Muitas calçadas feitas em pedras portuguesas que ornamentam alguns cartões postais da capital pernambucana foram escolhidas num concurso realizado pela Prefeitura do Recife e que está prestes a completar 50 anos. Alguns dos trechos que foram construídos com essa técnica, que são parte da memória e identidade do espaço urbano dos bairros mais tradicionais, estão sendo recuperadas dentro do Projeto Calçada Legal, que está sendo executado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB).
Muitos dos desenhos sobre os quais caminhamos diariamente foram criados pelo arquiteto e professor aposentado da UFPE, Geraldo Santana. Aos 80 anos, ele lembra que o poder público queria dar um ordenamento ao design das calçadas em um momento de grandes transformações que a cidade passava. “Essa opção pelo uso das pedras portuguesas é antiga. Mas as calçadas precisavam de uma ordem, uma padronização. E a prefeitura buscou no concurso uma diretriz para as obras”, conta. Geraldo ficou em segundo lugar no Concurso de Projeto para Revestimento dos Passeios Públicos da Cidade do Recife, realizado em 1969.
O arquiteto afirma que muitas das matérias-primas que compõem as calçadas vieram da demolição de obras no Recife que possuíam grandes lápides de pedras portuguesas. Ele afirma, no entanto, que o período de maior valorização do uso dessas técnicas foi no início do Século 20, entre 1920 e 1930. “Nessa época foram construídas as calçadas na Praça da República, na Rua Princesa Isabel e em grandes avenidas. Apesar desse passado recifense mais antigo, as pedras portuguesas ganham mais projeção com a construção do maior trecho dessa técnica em Copacabana, no Rio de Janeiro”, comenta.
Um tanto entristecido pela desvalorização das calçadas construídas com essa técnica, ele se diz pouco confiante numa recuperação ou mesmo manutenção desses espaços públicos. “Infelizmente, sou pessimista”, lamenta o mentor, que teve vários modelos contemplados pelo concurso realizado pela prefeitura, como no trecho que circunda a Academia Pernambucana de Letras e na Praça de Casa Forte.
Fazendo uma análise histórica desses ladrilhos, as professoras da Unicap Maria de Lourdes Carneiro da Cunha e Clarissa Duarte, no artigo científico A Memória das Pedras (em publicação da Revista Vitruvius) já lamentaram a descaracterização de parte da cidade com a remoção de alguns desses passeios públicos. Em especial nos sítios históricos.
“Incompreensível então, aos olhos da lei, a substituição de revestimentos de calçadas em sítios históricos em detrimento do restauro. Todavia, analisando-se as intervenções ocorridas caso a caso, percebe-se que houve duas formas de intervenções: aquela que trocou o revestimento de um passeio já descaracterizado e sem registro histórico e aquela que realmente trocou o revestimento, degradado, mais ainda caracterizado, com possibilidade de restauro de seus elementos”, informaram no artigo. Elas sugeriram que todas as intervenções nos bairros antigos preservem as características históricas existentes, a exemplo da técnica do mosaico português, seus desenhos e materiais.
Parte dessas calçadas, como o trecho da Avenida Rui Barbosa que passa pela Academia Pernambucana de Letras, está sendo revitalizada dentro do projeto Calçada Legal. “Estamos considerando a manutenção do desenho desses passeios como um elemento importante para identidade urbanística do Recife”, afirma Vera Freire, que é gerente de projetos urbanos da URB.
Vera afirma que trechos da Rua Princesa Isabel, Rua Amélia e da Avenida Rosa e Silva, além dos canteiros centrais da Avenida Mário Melo são alguns lugares que também foram contemplados pelo projeto. “Nesse esforço de requalificação dos passeios, atuamos principalmente em frente aos imóveis de preservação ou zonas de preservação”, explica a gestora. Uma das novidades dessas obras é que, apesar de manter o desenho e a técnica, o tipo de pedras (que antes eram graníticas) foram substituídas pelas chamadas pedras mineiras (calcárias), que são mais regulares.
A técnica dessas calçadas, inspirada nos mosaicos romanos e nascida no Século 19, teve sua primeira aplicação provavelmente em 1842 em Lisboa. De difícil manutenção, a continuidade e valorização desses passeios recifenses sob os pés dos seus pedestres contribuem, na opinião dos especialistas, para a preservação da história urbana da cidade e da própria identidade paisagística recifense.
*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)