Série de encontros do projeto O Recife que Precisamos, promovidos pela CDL Recife, pela Rede Gestão e pela Algomais, recebeu os principais nomes do pleito municipal na capital pernambucana.
*Por Rafael Dantas
A capital pernambucana chega na reta final da campanha pela prefeitura. Nas últimas semanas, a Câmara dos Dirigentes Lojistas do Recife e a Revista Algomais receberam cinco candidatos, que fizeram suas propostas para os principais problemas da cidade e tiveram acesso às sugestões do projeto O Recife que Precisamos. Com perfis e trajetórias bem distintas, João Campos (PSB), Gilson Machado (PL), Dani Portela (PSOL), Tecio Teles (Novo) e Daniel Coelho (PSD) debateram nesses encontros sobre temas como a mobilidade, o Centro do Recife e a segurança pública.
O projeto O Recife que Precisamos, uma iniciativa da Rede Gestão, da CDL Recife e da Revista Algomais, propõe desde 2012 prioridades estratégicas para o desenvolvimento da cidade, influenciando a implementação de importantes empreendimentos e políticas públicas municipais. Entre suas principais diretrizes estão: planejamento de longo prazo com foco nos 500 anos da cidade em 2037 (O Futuro), controle urbano e qualificação dos espaços públicos (A Cidade), melhorias na mobilidade urbana e incentivo aos deslocamentos a pé, de bicicleta e de transporte público (O Caminho), revitalização do Centro Histórico (A História), a transformação das margens do Rio Capibaribe em parques urbanos (O Rio) e o aproveitamento das oportunidades internacionais (O Mundo).
SEGURANÇA PÚBLICA
Uma temática que causa grande interesse dos candidatos foi a segurança pública. Dos cinco, apenas Dani Portela se posicionou contrária ao armamento da Guarda Municipal. O projeto O Recife que Precisamos apresentou dados que apontam a sensação de insegurança pública como um dos motivos que tornam o Centro menos atraente para a população.
Tecio Teles afirmou ter sido o primeiro dos prefeituráveis a defender a pauta. Nessa agenda, ele sugeriu a separação dos agentes de trânsito e da guarda patrimonial. “Uma parte do efetivo fica dedicada a organizar o trânsito, enquanto a Guarda Municipal vai fazer a segurança do cidadão. Em recente decreto do Governo Federal, o Ministério da Justiça emitiu uma norma que aumenta a atuação da Guarda Municipal para que ela cada vez mais tenha o poder de polícia atuando como membro da segurança pública”, afirmou o candidato do Novo. Tecio disse ainda que a Guarda Municipal desarmada do Recife é motivo de chacota dos bandidos que circulam na cidade.
O prefeito João Campos informou durante o evento o plano de promover treinamentos especializados e realizar o armamento do efetivo. “Fizemos um compromisso de começar o armamento gradual da Guarda Municipal, sem confundir o que é papel de polícia e o que é de guarda”. Ele sugeriu começar pelo Centro da cidade, com um Grupo Tático Operacional. “Faremos esse movimento, focando no patrimônio, olhando para as principais ruas, praças e corredores comerciais”. Em paralelo, o prefeito afirmou que avançará também no sistema integrado de videomonitoramento, com uso de inteligência artificial à disposição do efetivo que atuará na região.
Além de também defender o armamento da guarda, como proposta adicional para combater a violência, Gilson Machado Neto destacou a necessidade de avançar no monitoramento por câmeras na cidade. O ex-ministro do Turismo prometeu ainda ampliar o efetivo da Guarda Municipal para 2,5 mil profissionais (atualmente é de 1,7 mil) e propôs um sistema tecnológico para mobilizar parte da sociedade no apoio à segurança. “Vamos criar um programa estratégico de qualificação dos profissionais que podem trabalhar nessa área e ajudar a prefeitura. Por exemplo, policiais aposentados, vigilantes, porteiros, motoristas de aplicativo serão todos cadastrados, terão um QR Code para ser fiscal da segurança.”
Dani Portela difere dos demais candidatos na pauta da segurança. Ela considera que combater a precariedade das condições de trabalho e melhorar a remuneração dos guardas municipais deve ser a prioridade. “Entendemos o conceito de segurança para além da atuação ostensiva. Armar uma parcela pequena da Guarda não resolve a questão. É um discurso fácil para uma questão complexa. A Guarda pode usar vários armamentos não letais. Ela tem um dos piores salários do País e não tem as mínimas condições de trabalho”. A candidata do PSOL propõe uma melhor estrutura para o trabalho da Guarda e uma ação integrada com o programa federal de Segurança Urbana.
