Instituto de Tecnologia de Pernambuco teve importante atuação em vários episódios da história do Estado, como a construção do molhe de Suape e o diagnóstico das causas do desmoronamento de prédios-caixão e da contaminação, em 1996, da água usada na hemodiálise em Caruaru. Nos últimos anos passou por uma fase de dificuldades, devido à má gestão. O novo diretor-presidente, Glauber Carvalho, conta como tem sido o trabalho para a sua recuperação.
Desde 1942, quando foi criado, o Itep (Instituto de Tecnologia de Pernambuco) está presente em momentos importantes da história do Estado. Seus engenheiros e laboratórios foram fundamentais para a construção dos grandes prédios verticais que passaram a ser erguidos a partir dos anos 1940. Também contribuíram na construção de Suape e na identificação, em 1996, das causas que levaram à morte pessoas submetidas à hemodiálise em Caruaru. Vítimas de outros episódios trágicos, como o desmoronamento de prédios-caixão, contaram com o laudo do instituto e, mais ainda, com a criação de uma inovadora metodologia que permite recuperar o edifício sem necessidade de demoli-lo. O instituto também inovou ao criar a primeira incubadora de Pernambuco, a Incubatep.
Apesar de toda a importância da sua atuação, o Itep, nos últimos anos, enfrentou dificuldades. Em 2003 deixou de ser uma fundação estatal para se tornar uma OS (organização social). O que seria uma mudança alvissareira para agilizar a operação, acabou prejudicando o equilíbrio financeiro do instituto devido à má gestão.
Há seis meses no cargo, o atual diretor-presidente do Itep, Glauber Carvalho, está resoluto em reverter as dificuldades. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele afirma que tem sanado dívidas e retomado contato com os setores público e privado, para os quais têm desenvolvido projetos. Também reativou as atividades da Incubatep – que estava praticamente fechada – e já conta com cinco startups que ganharam um concurso da Nasa. “Além da questão financeira, minha missão é recuperar a imagem do Itep para que o povo pernambucano conheça sua relevância”, afirma.

Como surgiu e qual a importância do Itep na história de Pernambuco?
O Instituto de Tecnologia de Pernambuco nasce em 1942 com engenheiros que eram professores da Escola de Engenharia de Pernambuco. Eles sentiram a necessidade de ter laboratórios mais robustos para fazer o controle dos materiais utilizados na engenharia. Era um momento em que o Recife começava a construir grandes prédios verticais. Para isso, era preciso ter laboratórios para fazer o controle, não só do solo, como da estrutura de materiais usados nessas construções. O Itep foi criado na gestão de Agamenon Magalhães. Era uma fundação ligada ao Governo de Pernambuco.
O Itep passa a fazer parte da história de Pernambuco na construção de grandes obras. Foram nossos engenheiros que fizeram as sondagens do solo da área onde seria construído o molhe do Porto de Suape. A primeira estrada que dá acesso ao porto também passou pela mão dos engenheiros do instituto. As grandes barragens, como Tapacurá, e as atuais construídas na época do Governo Eduardo Campos, tiveram a participação do Itep, não só no controle de materiais como, também, nos estudos ambientais.
O Itep foi diversificando seus serviços. Marcou presença na investigação da morte de pessoas, em Caruaru, submetidas à hemodiálise, em razão da contaminação na água usada no tratamento. O instituto fez as análises e identificou que havia cianotoxina (toxinas produzidas por espécies de bactérias conhecidas como cianobactérias).
Em diversos momentos, estivemos presentes para trazer uma tecnologia ou identificar causas de alguns danos, seja à população ou à infraestrutura. Somos um órgão que tem fé pública nos seus relatórios. Em relação aos prédios-caixão, por exemplo, o Itep entra para fazer a avaliação e dizer qual é o grau de risco de demolição (leve, moderado ou grave). Para os casos que não são graves, o engenheiro Carlos Wellington Pires, do nosso Laboratório de Tecnologia Habitacional, desenvolveu a metodologia que permite recuperar o edifício sem precisar demolir.
