Gauss Cordeiro: “É irresponsável reabertura das escolas ao ensino presencial em 2020” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Gauss Cordeiro: “É irresponsável reabertura das escolas ao ensino presencial em 2020”

Gauss M. Cordeiro, professor titular da UFPE e PhD em Estatística em 1982 pelo Imperial College (Londres) foi um dos entrevistados na edição desta semana da Revista Algomais. Ele é contundente contra a reabertura das escolas prevista para os próximos dias. Confira a entrevista por e-mail concedida ao repórter Rafael Dantas.

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Qual o seu posicionamento acerca da possibilidade de reabertura das escolas já neste mês de julho? 

Chegamos no dia 12 de julho em Pernambuco ao indesejado patamar de 5.595 óbitos e 72.470 casos confirmados. A taxa de mortalidade de Pernambuco é o dobro daquela do Brasil e sua letalidade (óbitos por confirmados) de 7,8% é a 2ª maior do país, só perdendo para o Estado do Rio com letalidade de 8,7%. Apenas, para realçar a letalidade no nosso estado é mais de 6 vezes maior do que a de Brasília, principalmente por conta da nossa pobreza retratada em mais de 1100 favelas. Essa letalidade significa que de 100 casos confirmados irão morrer em média quase 8 por conta da Covid-19.

O Estado de Pernambuco tem uma taxa de mortalidade atual de 590 óbitos por milhão de pessoas, 1,72 vezes maior do que a taxa global do Brasil. A taxa de mortalidade no nosso estado já é maior do que as taxas globais da França, Suécia e Itália, apesar da pandemia ter começado nestes países cerca de 5 semanas antes, e eles contarem com muito melhores condições hospitalares para o tratamento de pacientes sintomáticos com a Covid-19.

A média móvel de óbitos em 5 dias do nosso estado está estabilizada como bem retratada no último relatório do Instituto de Redução de Riscos e Desastres de PE. Entretanto, a taxa de mortalidade da cidade de Recife é muito alta – cerca de1258 óbitos por milhão de pessoas. Apenas para nos situarmos no contexto global, essa taxa é maior do que a média das taxas das áreas mais pobres de Londres e a pandemia começou lá 45 dias antes. Ademais, a taxa de óbitos em Recife é quase 50% maior do que a Bélgica, país com maior taxa de mortalidade da Europa e, infelizmente, esta pode convergir, caso a população recifense não persista adotando medidas rígidas de distanciamento e higienização, para a taxa de óbitos da Cidade de Nova Iorque (próxima de 2000 óbitos por milhão). Um ponto de grande preocupação é que a taxa de contágio em Recife e de outras cidades da sua região metropolitana são hoje bem próximas de um, o que significa que 100 pessoas infectadas tenderão em média a infectar outras 100 pessoas.

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Quais os principais riscos envolvidos para as crianças e familiares?

No que se refere às escolas do ensino básico, a Universidade de Johns Hopkins em Baltimore com mais de 100 anos e uma das melhores do mundo enfatiza no seu portal desta pandemia (tem em média um bilhão de acessos por dia): “As crianças em casa têm menor risco de contrair a Covid-19 do que nas escolas com outras crianças”. As crianças mesmo sem sintomas podem transmitir o vírus da mesma forma que os adultos. Os sintomas realmente não são bons preditores do contágio. Cerca de 18% das crianças testadas como positivo não apresentam sintomas. O grande risco para as crianças e jovens que serão infectados assintomáticos e levarem carga viral para suas casas e vizinhos e infectarem pessoas idosas ou outras com comorbidades.

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Da publicação da carta até esta semana alguma coisa mudou no quadro analisado por vocês, ao menos no Recife, onde os números de infectados têm reduzido?

A carta dos professores do Departamento de Estatística da UFPE à sociedade pernambucana foi publicada há quase um mês e de lá para cá, o número casos confirmados “não decresceu” de forma contínua mas apenas apresentou uma grande variabilidade entre 400 e 1700 casos/dia chegando até mesmo a apresentar uma média superior a 1250 casos/dia nos últimos dias. E observe que o Estado estava sob algumas medidas de isolamento (não tão seguidas por grande parte da população pernambucana) e que agora essas medidas tiveram de ser relaxadas para manter as atividades econômicas de Pernambuco em funcionamento. Entretanto, claro que o número de infectados tenderá a aumentar por conta do relaxamento e, por consequência, o número de óbitos. Tenho notado que algumas autoridades de Pernambuco afirmam que o pico de casos confirmados já passou em Recife e essa hipótese não é verdadeira. Em várias cidades no mundo inteiro os casos confirmados voltaram a crescer mesmo depois da queda após o pico.

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O cenário recomendado de reabertura seria apenas com uma vacina ou a redução maior dos casos poderia ser um cenário considerado como seguro?

Gostaria de salientar que o “Imperial College of Science, Tehcnology and Medicine”, da Universidade de Londres, estimou que 1/3 da transmissão desse vírus ocorre em escolas e escritórios, enquanto 1/3 fica restrito aos bares, Igrejas, supermercados e áreas de lazer. As fontes de contágio do 1/3 restante variam muito. Dada a faixa etária dos alunos dos ensinos infantil, fundamental e médio, não é possível estabelecer um mecanismo efetivo de distanciamento social. Ademais, o contágio em ambientes fechados pode ocorrer porque as gotículas geradas pela fala ou tosse de infectados podem permanecer suspensas no ar durante horas. No ar condicionado podem se deslocar por mais de 4 metros. Se houver retorno esse ano, muitos alunos serão infectados e inúmeros trarão carga viral para seus lares. A maioria deles não terá sintomas, mas passará para os pais e pessoas idosas no convívio dos seus lares, além de infectarem outros alunos, funcionários e professores que tenham patologias crônicas e que, assim, poderão sofrer problemas sérios de saúde.

Inúmeras escolas particulares de Pernambuco de Pernambuco estão funcionando muito bem com as plataformas online tipo “google meet”. Cabe ao Estado de Pernambuco proporcionar os mecanismos para manter o ensino público por meio dessas plataformas levando a internet para as famílias carentes dos alunos da rede pública. Acredito, firmemente, ser uma medida irresponsável ao enfrentamento da pandemia a reabertura das escolas, públicas e privadas, ao ensino presencial em 2020. Quando surgir uma vacina eficiente, é óbvio que a situação deverá ser revista. Comecei a ensinar processos estocásticos e de contágio na UFRJ em 1976 e posso fazer juízo de valor deste tema.

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