Diretor da Hemobrás, Antônio Edson de Lucena, destaca expansão da produção, nacionalização de medicamentos e impacto no desenvolvimento regional.
A Hemobrás vive um momento de maturação. Criada há pouco mais de 20 anos, a estatal instalada em Goiana (PE) passa a assumir, segundo o diretor de desenvolvimento industrial Antônio Edson de Lucena, um papel cada vez mais central no sistema de saúde brasileiro. “Estamos deixando de ser um projeto estratégico para ser uma empresa estratégica”, afirma, ressaltando que a companhia já é considerada também estratégica de defesa, dada a relevância de seus medicamentos para o País.
Atualmente, a Hemobrás distribui cinco tipos de medicamentos ao SUS — quatro hemoderivados produzidos a partir do plasma humano coletado nos hemocentros e o fator VIII recombinante, fruto de transferência tecnológica. A expectativa é que, até 2026, o Brasil alcance a nacionalização completa da cadeia produtiva, reduzindo a dependência externa. Com faturamento estimado em R$ 800 milhões para 2025, a empresa planeja ampliar sua capacidade fabril e fortalecer parcerias com universidades e institutos de pesquisa, posicionando-se como âncora tecnológica e pilar estratégico para a saúde pública.

Como o senhor definiria o momento vivido pela Hemobrás?
A Hemobrás está vivendo um momento muito importante. É uma maturação. Ela é uma empresa jovem, temos pouco mais de 20 anos. Nós trabalhamos bastante e ela está aí, apenas iniciando nessa jornada. O nosso momento hoje ele é quando a gente deixa de ser um projeto estratégico e passa pouco a pouco para ser uma empresa estratégica. Inclusive nós somos uma empresa estratégica de Defesa também. Ou seja, além do Ministério da Saúde, a gente tem uma vinculação de responsabilidade com o Ministério da Defesa, dada a importância que esses medicamentos têm para a população.
Qual é a produtividade da Hemobrás atualmente?
A gente já distribui 5 tipos de medicamentos. São quatro hemoderivados, ou seja, advindos do processamento do plasma brasileiro. e um é o Fator VIII Recombinante, que é um produto por biotecnologia. Nós estamos aplicamos o processo de tecnologia da engenharia reversa. Então, a gente começa pelo registro e a distribuição do produto, depois nós vamos agregando valor em todas as etapas até deter a cadeia completa da produção. A próxima etapa que nós vamos implantar vai ser o envase de produtos.

Hoje, a gente rotula esses produtos, a gente faz a importação e a gente distribui para o Ministério da saúde, fazendo todo o controle de qualidade. Toda a expedição é que é feita na cadeia logística e em um dado momento, no próximo ano, a gente já vai estar aí fazendo também a nacionalização de desse IFA (Insumo Farmacêutico Ativo, a substância principal de um medicamento, responsável pelo seu efeito terapêutico) para incorporação aqui.
Então, cabe à Hemobrás fazer também a qualificação de todos os hemocentros do Brasil para que eles se transformem em fornecedores de matéria-prima para indústria farmacêutica.
Como acontece essa qualificação?
Uma coisa é a instituição ser exemplo, como aqui do Hemope, um centro de excelência. Mas nós precisamos qualificá-lo para que ele se transforme em um fornecedor de matéria-prima. Então aquele plasma que não vai para o hospital, ele é um plasma que vai ser matéria-prima para que a gente transforme-o em medicamentos hemoderivados. Então, a Hemobrás hoje cuida de toda essa rede de hemocentros.
Transformá-los em fornecedores de matéria-prima é um dos nossos principais desafios, porque a gente interage com cerca de 100 hemocentros, que são nossos fornecedores. Com isso, a gente conseguiu passar de cerca de 90.000 litros de plasma, que tinha sido o nosso recorde histórico, para 300.000 litros de plasma, que é o volume que hoje a gente está é captando nessa hemorrede, então é um trabalho importantíssimo, porque o plasma, ele é fundamental para a produção de Hemoderivados
Também fornecemos um produto que é o Fator VIII recombinante. Esse produto é produzido fora e nós que agora terminamos a nossa fábrica, estamos em processo de qualificação dessa fábrica. A nossa perspectiva é que essa nacionalização da cadeia, tanto de hemoderivados quanto de recombinante aconteça nos próximos 12 meses. Então, o ano de 2026 vai ser esse ano que vai ser dedicado a trazer essa produção, que hoje é feita fora, para fazer na nossa fábrica. E isso é feito por etapas, que é acompanhado pela Anvisa, por órgãos, competentes, que dão as nossas anuências, e aí temos um plano estratégico que a cada é mês a gente vai avançando nisso e o nosso planejamento leva cerca de 12 meses para a gente fazer essa nacionalização.
Quando houver essa nacionalização e todo esse processo for concluído, vocês vão atender 100% da demanda do SUS no Brasil? Tem alguma expectativa também de exportar no futuro?
Em relação aos produtos de biotecnologia, sim, uma vez satisfeito o SUS nas necessidades, a gente poderá exportar. Em relação aos produtos hemoderivados, praticamente vamos atender o mercado do SUS. Um dos principais produtos, ou seja, aquilo que tem mais demanda é a imunoglobulina. Então com a imunoglobulina, que é o nosso parâmetro chave de atendimento,
a gente consegue hoje atender a 100% do SUS, mas existe uma expectativa crescente demanda desse produto.
Então há uma possibilidade de expansão da fábrica?
A gente já vislumbra. A gente fez uma fábrica capaz de ser expandida com poucas modificações e adaptações. Então, em relação ao hemoderivado, se a gente atende o processamento de todo o plasma nacional, podemos prestar esse mesmo serviço de beneficiamento do plasma aos países do Mercosul. Inclusive, hoje a gente já tem tratativas nesse sentido. O Hemobras é uma importante indústria para essa região. A gente não pode vender os nossos hemoderivados para eles, mas a gente pode beneficiar o plasma deles e entregar os medicamentos. Por isso a gente tem essa importância já reconhecida por esses países.
Como tem acontecido o processo de pesquisa e desenvolvimento dentro da empresa?