A Polícia Federal fez, anos atrás, investigações em relação a denúncias de lançamentos de efluentes, com amostras avaliadas por nós, como na época em que as lavanderias de jeans em Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, estavam deixando o rio Capibaribe azul devido ao processo de lavagem. O Ministério Público na época convida o Itep para fazer um estudo na região e trazer um processo tecnológico para ensinar essas lavanderias como fazer o tratamento de seus efluentes.
O Itep também instalou a primeira incubadora de empresas de Pernambuco, na década de 1990, a Incubatep. Grandes empresas que hoje faturam bilhões foram incubadas no Itep, como a Neurotech e a Mecatron. Por meio dos nossos laboratórios, também prestamos serviços para análise do solo, de alimentos, não só na parte microbiológica mas, também, na parte de resíduos de agrotóxicos.

Como é essa atuação na área agrícola?
Hoje, o Estado de Pernambuco adquire insumos dos fornecedores da Ceasa para a merenda escolar que passam pelo controle e a avaliação do Itep. Nesse mesmo laboratório fazemos muitos serviços para a Adagro (Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco) no controle de pescados, de queijos e das frutas do Vale do São Francisco. O alimento plantado que chega na sua mesa o Itep analisa.
Quase 70% da uva e quase 50% da manga exportadas pelo Brasil para a Europa saem do Vale do São Francisco. E, para serem exportadas, precisam passar por um controle rígido dos resíduos de agrotóxicos. Isso é feito no nosso LabTox, o primeiro laboratório no Brasil a ser acreditado pelo Inmetro e que recebeu o selo de qualidade. É o único no País que consegue entregar o resultado de análise de uma amostra em um dia útil.
A China está querendo importar uva do Brasil. Estamos nos preparando para atender as exigências do mercado chinês. Hoje, 64% das empresas do Vale do São Francisco encaminham amostras para o Itep. Além de alta tecnologia, temos uma mão de obra extremamente qualificada. São profissionais com mestrado e doutorado que se capacitaram para detectar resíduos de agrotóxico. Dos 27 estados da Federação, 25 demandam ensaios para o Itep por esse laboratório. Recebemos, do Brasil todo, amostras de água, grãos e frutas. Hoje, grandes marcas de café, espalhadas por todo o Brasil, encaminham amostras para o Itep.
Também desenvolvemos as metodologias para fazer todo o monitoramento da qualidade da água da tilápia, que é produzida no São Francisco, ao camarão, que é produzido no litoral de Pernambuco. O Itep monitora a qualidade da água para que empresas se mantenham licenciadas junto à CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco). Auxiliamos desde o pequeno produtor ao grande exportador. Também atuamos na área de formação. O Itep oferece o mestrado em tecnologia ambiental que já formou mais de 300 mestres.
A partir de um decreto de 2003, o Itep deixou de ser fundação e passou a ser uma organização social sem fins econômicos. No Governo Jarbas, uma das propostas para a OS foi levar a capacitação tecnológica para o interior. Assim, nascem o Centro Tecnológico de Cultura Digital, em Olinda; o Centro Tecnológico da Moda em Caruaru; em Garanhuns, o Centro Tecnológico de Laticínios, para atender toda a parte da Bacia Leiteira; em Serra Talhada, de Caprinovinocultura; e, no Araripe, para atender o Polo Gesseiro. Várias pessoas dessas regiões foram formadas nesses centros tecnológicos para atuarem nos arranjos produtivos locais.
Em meados de 2016, houve uma decisão de que não era mais interessante manter esses centros. Hoje, o único que está conosco ainda é o Centro Tecnológico de Laticínios, mas a Secretaria de Ciência e Tecnologia está com a política de transformar os ex-centros tecnológicos em CAT (Centro de Tecnologia Avançada) e nos solicitaram a devolução desse centro.
Por que ocorreu essa mudança do Itep para se tornar uma OS?
O que a gente tem de conhecimento é que, em 2003, chegou-se à conclusão de que o Itep precisava de mais agilidade, que não ficasse nas amarrações da legislação pública, que é mais lenta. Hoje, é uma organização social sem fins lucrativos que mantém um contrato de gestão com o Estado, por meio da Secretaria de Ciência e Tecnologia.