Daniel Coelho afirmou que entre todas as capitais brasileiras apenas o Recife não conta com guarda armada. Entre suas críticas, ele afirmou que os servidores concursados acabam deixando a atividade por ser pouco valorizada, tanto em termos de estrutura como de carreira. Sobre o Compaz, ele considera que não pode ser considerado como uma política de segurança. “O Compaz não funcionou como política de combate à criminalidade, mas como equipamento social, sim. A diferença da experiência de Medellín e do Recife é que o equipamento semelhante ao Compaz de lá foi feito com a reestruturação urbana das comunidades. No Alto Santa Terezinha [onde está localizada uma das unidades do Compaz], existem vários morros com lonas e toque de recolher. A intervenção urbana completa junto com ação social previne violência”.
MOBILIDADE URBANA
A requalificação da mobilidade urbana é uma das prioridades do projeto O Recife que Precisamos, invertendo a prioridade dos deslocamentos motorizados individuais para dar atenção aos pedestres, ciclistas e ao transporte público. Os candidatos mostram-se favoráveis ao estímulo do uso das bicicletas, mas abordaram propostas e preocupações bem distintas nos encontros. João Campos relatou os investimentos em calçadas, ciclovias e na entrega das primeiras pontes e pontilhões na sua gestão. Além de fazer esse balanço, o candidato do PSB à reeleição destacou que uma das prioridades será o avanço na integração da cidade com novas pontes, que ele considera ser um dos principais gargalos no trânsito da capital. Ele destacou ainda os aportes realizados em novas tecnologias na sinalização semafórica. Com o uso de semáforos adaptativos, as novas tecnologias em implantação devem beneficiar o fluxo dos veículos nos horários de pico.
As intervenções na mobilidade, em especial na Avenida Agamenon Magalhães e na Avenida Conde da Boa Vista, foram criticadas pelo candidato do Novo. Ele avalia que o redesenho dessas vias prejudicou o trânsito. Tecio Teles defendeu a criação de corredores exclusivos para motocicletas na cidade, a exemplo do que acontece em São Paulo. O candidato considera que a medida poderia reduzir os sinistros envolvendo as motos e que traria maior celeridade nesse modal que é muito utilizado nos serviços logísticos de entrega dentro das grandes cidades.
O contraponto feito por Daniel Coelho à atual gestão do Recife é a falta de investimentos em transporte público. Daniel propõe fazer o aporte de R$ 150 milhões por ano do orçamento no setor. Ele questionou também as mudanças nas linhas de ônibus. Ele considera que a reestruturação aconteceu pela ótica dos empresários e não dos usuários. “A gente tinha um dos piores trânsitos do Brasil em 2012 e continuamos a ter em 2024. Apesar de termos corredores de ônibus, o tempo de transporte do cidadão não se dá só no período em que ele está no ônibus, mas do momento em que sai de casa até a hora que chega ao destino. De lá para cá tivemos um remodelamento do sistema. Quem pegava um ônibus direto está pegando três”.
Dentro da pauta das ciclovias, Gilson Machado sugeriu estimular a iniciativa privada a criar estruturas de vestiário para impulsionar o uso das bikes como modal de transporte. “Vamos estimular a pessoa a vir de bicicleta ou a pé, mas é preciso dar uma condição. É uma coisa óbvia e não é difícil de fazer. As empresas vão ter que se adequar para ter um local para os funcionários”. Para aumentar o fluxo de veículos da cidade, o candidato do Partido Liberal sugeriu ainda a definição de horários fixos de carga e descarga do comércio. Além disso, propôs que todas as obras com impacto no trânsito sejam feitas no turno da noite.
O olhar das conexões com a periferia foi o destaque da proposição de Dani Portela. “O Centro é o coração da cidade. Precisamos pensar no movimento da região central para a periferia e da periferia para o Centro. Precisamos aumentar não só as faixas, mas ciclovias mesmo, que são mais seguras e, principalmente, nas periferias. É importante ter o lazer, mas a maioria das pessoas que usam bicicletas são trabalhadores que estão economizando na passagem, que é umas das mais caras do País. Precisamos olhar esse modal como transporte para a classe trabalhadora, com corredores vindos da periferia para o Centro”. Ela sugeriu também a criação de sinais sonoros para cegos nos principais corredores.