Nós temos a pesquisa e o desenvolvimento. O desenvolvimento industrial está muito no cotidiano, sempre para melhorar os processos, para incorporar e nacionalizar toda essa cadeia de supply chain para que a gente precisa ter para ser competitivo. Esse é um desafio muito importante. Como somos uma empresa de biotecnologia também, a produção de produtos biológicos injetáveis, tem que estar no centro da discussão da incorporação de novas tecnologias. Então, nós fazemos isso hoje por meio de parcerias. Nós temos vários parceiros, assim como Bio-manguinhos, algumas universidades, alguns ICTS, onde a gente tem ali projetos que já estão vislumbrando um futuro para melhorar os processos e trazer novos produtos.
Como é hoje o relacionamento da Hemobrás com as instituições locais? É uma empresa que tem um posicionamento nacional estratégica, é uma empresa federal, mas como está instalada aqui, é natural ter um relacionamento com as universidades locais. Que instituições vocês têm uma proximidade maior?
Isso faz parte da nossa visão. A gente entende da importância que a Hemobrás tem nesse núcleo, nesse arranjo produtivo local. Então, começando, por um exemplo, na universidade. Na Universidade Federal de Pernambuco conseguimos ali, em parceria, fomentar a criação de um Laboratório específico na produção de hemoderivados. Então, a gente, a partir disso, podemos dizer que todos os estudantes bolsistas que entraram ali vieram para trabalhar na Hemobrás. Muitos passaram no concurso, hoje estão na empresa. Então, a gente fez essa sensibilização, lançamos essa semente. Então, juntamos esse conhecimento científico que despertou a atenção. Então, de certa forma, estamos direcionando esses estudantes a quererem participar da empresa. Não só aqui. Nós hoje temos um quadro que contempla todos os estados do país praticamente, pelo menos em todas as regiões. Nós temos pessoas do sudeste, temos pessoas do sul, do norte, enfim, tem uma diversidade de empregados públicos que compõe o nosso quadro.
Também nós procuramos desenvolver os microarranjos de produção local. Esse pessoal que presta serviço para gente, a preferência é para quem mora perto. Então, assim, hoje a Hemobrás tem uma importância muito grande para ajudar o desenvolvimento de Goiana. Seja proporcionando ali vários cargos, vários empregos, de terceirização. Então toda a parte de terceirização é de fato de pessoas que moram ali perto. Estamos buscando trazer serviços especializados para nos atender mais próximo, se livrando aí dessa necessidade de fazer deslocamento pessoal do eixo sul sudeste. Então, a gente está em plena atividade para fortalecer esse microarranjo local na nossa região.