Mas aí, ele perdeu um pouco daquela força do estado. Gestões anteriores do Itep passaram a ter dificuldades porque, em alguns momentos, a OS ficou sem receber recursos o que dificultou a sua operação. Quando o Itep passa a ser uma organização social e a depender de um contrato de gestão, se o Estado não repassar recursos, sufoca. E pelo contrato de gestão, não podemos deixar de executar as metas. Se o Itep não recebe, mesmo assim tem que executar, tem que pagar a folha do funcionário e isso foi criando uma bola de neve.
Aconteceram cenários também de haver a necessidade de integrar projetos grandes do Estado dentro do Itep para que o instituto executasse. Mas, com a finalização desses projetos, a máquina ficou inchada com um número elevado de funcionários e para fazer o desligamento deles teria um custo altíssimo. Hoje, estamos sanando um débito do passado, que é em torno de R$ 45 milhões, para gente poder olhar para o futuro.
Nesse processo, tivemos uma série de problemas. Temos um contrato de gestão com o Governo do Estado que não prevê investimentos para adquirir equipamentos para as áreas de atuação do Itep, com exceção da RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), que tem a função de levar conectividade para a área de educação e saúde. A internet do Estado de Pernambuco direcionada às escolas, às universidades e aos hospitais onde têm ensino e pesquisa saem de dentro do Itep.
Eu recebi o Itep com dificuldade. Por exemplo, historicamente ele sempre demandou projetos para financiadoras como Finep, CNPQ, Banco do Nordeste. Mas o instituto, em gestões anteriores, começou a ter problemas na prestação de contas dos projetos. Às vezes, era uma besteira a que não foi dado o devido cuidado e aquilo ali foi virando uma bola de neve. Hoje, a gente tem que devolver recursos por questões que não foram de desvios de verbas, foram falhas pequenas, que fizeram com que, atualmente, a gente não consiga mais submeter um projeto a essas instituições.
Como pretende reverter essas dificuldades?
Estamos trabalhando e sanando as contas, estamos pagando a todos, dando celeridade e transparência para conseguirmos fazer a roda girar. Temos feito acordos. Além da questão financeira, minha missão é recuperar a imagem do Itep para que o povo pernambucano conheça sua relevância. Temos feito um trabalho para trazer visibilidade ao instituto, que ficou esquecido, para voltar a dialogar com o governo e dizer da importância do Itep porque, muitas vezes, os secretários não conhecem. Temos feito convite para eles nos visitarem e temos apresentado propostas. Mas trabalhamos com um contrato feito em 2018, numa lógica que foi pensada naquela época. De lá para cá muita coisa aconteceu. Precisamos ter contratos de gestão, não só com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, mas com outras secretarias.
Estamos realizando algumas iniciativas. Aprovamos um projeto na Facepe para desenvolver um sistema de inteligência para o Cemit (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões). Havíamos observado que os dados deles eram publicizados em tabelas Excel ou Word. O que fizemos? Pegamos esses dados, colocamos num sistema de inteligência geográfica, que permite saber onde houve o ataque ou o incidente com tubarão, quem foi a vítima, se era homem ou mulher, qual a idade, qual o período do mês, qual era a lua, qual era a maré, se naquele local tem corrente de retorno ou riscos de queda por haver pedras. O Itep vai entregar essa ferramenta para o Estado. A decisão será da Secretaria do Meio Ambiente para dar continuidade ou não, mas o Itep entregará uma proposição.

Na questão das cidades inteligentes, temos dialogado com empresas para usarmos as câmeras de monitoramento com sensores meteorológicos para que isso possa ajudar nas decisões em momentos de crise climática. Existem áreas no Recife que passam por processos de enchentes. Com essa solução, consigo informar, em tempo real, como está a situação de determinada rua ou esquina em relação aos alagamentos.