O CENTRO EM DEBATE
O diagnóstico e as propostas para mudanças no Centro foram as maiores preocupações da edição 2024 do projeto O Recife que Precisamos. Os candidatos trataram desde intenções mais genéricas, como a atração de moradores para os bairros centrais, como comentaram sobre iniciativas bem específicas para revitalizar essa área que é histórica para a região metropolitana e para Pernambuco.
Dani Portela falou sobre a adoção de políticas públicas para garantir uma dinâmica sustentável no Centro, especialmente com moradia. “Temos muitos prédios vazios que podem ser vistos como oportunidade. Detroit é um exemplo de um lugar falido em que o governo converteu imóveis abandonados em moradia e o número de apartamentos mais que dobrou. Propomos com o programa Bom de Teto a requalificação de imóveis para cumprir a função social da propriedade e serem transformados em moradias populares. Outro formato é criar linhas de financiamento, a exemplo do Minha Casa Minha Vida, para classe média”. Ela sugere ainda construir mais Centros Pop (destinados a pessoas em situação de rua) e adotar políticas sociais que reduzam a desigualdade.
João Campos celebrou a criação do Recentro, o Gabinete do Centro, que é uma das grandes inovações da gestão pública da cidade, e destacou entre as iniciativas para reorganizar os bairros de São José e Santo Antônio a abertura da Avenida Dantas Barreto até a Bacia do Pina e o estudo em andamento do BNDES ( Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) da Avenida Guararapes e seu entorno. “Contratamos o BNDES para fazer uma modelagem da Avenida Guararapes e da área de influência dela. O banco contratou o escritório de Jaime Lerner, responsável pela parte urbanística, e nós estamos fazendo a modelagem econômica, financeira e jurídica de como será a operação na Guararapes. A avenida funciona como um grande pulmão e a regeneração do Centro será por ela. Será uma solução estruturante”.
Daniel Coelho avalia que a decadência do Centro é consequência de fatores como a ausência de habitação, deficiência de mobilidade e o aumento de moradores de rua. Ele alerta que a reforma tributária pode agravar a situação, especialmente no setor de serviços. Sobre o Porto Digital, Coelho acredita que várias empresas podem migrar para as periferias com o fim dos incentivos fiscais. “Precisamos entender que o Recife não é uma ilha. O modelo de comércio do Centro mudou. Muitos escritórios de advocacia saíram devido ao abandono e à quantidade de moradores de rua. Precisamos resgatar esses escritórios”. Coelho propôs a transferência de estruturas municipais para áreas decadentes, como a Rua Imperatriz, sugerindo a criação de um Centro de Atendimento ao Cidadão e uma gerência de administração local. Ele também defende o aumento do videomonitoramento no Centro.
Tecio Teles tratou sobre a necessidade de fazer não apenas retrofits, que é um dos discursos mais recorrentes para a criar uma nova dinamização do Centro, mas propôs o incentivo também a construções novas. Ele elogiou, por exemplo, o novo polo imobiliário em desenvolvimento no bairro de Santo Amaro. “O retrofit é uma alternativa, sim. Mas tem que ser além disso. Sou a favor do greenfield, que são novas construções para que a gente atenda uma nova demanda. Temos áreas em Santo Amaro e na Avenida Cruz Cabugá que já receberam até supermercado. Olhe o que aconteceu com a Rua da Aurora”.
Gilson Machado criticou duramente a fiação nos postes do Centro do Recife e as quedas de energia na região. “O empresário tem a vontade que a coisa mude, funcione. Dia 1º vai ter um projeto de lei mandado para a Câmara de Vereadores para que as companhias de telefonia, internet e Neoenergia tenham um prazo para tirar os fios que não estão sendo usados. E mandaremos um projeto de lei para que seja obrigatório que todos os novos serviços de fiação sejam subterrâneos, porque o mundo todo faz isso. É viável e é possível”. Ele afirmou ainda que pretende obrigar a companhia elétrica a instalar geradores de energia para os episódios de falta de eletricidade.
Os debates sobre os rumos da cidade avançaram em percepções e projetos muito distintos para o Recife. Diferente dos debates completamente alheios às necessidades locais que outros municípios enfrentam, nos encontros promovidos pela CDL Recife houve a confrontação de ideias, algumas propostas inovadoras e análises críticas das condições atuais da capital pernambucana. Na próxima edição, nossa conversa será com os candidatos à vice-prefeito sobre os rumos do município.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)