos de solidão, o coronel Aureliano Buendía promoveu 32 revoluções armadas e perdeu todas, absolutamente todas. Diferentemente do personagem da ficção de Gabriel Garcia Márquez, na realidade, apesar de imolado Frei Caneca foi vencedor. Tanto venceu, que o Brasil é um país livre, sem dever obediência a nenhum outro.
Frei Caneca costumava dizer que “quem bebia da sua “caneca” tinha sede de liberdade. Graças a homens como ele é que, todos os dias podemos desfrutar essa liberdade em grandes sorvos, reconhecemos nós.

*Por Marcelo Alcoforado

Publicado em 6 de maio de 2017

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