Houve um empobrecimento da imprensa

Jornalista desde adolescente, Geneton Moraes Neto ficou conhecido na tv por suas entrevistas, nas quais sempre conseguia retirar declarações surpreendentes de personalidades. Egresso do movimento Super 8, enveredou para a produção de documentários abordando temas como o exílio de artistas brasileiros na ditadura ou a visão política de Glauber Rocha. Nesta entrevista ele fala de sua infância em Pernambuco, da carreira e do jornalismo na era da web.

Como foi sua infância no Recife?
Nasci no Recife, minha família inteira por parte de pai era de agrônomos, veterinários. Não tinha nenhuma relação com o jornalismo. Até hoje eu não sei como fui parar nesse negócio. Todos os filhos dos meus pais, que são cinco, nasceram no Recife e até quando eu tinha os 6 anos, moramos em uma escola de São Bento, que fica em um lugar que foi inundado depois para a construção de Tapacurá. Meu pai era professor da escola, que pertencia aos irmãos beneditinos. Tudo na infância parece maior do que realmente é, mas era uma casa bem grande, tinha uma igreja que, aliás, foi a única coisa que sobrou. Fui filmar lá e a igreja fica submersa a maior parte do tempo. Aos 6 anos, nos mudamos para a Torre, onde minha mãe mora até hoje.

Como era o bairro da Torre?
Quando a gente chegou lá, a rua não era nem calçada. Muitos pais dos meus amigos trabalhavam na fábrica da Torre. Mas minhas melhores lembranças são do Cinema da Torre. Assisti aos filmes de Elvis Presley, dos Beatles, um faroeste chamado O homem que matou o fascínora, que é um clássico. Um filme que me marcou pelo resto da vida foi um de guerra Fugindo do inferno, com Steve Mcqueen. Lembro que a plateia inteira estava torcendo por ele escapar do campo de concentração. Cinema de bairro naquela época era uma presença muito forte. Era um programa obrigatório ir ao cinema e, às vezes, ficar próximo à cabine para conseguir um frame do filme para ficar olhando na luz e levar para casa uma foto do artista. Também jogava futebol na rua e futebol de botão com os amigos. Tinha um campeonato na rua que era uma sensação, era super organizado. Eu estudava no São Luís e lembro que em 1969, quando eu estava no 3° ano, marcávamos para estudar lá em casa, fechávamos a porta do quarto, tirava os livros de cima da mesa, colocávamos os times de futebol de botão. Meu pai me deu uma bronca histórica. A primeira providência que tomei foi esconder meus times de botão. A primeira vez que fui em um estádio de futebol foi para ver Pelé. Foi na Ilha do Retiro, em um Náutico x Santos, que acabou 2 x 0 para o Santos. Meu pai era torcedor fanático do Sport, mas como era Pelé fomos assistir. Vi Pelé três vezes. Três ou quatro anos depois teve outro jogo contra o Náutico que, na época, disputava os grandes campeonatos. Em 1969, quando a Seleção Brasileira, que viria a ser campeã na Copa de 1970, veio participar de um amistoso contra a seleção pernambucana, fui ao treino no estádio dos Aflitos. Eram meus ídolos da infância. Quando o ônibus chegou, todos corremos atrás. A organização acabou liberando a entrada no estádio e teve uma cena de um vão que dava para ver o vestiário. O pessoal meio que fez uma fila para olhar os jogadores lá dentro. Na minha vez de olhar, Pelé estava nu tomando banho. Essa foi a cena que eu vi: Pelé ensaboado tomando banho (risos).
Na infância o jornalismo já o instigava?
