História em quadrinhos made in PE – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

História em quadrinhos made in PE

Pernambuco, que sempre foi um expoente em diversas artes, ganha destaque também na produção de história em quadrinhos. Ao longo dos anos surgem novos talentos ligados a esse universo. Quadrinistas pernambucanos do naipe de Luciano Félix e Thony Silas são alguns dos artistas reconhecidos da HQ.

Mas essa produção não é tão recente quanto parece. Um dos primeiros nomes a se destacar foi o chargista Lailson de Holanda, que já nos anos 70 exportava seus desenhos para os Estados Unidos. Passou a ter reconhecimento local quando publicou, primeiro em fascículos, em 2001, e depois em livro, em 2004, a obra Pindorama: A outra história do Brasil, na qual conta a chegada dos portugueses no País, passando pela era de Fernando Henrique até culminar no período da presidência de Lula.
Conhecido, sobretudo, pelas charges, ele já teve seu trabalho divulgado em jornais e revistas ao redor do mundo, como o The Guardian e Miami Herald. Lailson acumulou alguns prêmios internacionais, como o 1º lugar no Salon International e La Caricature de Montreal, no ano de 1985 e o troféu HQMix como Curador do Melhor Festival de Humor – VI FIHQ-PE, em 2004.

Hoje há uma produção intensa de quadrinistas. Erick Volgo, por exemplo, também recorreu à palavra Pindorama (nome pelo qual os tupi-guaranis chamavam o Brasil), para intitular sua obra que discute corrupção, gênero e desigualdade social, a partir de um cenário fictício de um Recife pós-apocalíptico. “Outros dois nomes que têm chamado a atenção são Téo Pinheiro e André Balaio. A dupla é conhecida por explorar a tradição sobrenatural da cidade e já produziram HQs como A Rasteira da Perna Cabeluda e Assombrações do Recife Velho, adaptação da obra de Gilberto Freyre para os quadrinhos”, destaca o pesquisador de HQ e professor da Faculdade Guararapes, Thiago Modenesi.

Mas se engana quem pensa que o ambiente dos quadrinhos é exclusividade dos homens, a ala feminina também tem fortes nomes no cenário HQ em Pernambuco, como a quadrinista Roberta Cirne. Ela é responsável por dar vida ao site Sombras do Recife, que aborda as lendas e histórias assustadoras da cidade em quadrinhos, livros e crônicas, além de ilustrar o projeto Fatos perdidos de uma história desenhada, da Fundarpe, um retrato da presença judaica em Pernambuco.

Outro destaque é o quadrinista Ary Santa Cruz, responsável pela criação e roteirização do selo de quadrinhos Mistiras, um webcomic, site que começou em 2012, voltado para o universo pop por meio de uma abordagem humorística. De lá para cá, o projeto trouxe alguns nomes da área bem importantes, como o desenhista Luciano Félix e a designer de games Stéphanie Villas-Bôas.

As três séries mais conhecidas no site são Marco Parlla, O Dublador, que conta o dia a dia de um profissional de dublagem; Um Teco, paródia com a série de animação e quadrinhos japoneses One Piece; e Angúria, saga de uma garota recifense que nasceu com uma maldição: ouvir o pensamento negativo dos homens em relação às mulheres. O projeto já teve alguns reconhecimentos, como o Fanzine House Awards 2012, premiação americana voltada para a área. Ganhou na categoria melhor blog de tirinhas.

Como Ary Santa Cruz, o desenhista Luciano Félix presta contribuições na série Angúria, assinando a arte do projeto. O seu mais recente trabalho é o quadrinho Wander – Puberdade ainda que tardia (dividida em três capítulos), uma espécie de paródia do Batman. Um dos finalistas do Prêmio HQMix de 2004, na categoria Desenhista Revelação, Félix conta que sempre gostou de desenhar, mas seu contato profissional com a HQ só veio acontecer quando passou numa seleção, feita por Lailson, para uma vaga de arte-finalista na série Pindorama. Félix começou, então, sua aventura pelo mundo da HQ em trabalhos para a revista MAD brasileira e Graphic Novel MSP 50, série de quatro livros de quadrinhos desenvolvido pela Mauricio de Sousa Produções. Para Modenesi, o diferencial de Félix está na forma como ele retrata as histórias. “O desenho dele é único. Traz humor e leveza à narrativa e apresenta traços caricatos e limpos”, descreve.

Luciano Félix já produziu para a revista MAD e Maurício de Sousa Produções. Foto: Tom Cabral

É impossível falar de HQ e não citar Thony Silas que acumula no currículo participações na Marvel e DC Comics, em trabalhos como Batman Beyond 2.0, Superman & Wonder Woman e a liga X-Man. “Desde cedo tive interesse por desenhos. Aos 12 anos tive o primeiro contato profissional, a partir do incentivo do professor Wamberto Nicomedes, um dos grandes nomes da ilustração brasileira. Aos poucos, fui aperfeiçoando a técnica e passei a trabalhar para as pequenas editoras locais”, recorda o ilustrador. Não demorou muito para que o seu talento fosse reconhecido no mercado internacional. Em 2017, ele abriu a Thony Silas Art School, com o objetivo de formar novos artistas.