Temos também desenvolvido alguns MVPs, que são produtos mínimos viáveis, como o Monigov, que oferece o monitoramento de todas as iniciativas do governo pelo celular, na palma da mão. A partir da inteligência geográfica eu consigo identificar, por exemplo, cada escola do governo, em que rua ela está localizada, o número de professores, os investimentos que recebeu (ar-condicionado, datashows, livros, oferta de merenda escolar quantas vezes por dia). Esse foi um pedido da própria vice-governadora para que a gente fizesse esse projeto.
Um trabalho importante é o mapeamento de identidade geográfica. O Itep fez o primeiro mapeamento dos apiários na região do Araripe. Na época, o instituto foi em cada caixinha dos apicultores para monitorar, pegar a coordenada geográfica, o nome do produtor, o quanto ele produzia. Isso já se passou há mais de 15 anos, quando havia produção de mel apenas no Araripe, hoje ela se estende até a região litorânea.
Acontece que o mel produzido em Pernambuco, muitas vezes, é exportado para outros estados, como o Maranhão, e é vendido como se fosse feito lá. Então, há uma perda, inclusive de impostos para o nosso Estado. A gente tem feito também um MVP para a Adepe (Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco) para mapear todas as cadeias produtivas do mel. O mesmo será feito para pescado e lavanderias. Temos experiência nisso, o primeiro processo de mapeamento do queijo coalho, para indicação geográfica, passou pelo Itep, no Centro Tecnológico de Laticínios, onde há, inclusive, o Museu do Queijo Coalho.
Quais são planos para o Itep?
Estamos realizando um planejamento estratégico para fazer essa reconstrução junto com nossos gestores para reposicionar as metas da instituição. Vamos ampliar o número de acreditação para entrar nos mercados mais exigentes, não só na fruticultura mas, também, em outras áreas. Estamos fazendo parcerias com empresas de engenharia para retomar laboratórios que foram fechados. Voltamos a dialogar com órgãos e empresas para os quais o Itep deixou de prestar serviço. A ideia é ampliar nossa capacidade de atendimento, tanto para o setor público, quanto para o privado.
Quando a gente assumiu, a Incubatep estava praticamente fechada, sem nenhuma empresa incubada. A gente retoma esse processo de incubação que foca em todas as áreas de atuação do Itep: meio-ambiente, gestão territorial sustentável, agronegócio, engenharia, alimentos, tecnologia e a parte de conectividade. Nós já aprovamos um projeto junto à Facepe, em que vamos encubar as cinco primeiras startups que ganharam um concurso da Nasa.
Temos aberto a frente para startups que vão desenvolver também sistemas de inteligência que dialogam com o que a gente faz e com técnicos de extrema competência que a gente tem dentro da casa. Temos mestres, doutores, temos o nosso mestrado em tecnologia ambiental há 20 anos. Então, temos no mesmo ambiente de tecnologia de ponta, uma área educacional.
Por isso, pretendemos que o Itep seja um hub de inovação. Afinal, ele está localizado num ambiente fértil: na mesma rua onde o instituto está sediado, estão o Cetene, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, do nosso lado direito está o Instituto Federal, do lado esquerdo está o Ipem (Instituto de Pesos e Medidas) e à nossa frente está a Universidade Federal de Pernambuco. Um terreno fértil, onde a gente pode receber empresas que estão iniciando. Três pessoas se juntam com ideia, vão para lá e começam a se desenvolver.
Temos o diferencial de possuir uma carteira com mais de 14 mil clientes. Eu consigo pegar esse jovem que tem uma ideia e chamar um cliente nosso, por exemplo, um grande exportador de uva do Vale do São Francisco e dizer: “Olha, essa startup tem uma ideia para você”. Outra proposta que a gente tem é que essas grandes empresas parceiras do Itep adotem salas no nosso prédio, que estavam sem uso. Vamos colocar os editais focados em startups que resolvam os problemas dessas empresas.
Queremos dialogar ainda com o Porto Digital para que possamos somar. A gente precisa que essas grandes empresas, as grandes fomentadoras de tecnologias, observem que a gente pode contribuir porque, crescendo o Itep, Pernambuco também cresce, afinal o instituto esteve presente em todos o momentos da história recente de crescimento do Estado.