Não tenho a menor ideia do que me instigou. Acho que é de vocação mesmo. Complicado pra mim seria estudar medicina, engenharia, física, química. Naquele tempo você terminava o ginásio e escolhia o curso científico para quem ia fazer medicina, engenharia, e e o clássico para quem fazia humanas. Por algum motivo achei que devia fazer o clássico. Eu não tinha muita vocação pra a carreira da família, um caminho normal era ser agrônomo ou veterinário, mas eu sempre preferi a cidade. No terceiro ano estava na dúvida entre história e jornalismo. Aí optei por jornalismo . Quatro anos antes, em 1970, quando tinha 13 anos, escrevi umas coisas em casa sem a menor pretensão. Aí uma prima do meu pai era jornalista e conhecia Fernando Spencer, do Diario de Pernambuco e perguntou se eu não queria escrever alguma coisa para o suplemento infantil chamado Júnior. Era feito com colaboração das crianças. Mandei e ela levou pro jornal e foi publicado. Depois eu fiz outras coisas com assuntos como a conquista da lua, a transamazônica. Uma vez fui para o treino do Náutico e tinha Bita que era um jogador super famoso na época e saiu a entrevista com ele. Dois anos jornalistas perguntar para Spencer quem era que escrevia. Disseram: deve ser o pai dele que escreve. Aí me chamaram. Fui pela primeira vez numa redação morrendo de vergonha. Uma das primeiras matérias que fiz o diretor do jornal Antonio Camelo disse você vai fazer uma matéria sobre as condições do Hospital da Tamarineira. Fui, o fotógrafo ficou do lado de fora, eu entrei sozinho. Os pacientes ficavam andando e eu fiquei no meio dos pacientes – e eu até brinco dizendo que ninguém notou que eu não era pacientes – aí perguntei como era a comida eles disseram que era horrível, vem pedra dentro da comida, que é sem gosto. Depois falei com a direção do hospital com o fotógrafo, me apresentei como jornalista, mas a deram outra versão, dizendo que o cardápio era muito bem preparado por uma nutricionista. Aí você já aprende que tem duas versões: a oficial e a dos fatos. A partir dali fiquei fazendo matérias. Não era brincadeira não. Eu era repórter como se dizia da editoria geral, chegava às 14h, o chefe de reportagem te dava uma pauta datilografada com quatro matérias em locais diferentes. Você pegava a kombi do jornal que ia distribuindo a gente. A gente voltava ás 16h, naquela correria pra fechar a matéria.
Você já cursava a faculdade?
Não isso foi antes. Naquele tempo você já começava a trabalhar antes de ter o diploma que virou depois obrigatório. Quando fui fazer vestibular já trabalhava no jornal. Foi a primeira vez que ganhei um salário e que gastei comprando disco de Gilberto Gil, Expresso 2222, e do Quinteto Violado. Depois viraram um suplemento publicado no domingo e o Camelo me deu uma página para escrever sobre discos, eu gostava de rock. Em 1975 me chamaram para ir para o Estadão. Naquele tempo as sucursais eram incríveis, tinha Veja, Manchete, O Estadão, O Globo e o Jornal do Brasil. Cinco redações funcionando com fotógrafos, repórter, chefe de reportagem. Pagavam um salário três vezes maior que o do Diário. Fiquei 5 anos como repórter da sucursal.

Como foi trabalhar nessa época tão agitada ?
Na sucursal se ocupava basicamente de política. Tive a chance de ver aqui Ulysses Guimarães, Lula, me lembro de uma visita que ele fez a Dom Hélder. Era um dia de manhã, cheguei na Igreja das Fronteiras onde dom Hélder morava, chegou Jarbas Vasconcelos e veio Lula. Quem não o conhecia pessoalmente pensava que haveria alguma solenidade. Lula chegou com a mulher o filho pequeno que nunca mais vou esquecer o nome de: Sandro. Lula disse dom Helder essa aqui é minha mulher Marisa, e esse é meu filho, Sandro, tem nome de costureiro, mas é macho (risos). Aí já quebrou o clima solene. Depois quando a gente saiu de lá, fomos todos para a sucursal do Jornal do Brasil para os repórteres entrevistá-lo. Saiu a matéria no dia seguinte. Uma coisa curiosa é que eu perguntei quais eram os planos dele. Ele disse “só sei de uma coisa: depois de abril quando acabar meu mandato no sindicato quero ficar com a minha família que eu não estou tendo tempo de ficar com meus filhos. Não entendo e nem quero me meter com política. Ali você já via um distanciamento dele com a “esquerdona”. Ele dizia que os comunistas sempre usavam os operários como massa de manobra. Mas foi bonita a chegada dele aqui, em 1979. Eu o achava uma figura interessante do ponto de vista jornalístico. Naquela época os parlamentares de oposição vinham para cá e a gente ia para o aeroporto, uma caravana de