Modenesi observa que os desenhos de Silas seguem características das histórias dos comics norte-americanos. “Mas, ao mesmo tempo, sua arte possui traços fora do padrão Marvel e trazem representações do corpo e movimento que não são caricatas, mas realistas e com muito refinamento nos traços e acabamentos”, destaca o pesquisador. Segundo Modenesi, o diferencial dos quadrinhos e quadrinistas pernambucanos, como Silas e Félix está na qualidade do material e na forma como abordam os assuntos. “São histórias bem-humoradas, que unem aventura e drama, têm ligação com a nossa realidade. Eles fazem isso sem parecer piegas ou caricato”, analisa.

Thiago Modenesi é pesquisador de HQ e professor da Faculdade Guararapes. Foto: Tom Cabral

Além da produção made in Brasil de HQ, também têm crescido os estudos acadêmicos sobre essa arte. Por ano são lançados de 10 a 20 livros sobre o tema. Em Pernambuco foi criado o grupo de pesquisa interdisciplinar de Histórias em Quadrinhos, o GIP HQ, por universitários de vários cursos e até de outros Estados. O objetivo é analisar as obras, a linguagem das histórias e montar eventos, como o Jaboatão Pop, que acontece uma vez ao ano na Faculdade Guararapes.

Outros eventos, como o Super-Con e o Comic Con Experience (CCXP), também funcionam como uma vitrine para divulgar a produção local. Além disso, novos materiais relacionados à HQ vêm surgindo, como a Revista Plaf, que nasceu em 2017, fruto da cobertura realizada pela Revista O Grito. A publicação impressa, com versão on-line, aborda HQ e temas sociais no formato de quadrinhos, como representatividade LGBT, racismo e gordofobia, a partir da obra de autores brasileiros e internacionais.

CLÁSSICOS EM QUADRINHOS

Um dos objetivos do sociólogo Gilberto Freyre era transferir o maior número de conhecimento possível para as pessoas de uma maneira fácil e acessível. Visionário, em plenos anos 40, defendia que a história em quadrinhos poderia auxiliar nesse intuito. “Meu avô acreditava que a HQ poderia transformar livros, como Casa Grande & Senzala, numa obra que pudesse fazer com que crianças e jovens se interessassem em ler e tivessem acesso ao conteúdo de forma mais sintética, fácil de interpretar e compreender a sua complexidade”, conta Gilberto Freyre Neto, coordenador geral de projetos da Fundação Gilberto Freyre.

Gilberto Freyre Neto conta que o avô defendia que o HQ podia contribuir para disseminar o conhecimento de forma fácil e acessível. Foto: Tom Cabral

Foi só a partir dos anos 80 que o clássico da sociologia brasileira foi transformado em HQ, numa edição em preto e branco, pelas mãos do quadrinista Ivan Watsh Rodrigues com supervisão do próprio autor e publicado por meio da extinta editora Brasil América. Outras duas edições da mesma obra foram publicadas, uma em 2001 já colorida e a mais recente em 2005. Em 2017, outra obra do escritor foi adaptada para quadrinhos, Algumas Assombrações do Recife Velho, com roteiro de André Balaio e Roberto Beltrão, desenho de Téo Pinheiro.

Thony Silas também entrou na onda dos clássicos e resolveu transformar o romance A Noiva da Revolução, de Paulo Santos, em HQ. “Essa obra é a primeira de uma série de oito títulos que vem sendo publicada, contando o desdobramento do ciclo Revolucionário Pernambucano, culminando na Revolução Praieira, o que vai abrir muitas possibilidades para que as pessoas conheçam a história do Estado”, conta o ilustrador. Embora trabalhe para empresas norte-americanas ilustrando as sagas dos super-heróis, ele acredita ser fundamental valorizar a história local. “É um trabalho independente ainda, mas que se dispõe a contar, de forma rica e bem produzida, a herança do nosso lugar e isso é um dos meus projetos que neste ano pretendo dar continuidade”, projeta Silas. A empresa UEON Productions é um exemplo desses planos, que tem como um dos organizadores o próprio ilustrador e visa a investir na produção nacional por meio de um conteúdo multimídia, como aconteceu com a obra A noiva.

Freyre Neto, que tomou gosto pelos quadrinhos graças aos gibis que ganhava dos avós quando pequeno, percebe a importância das HQs para renovar as obras clássicas. “A leitura é um dos grandes desafios da educação brasileira e por meio dessa arte, que tem um apelo visual, torna-se possível chamar a atenção do público mais jovem para obras mais rebuscadas e antigas, como aconteceu com Casa Grande & Senzala”.

Veja mais: O mercado de HQ.

Por Paulo Ricardo Mendes (algomais@algomais.com)

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