O posicionamento da empresa é mais estratégico para o setor de saúde, mas me parece que a empresa também é superavitária. Como é que tem sido essa questão do faturamento da empresa e qual a expectativa para 2025?
Olhe, nós trabalhamos muito fortemente nos últimos 6 anos para transformar a empresa nessa situação que ela está hoje. Então, de fato, a empresa é superavitária. Nossa situação financeira é muito promissora a ponto de a gente pensar em investimentos maiores e direcionar. Mas isso foi um conjunto de acertos muito estratégicos. Fazendo bons contratos, redefinindo alguns contratos. Enfim, foi uma reengenharia que chegou a situação superavitária que a gente tem hoje.
Para 2025, qual é a expectativa de vocês do balanço desse ano?
A expectativa é de fechar mais um ano com lucro. A nossa receita bruta em 2025 será em torno de R$ 800 milhões. Isso nos dá uma margem líquida de cerca de R$ 250 milhões. Tudo isso vai ser reinvestido na empresa. Então, a gente continua vislumbrando o melhoramento do parque fabril e da estrutura física. A gente está construindo uma sede lá mesmo para deslocar um pouco essa sede do Recife para o parque fabril. Então tem investimentos aí que são acompanhados com o conselho de administração, dentro do planejamento estratégico da empresa. Então, estamos bem nesse sentido.

Quando se fala do público que consome esses produtos, vocês têm alguma ordem de grandeza, de quantas pessoas no Brasil dependem desses produtos que são fabricados pela Hemobrás?
Quando se fala, por exemplo, em hemofilia, é esse nosso Fator VIII Recombinante é destinado a um público que tem essa doença genética, a hemofilia A. Esse público é um dos mais organizados do Brasil, porque é uma incidência alta, um para 10.000 pessoas vivas. Hoje no Brasil, nós temos cerca de 20.000 pessoas que são atendidas diretamente por esse programa da hemofilia. Mas, no caso dos hemoderivados, nós temos uma gama de doenças que não são especificamente doenças específicas, mais possuem um desequilíbrio orgânico. Então, quando vemos, por exemplo, a albumina, ela é utilizada em diversas situações em que o indivíduo precisa daquele tipo de proteína. A albumina tem funções muito importantes no organismo. Cada situação que tem um déficit na produção de albumina, é preciso dela. Assim como a imunoglobulina, enquanto a gente está aqui conversando, tem alguém testando a imunoglobulina em uma outra situação e tendo êxito. Então é um medicamento que hoje o Ministério mesmo tem dificuldade de comprar no mercado externo porque existe uma falta. O preço é muito alto.
Então, a gente imagina que atendemos grupos que precisam desses tipos de medicamentos, seja hemoderivados, seja o da biotecnologia. Mas o mais importante é pensar que nesse período, a gente conseguiu ter essa tecnologia incorporada. A gente tem todas as informações que nós precisamos para desenvolver esse tipo de medicamentos e a Hemobrás funciona a partir de agora como uma âncora, uma ferramenta do governo para trazer outras tecnologias. Então, hoje a gente pode discutir com o Ministério e com as suas necessidades. O Governo Federal pode usar a Hemobrás como essa ferramenta para atender a quem precisa atualmente, mas a gente também é essa ferramenta para outros tipos de tecnologias que o Brasil vai precisar.
Nesse ano, quando o Lula veio fazer inauguração, se falou em R$ 1,9 bilhão de investimento na fábrica. O senhor já está me citando que vai ter mais de R$ 250 milhões pelo menos, com o balanço de 2025? Então tem muita margem ainda para crescer. Quais os planos da Hemobrás para o longo prazo?

O que nós temos que ter em mente é que a gente está dentro do mercado mais competitivo do mundo. Então, a Hemobrás, como eu falei, ela é essa ferramenta que vai permitir que o Brasil tenha as melhores tecnologias de uma forma mais rápida. Então, o investimento que foi feito nessa unidade vai nos permitir incorporar rapidamente um medicamento biológico, se precisar. Então, isso é imensurável. Eu não vou falar de investimento, mas eu vou ressaltar a importância de ter uma unidade fabril de multipropósito disponível, como a gente tem. Com o corpo técnico treinado para absorver esse tipo de tecnologia.
Isso é cidadania, como a gente vinha falando, porque isso faz com que o País tenha respostas rápidas e se posicione melhor em situações de vulnerabilidade do mercado Internacional. Então acho que esse é o maior legado da Hemobrás, é ter condição de deixar o Brasil melhor nas discussões frente aos desafios que a gente vai ter.