repórteres para ouvir esses caras. Uma vez teve uma viagem de Ulysses Guimarães a Caruaru. Era uma situação surrealista também porque não havia eleição direta nem para governador na época, mas ele trabalhava como se estivesse numa campanha. Isso foi em 76. Mas Proibiram o comício dele em Caruaru em local público e tiveram que fazer numa sala. Marcos Freire estava lá e Ulysses lançou a candidatura dele. Quando ele voltou para o Recife aconteceu uma tragédia que foi a morte do operário manuel Fiel Filho no Doi-Codi e, por isso, o Geisel demitiu o comandante do 2º Exército. Aí chegou o telex com essa notícia na redação e pediram para ouvirmos Ulysses Guimarães sobre o assunto. Fomos para o aeroporto, viajar com Ulysses para Aracaju para ouvi-lo com calma. Lembro que fui correndo, lembro que no saguão do aeroporto mostrei a notícia no telex e ele disse aquilo era grave. Mas não quis falar na hora, falaria no avião. Embarcamos com ele e lá dentro ele falou com a gente, mas ele estava meio que nos “cozinhando”. Pegou o Estadão, leu o editorial e pegou no sono. Aí eu até brinquei é pra isso que serve os editorais para embalar o sono de Ulysses Guimarães (risos). Quando ele desceu desembarcou parecia que era o presidente da República, o MDB armava banda de música, ele acenando para o pessoal. Ele foi para a assembleia e lá teve uma coletiva e ninguém perguntou sobre a demissão. Lembro que no fim da coletiva eu perguntei o que o MDB teria a dizer sobre o assunto. Ele deu uma resposta cheia de dedos, dizendo que o MDB não tinha preconceitos contra militares, o primeiro presidente do partido tinha sido um militar da reserva. Pisando em ovos. Quando ele saiu veio falar com os repórteres um por um. Na minha vez ele falou ao meu ouvido: você soltou o seu petardo (risos). De madrugada teve o comício a noite e de volta ao hotel juntamos os repórteres e chamamos Ulysses conversar numa mesa na piscina. Ele disse que se a situação do Brasil continuasse assim, se poderia partir para soluções de força. Ele ia viajar, de manhã cedo. O gerente da portaria do hotel ligou para o quarto de um dos repórteres e disse que Ulysses queria falar com ele. Mandou pedir pra que a gente tirasse a expressão soluções de força na reportagem. O repórter ligou para cada repórter e passou a solicitação dele. Pensando hoje talvez a coisa mais interessante da reportagem seria dizer isso que Ulysses Guimarães ligou pedindo para não colocar essa expressão. Mas todo mundo aceitou o pedido dele Ulysses. Outro dia participei de um debate com Jorge Bastos Moreno, colunista que também foi assessor do deputado, que disse que aquela era uma outra situação, existia uma frente ampla da ditadura e os jornalistas tinham toda a simpatia por Ulysses Guimarães. Eu não ia sacanear com ele. Mas não me ocorreu dizer isso na matéria e nem sei se o jornal publicaria.

Você foi censurado em alguma matéria?
Vivi algumas situações que hoje são ridículas. Em 1973 saiu um filme chamado Toda Nudez será Castigada, de Arnaldo Jabor, que ficou pouco tempo em cartaz e foi censurado. Publiquei na coluna de domingo, com título toda nudez será censurada. No final eu botei algo como: foi censurado o que é uma pena e reticências. Quando eu chego na segunda-feira para trabalhar no jornal, me chamam na sala de direção, fui cheguei lá estavam João Alberto, colunista social até hoje, Gladstone, superintendente do jornal, e Camelo. Eles não fizeram nenhum terrorismo. Mas lembro que João Alberto me falou: hoje eu passei por uma. A Política Federal esteve aqui te buscar na redação, como você não estava perguntaram quem é o editor do caderno e me levaram. Na policia federal perguntaram a ele quem escreveu a matéria e ele disse que era um rapaz novo. Disseram que era uma irresponsabilidade dar uma coluna para um menino. Também perguntaram o que queriam dizer as reticências. Algum tempo depois, um grupo de estudantes estava lançando um jornal até uma das meninas eu conhecia, havia estudado comigo. Era um jornal de falava de rock, Woodstock, não tinha nada de engajamento político. Eu publiquei na minha coluna o lançamento do jornal. À noite quando eu estava em aula na Católica dois policiais federais – que já tinham passado no jornal e souberam que eu estudava jornalismo – aparecem na porta da sala e me chamam. Um deles tirou tirou do bolso o recorte da matéria e perguntou é você? Eu disse que sim. Ele disse “sou da Policia Federal e esse jornal não pode sair sem passar pela censura”. Eu disse que não tinha contato de quem escrevia. “Mas a gente vai ter que achar o pessoal”. Disse que a única maneira de conseguir o contato com alguém era no Colégio Torres onde estudei com uma das meninas que era do grupo do jornal. Aí fomos para a rua , havia um carro parado na Rua do Príncipe sem nenhuma identificação. O cara abriu a porta, na hora me deu um negócio – ainda tentei ir no banco da frente. Na secretaria do colégio lembro que fiquei cheio de dedos para dizer se eles conseguiriam o telefone do contato. O cara já irritado disse: pode dizer a ela que sou da Polícia Federal e estamos precisando desse contato. Conseguimos o telefone, liguei pra menina, ela atendeu, estava com o pai dela – coitada tinha uns 16 anos. Eu disse que estava com uns caras da Polícia Federal e eles teriam que ver o jornal antes de sair. Ela disse. Então vou chamar os outros aqui pra minha casa, meu pai está aqui. Aí o cara me deixou na porta da Católica e foi até a casa da menina ver o jornal. Fico imaginando que a Polícia Federal gastou hora extra desse funcionário, gasolina, trabalho, tempo.

Você cobriu a volta dos exilados?
Sim, cobri a volta de Arraes. Lembro que fomos para a casa da filha, Ana, na Torre, saiu até a foto em que estava Eduardo Campos na varanda esperando Arraes chegar. Ele desceu no Rio, depois foi visitar a mãe no Crato e depois desceu aqui. Na hora em que ele saiu do avião começou a chuviscar e a foto ficou bonita. Era um empurra-empurra, as pessoas chorando, ele também ficou com os olhos cheios de lágrimas, os amigos que ele não via há 15 anos. Estavam Marcos Freire, Teotônio Vilela. Cobri a volta de Julião, que era uma figura meio épica. Lembro que eu tinha lido uma carta que ele tinha feito para a filha, que tinha sido proibida, e rodava mimeografada, era um texto lindo você lendo fazia a sua cabeça. Adorava essa coisa literária de Julião, ele escrevia muito bem e fiz várias entrevistas com ele publiquei até num livro que fiz. Também fiz entrevista com Gregório Bezerra.
Você fez documentários sobre Glauber Rocha, os exilados, entrevistas com o general Nilton Cruz . É uma espécie de resgate desse tempo que viveu?
Acho que não existe assunto esgotado. Tem sempre uma coisa legal nova a acrescentar ao que já se sabe. O período de 1964 é muito rico nesse sentido. É bom ouvir os dois lados também. Entrevistei alguns generais como Nilton Cruz e ao mesmo tempo entrevistei guerrilheiros.
Como você partiu para o documentário?
Em certos momentos da vida acho que se deve jogar tudo para o alto. Fazia cinco anos que eu estava na sucursal do Estado de S. Paulo e fiquei pensando: daqui a 10 anos vou estar no aeroporto correndo atrás de políticos(risos)? Sabe de uma coisa? Vou-me embora. Pedi demissão do jornal, a maioria das pessoas disse que era uma loucura, e fui para Paris na louca. Fui numa loja da TAP e ao lado havia uma agência da Caixa Econômica, onde tinha juntado dinheiro. Perguntei quanto é a passagem para Paris? E a mulher falou uma quantia, eu tirei na Caixa e puf comprei. Só a passagem de ida, sem visto. Levei mil dólares, vê a fortuna! Morava numa pensão, onde muitos brasileiros moram até hoje. No início dividia o quarto com Florestan Fernandes Júnior, que é outro jornalista. Aí a gente botava um guarda-roupa no meio do quarto pra dividir em dois ambientes. Comia em restaurante universitário, andava de ônibus. Um amigo Marcos– me disse que havia uma vaga de camareiro num hotel. “você não quer pegar, não?” Eu disse tá louco, eu não faço nem a minha cama. Mas aí eu arrisquei ele foi no primeiro dia comigo , me apresentou ao dono do hotel que ficava no Quartier Latin. Ele disse que eu tinha experiência e que tinha trabalhado em hotel no Brasil (risos). Aí eu levei ele num canto e disse: velho, tu é louco? Ele respondeu mas se eu não falasse você não ia trabalhar. Aí foi brabo. O hotel tinha 26 quartos. No primeiro dia cheguei às 9h, o cara me mostrou mais ou menos o que era pra fazer, quando deu umas 18h eu ainda não tinha acabado. Mas vezes dividia o trabalho com outros amigos, como Florestan. Nesse tempo eu consegui ser aceito na Sorbonne, por incrível que pareça, num curso de cinema. Os brasileiros que estavam lá diziam: “Francês adora pobreza, subdesenvolvimento, Nordeste, se você fizer um trabalho em cima desse negócio tem chances. Aí não deu outra. Fiz um projeto de tese que era cinema e subdesenvolvimento. Foi aceito. Frequentei os seminários mas não levei adiante a tese porque eu não tinha vocação para a vida acadêmica. Mas tive a chance de conhecer o próprio Glauber Rocha. Esse filme que eu fiz chamado Cordilheiras do Mar é um resultado disso aí.

Como foi seu encontro com Glauber?
Um amigo, Marcos de Souza Mendes, que também estudava cinema, soube que ele estava lá em Paris para exibir o filme Idade da Terra numa sessão especial para críticos franceses e perguntou se a gente poderia ir. Glauber disse que tudo bem, falamos que éramos do Recife e estávamos estudando cinema. Foi um negócio inesquecível porque chegamos no rol do cinema e estavam aqueles críticos franceses do Cahiers du Cinéma, do Liberation, do Le Monde. Quando falei com ele a primeira coisa que ele perguntou foi: Você é do Recife conhece Jomard Britto, ele é meu irmão, meu amigo. Aí ele chegou para os franceses apontou pra gente e disse: “está aqui a juventude brasileira estudando cinema em Paris isso me interessa”, falando francês com aquele sotaque dele e agente com vergonha (risos). E a gente entrou pra ver o Idade da Terra, adoro aquele filme que é ousado. Quando acabou o filme ele virou pra mim e pra Marcos e perguntou: como é, fizeram as ligações? Tipo assim: vocês sacaram tudo? Quando voltei pro Recife ele morreu logo depois, foi um choque. Algum tempo depois entrevistei Miguel Arraes sobre as conversas que ele teve com Glauber no exílio,e ele conta uma história incrível de bastidor: Glauber voltou para cá em 1976, elogiando Geisel que ia comandar a abertura, dizendo que Golbery era o gênio da raça. E pouca gente sabe que quem botou na cabeça dele que uma ala dos militares representada por Geisel ia fazer a abertura foi Miguel Arraes e João Goulart. Inclusive nessa conversa dele com João Goulart o Cacá Diegues estava presente num hotel em Paris. O Cacá não acreditou muito. Glauber voltou e começou a defender a ideia. Quem ficou com fama de louco foi Glauber Rocha, mas quem deu essa dica para ele foram os dois ícones da esquerda Arraes e Goulart.
Como começou a trabalhar na TV?
Quando voltei de Paris, em 81 nunca havia trabalhado em tv. Eu me encontrei na praia com Ricardo Carvalho, que era chefe de reportagem da Globo Nordeste, que me disse que havia uma vaga de editor. Fui, estava desempregado, e terminei ficando lá, comecei fazer matéria. Mas televisão não é a minha, sou uma aberração em tv, eu não me dirijo a quem está vendo o programa, não sei narrar direito. Como as entrevistas em tv, a maior parte, principalmente de celebridades é sempre com camaradagem. Mas entrevista tem que ser um instrumento de prospecção da realidade, de descoberta, é uma escavação que você faz, não pode ser de congratulação. Naquela entrevista de conversa de comadre, a chance de arrancar alguma coisa de uma pessoa importante é zero. E o meu trabalho ficou meio marcado por essa coisa de entrevista. Mas já sofri também, já tive matérias derrubadas, teve um tempo no Fantástico que nem que eu chegasse com Bin Laden no de braço dado ia ter matéria minha no programa. Acontece, não estou reclamando. Mas eu prefiro fazer reportagem escrita. Já pensei muito em voltar para jornal, mas agora a festa está acabando (risos).

Você hoje é da Globo ou da Globonews?
Fiquei um tempo no Fantástico, na Globo, mas hoje sou da Globonews, há uns 5 anos porque tem mais espaço para entrevistas e estão abrindo espaço para documentários. Sim eu faço questão de editar minhas matérias. Como eu digo que sou um ET em televisão, o que me salva e o que me anima também é esse formato minimamente diferenciado. Você nunca vai me ver de paletó e gravata num estúdio, de perna cruzada, dizendo boa noite. Eu tento fazer um enquadramento diferenciado. Acho que é um pouco a herança do cinema. Talvez muita coisa do que eu fiz em tv é um pouco os filmes que deixei de fazer. Por exemplo, sempre peço ao cinegrafista pra fazer um enquadramento de câmara ousado que só a máquina é capaz de fazer e não olho humano – como o cinema soviético de Vertov que é meu ídolo. Cada matéria com formatos diferentes. No documentário procuro imprimir conteúdo e beleza, nem sempre se consegue. Acho que o documentário que fiz sobre Joel Silveira, grande repórter, tem momentos que tem uma beleza. O documentário sobre Glauber também. Eu me reconheço muito mais nesses trabalhos, é uma espécie de desdobramento do cara que eu era que fazia super 8.

Qual a diferença entre fazer um documentário e uma matéria na tv?
O que é o documentário no fim das contas? É fazer jornalismo no cinema, para quem gosta das duas coisas é o melhor dos mundos. Mas é diferente de uma matéria, em relação ao ritmo, à captação. Há um risco muito grande de quem faz tv de ao fazer documentário fazer uma matéria grande, que é outro ritmo, outro enquadramento, outra concepção. Você não pode ficar fazendo concessão também a todo momento, ter que fazer um corte de 10 em 10 segundo senão o espectador vai mudar de canal. Não é isso. O do Glauber Rocha, modéstia à parte, teve umas soluções bonitas, o final as pessoas se emocionam muito quando o personagem entra no mar e a voz de Glauber e o mar se agitando, ele fazendo um discurso apaixonado sobre o Brasil. O filme foi selecionado no Fest Rio e acho que nunca mais eu acho terei uma plateia que daquela do festival, porque Glauber mobiliza as pessoas. Estavam Caetano Veloso, Othon Bastos, Luiz Carlos Barreto, Vladimir Carvalho um timaço. Foi emocionante. Glauber foi quem me animou a fazer documentário, aquela coisa dele de sonhar com um Brasil melhor, com um país que um dia seja uma coisa original – que está meio fora de moda tomara que volte. É muito forte você ter um encontro desses e você não fazer nada.

Como você encara o jornalismo hoje?
O drama hoje é que se pode criar um blog genial, mas como torná-lo sustentável? Acho que é difícil você convencer o leitor a pagar por algo, no caso informação, que ele tem de graça. Ao mesmo tempo acho que nunca foi tão necessária a figura do jornalista porque se tem tanta informação circulando vai ser sempre preciso que exista uma figura capaz de hierarquizar as informações, de contar as coisas com clareza. Na verdade estamos no meio de um tsunami, que vai ter mortos e feridos, vai sobreviver gente, vai ter histórias heroicas. Quando se está no meio de uma onda, você não tem clareza do que está acontecendo. Está virando tudo de cabeça para baixo, o que eu acho super saudável. Você vai defender uma coisa que muitas vezes é tão careta, ultrapassada, hierárquica, velha? Não tenho a visão catastrófica e pessimista, agora sei que em relação ao mercado as coisas não estão ainda a formula mágica. Os veículos impressos incrivelmente apesar de tudo ainda atraem mais receita do que o digital. Lá fora também. Agora quando eu estudava jornalismo eu não dava conta de ler tudo o que existia numa banca de revista: O Pasquim, O Movimento, Opinião, Cojornal.. Hoje você passa numa banca só tem revista de dieta, parece jornalismo endocrinológico risos. Houve um empobrecimento da imprensa. A gente vivia num regime militar, será que a necessidade de existir uma oposição é o que fazia existirem tantos jornais? A gente imaginava na época que quando a situação ficasse normal esses iríamos ter uma imprensa com muitos bons jornais e não aconteceu. Os jornais acabaram, você não tem espaço para grandes reportagens. É lamentável. É uma imprensa que não tem muita variedade também. Pega o Pasquim tinha caras como Paulo Francis, Millor, Fausto Wolf. Qual é o jornal hoje que vai cumprir esse papel? O Opinião era de um empresário de esquerda Fernando Gasparian. Será que não tem nenhum empresário hoje que se animaria a bancar um jornal ou um site?

Algum projeto futuro?
Tenho tentando fazer um documentário vez por ano. Gostaria de fazer livros também que abandonei um pouco por falta de tempo. O último que fiz foi o Dossiê Gabeira, e fiz um livro com ex-presidentes que estou tentando atualizar. Era uma série que fiz para televisão que virou livro depois. Cada vez que um presidente saísse do poder a gente entrevistava para contar coisas que ele não poderia contar quando estava no poder. Fiz Collor, Itamar Sarney e Fernando Henrique. Queria entrevistar Lula, mas está complicado por enquanto. Em documentário, penso em fazer um sobre Carlos Drummond, porque fiz uma entrevista com ele, 17 dias antes dele morrer, são quase duas horas de gravação. Fiz um livro chamado Dossiê Drummond, mas quero ver se faço um documentário usando a voz dele dessa gravação. Estou organizando um livro sobre Paulo Francis, se tudo der certo sai este ano. Tive a sorte de conviver um tempo com ele, que era um dos meus ídolos por causa do texto. Depois ele ficou com a fama de que era conversador por causa da coluna que ele escrevia, mas ele tem um texto com fluência que falta ao jornalismo brasileiro. Pensei nesse livro há uns 10 anos, agora vai sair pela editora Zahar, que são encontros de Paulo Francis com grandes figuras internacionais. Uma coleta de entrevistas e perfis que Paulo Francis escreveu para a revista Status. Lembro de uma confusão que teve aqui com ele, O Jornal do Commercio deixou de publicar a coluna dele. Eu discordei. Acho que ele disse que o Nordeste era uma região desgraçada, ou miserável. Deixaram de publicar a coluna por causa disso, depois ele até escreveu não corrigindo, mas explicando o pensamento. Fiquei decepcionado com o JC porque deixou de publicar a coluna e com o Diário porque deixou de incorporar a coluna. Seria uma grande jogada. Em 2000 eu convenci o então diretor de jornalismo da Globo Evandro Carlos de Andrade, que era o último comandante de redação, aquele cara que manda , temido. Gravei uma entrevista de 20 horas com ele e na época ia sair um livro. Ele morreu em 2001. A ideia é que um dia esse livro vai sair, é um documento importante sobre os bastidores da imprensa brasileira. Penso também escrever para estudantes de jornalismo sobre essas experiências que tive no jornalismo, até as experiências que deram errado. Chico Buarque faz 18 anos que não fala para o Fantástico por minha causa.
Por que?
Já tinha saído no perfil do pai dele, Sergio Buarque, que ele tinha um filho alemão, agora já ficou público saiu até num livro do Chico. Eu perguntei a ele se era verdade que tinha um irmão alemão, a entrevista foi até bem-humorada. Ele até brincou disse “meu pai teve um caso com uma alemã antes de se casar com minha mãe e quando vou pra Berlim fico olhando para as pessoas na rua, pode ser meu irmão”. E como Sergio Buarque tinha pele muito clara de olhos azuis e perguntavam na Alemanha se ele era filho de alemão e ele dizia não mas sou pai de um (risos). Ele contou dessa forma. Mas quando saiu no Fantástico, uma coisa é você contar essa história numa conversa, outra é o Cid Moreira com aquele vozeirão dizer: exclusivo, daqui a pouco no Fantástico, o irmão que Chico Buarque nunca viu. Pode ser que até eu mesmo tenha feito a chamada. Ele ficou uma fera. Eu sei que o que ele disse que a última coisa que ele falaria era da vida pessoal no Fantástico, no que eu acho que ele tem razão. Por que o que vai ficar é a música dele. É aquela diferença de visão entre artista e jornalista. Pro Chico ele estava lançando um disco na época, então ele deve ter pensado, vai sair meu clipe no Fantástico e três minutos de entrevista e foi o contrário. Uma vez perguntei a Caetano porque tem tanto problema de artista com jornalista. Ele disse: o jornalista precisa obedecer a várias hierarquias e o artista tem que quebrar essas hierarquias. Na cabeça do jornalista as prioridades são outras, você fica doido para que Caetano fale algo escandaloso ou íntimo.

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