Debate ambiental do Pernambuco em Perspectiva destacou a urgência da agenda da sustentabilidade no Estado.
*Por Rafael Dantas
Quais as atividades econômicas que irão mover Pernambuco nas próximas décadas? Com 90% do território situado no semiárido nordestino e com sua capital como a 16° mais vulnerável do mundo à elevação do nível do mar, a grande expectativa – e desafio – do Estado é construir um tecido produtivo sustentável. A economia regenerativa – que não apenas preserva o meio ambiente, mas que atua para reverter o processo histórico de destruição – foi o tema principal do projeto Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo, realizado em setembro pela Algomais e pela Rede Gestão, com patrocínio da Copergás.
Ana Luíza Ferreira, Secretária de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha do Governo do Estado, e Sérgio Xavier, coordenador do Fórum de Mudança do Clima, foram enfáticos na defesa da mudança do modelo de desenvolvimento econômico para um padrão ancorado nas tendências de descarbonização das atividades produtivas, interrupção dos processos de degradação ambiental e de fomento às atividades sustentáveis e de adaptação às mudanças climáticas.
“A economia é o eixo fundamental para fazer as grandes transformações. Ela influencia a política, garante a vida das pessoas. É nela que temos que trabalhar, saindo do modelo degradador para um modelo regenerativo. É preciso mudar os modelos de governança para uma visão mais sistêmica, mais integrada e em tempo real com redes digitais”, defendeu Sérgio Xavier.
Muitas das previsões que pareciam catastróficas e até alarmistas, há algumas décadas, já se tornaram realidade. Não esperaram 2050 ou o final do século para acontecer. Os alagamentos no Recife em dias sem chuvas, o drama das enchentes do Rio Grande do Sul e o processo de desertificação no semiárido nordestino são fotografias de um filme assustador que atravessa o planeta.
Esse roteiro, previsto há décadas pelos ambientalistas, mas só agora, de fato, sentido pela população, tem movido o mundo com investimentos robustos. A transição das matrizes energéticas e os investimentos urbanos de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas são duas respostas às ameaças globais. Em paralelo a isso, no entanto, seguem em curso tentativas de avançar em atividades com graves riscos ambientais em Pernambuco, no País e no mundo.
A exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas é um dilema nacional, como no passado foi a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Em Pernambuco, pautas que estão no horizonte de curto prazo são a construção do Arco Metropolitano e da Escola de Sargentos. O primeiro corta a Área de Proteção Ambiental Aldeia Beberibe, enquanto o segundo prevê o desmatamento de 90 hectares de Mata Atlântica, em Paudalho. Permanece, portanto, o confronto entre os “empreendimentos verdes” e o avanço de investimentos com forte impacto ambiental.
CENÁRIO NACIONAL E LOCAL DRAMÁTICOS
Sérgio Xavier apontou uma série de aspectos destacados pelo Fórum Econômico Mundial que expõe a complexidade da pauta das questões climáticas, que exige pensamento sistêmico, planejamento Integrado, diplomacia colaborativa e soluções multiconectadas. “Alguns destaques apontados pelo fórum são a desinformação, disrupções decorrentes das novas tecnologias digitais, a polarização social no mundo, a recessão econômica, inclusive provocada por questões ambientais, a migração forçada. Há um conjunto de outros pontos que englobam tudo. Um dos pontos relevantes é a falta de oportunidade econômica”.
No cenário nacional, nas últimas semanas, o avanço das queimadas é um fator que assusta a população. Mas a quantidade de indicadores preocupantes de desequilíbrio ambiental no País e no mundo são muitas. “A temperatura média, máxima e mínima estão subindo em todas as regiões do Brasil. Ondas de calor, chuvas anuais, chuvas extremas, duração da seca, nível do mar, acidificação do oceano. Todos estão em alta. Estamos em uma situação muito séria e crítica. É uma crise sistêmica pois o modelo macro da nossa economia está em colapso, ele não é mais viável. O ponto de partida é o meio ambiente” alerta Sérgio Xavier.
No estudo apresentado pelo Adapta Brasil, dos 5.570 municípios do País, apenas 251 têm capacidade adaptativa considerada muito alta para enfrentar os desafios desse momento de mudanças climáticas e eventos extremos do clima. O levantamento do Governo Federal mostrou que 3.679 municípios não têm capacidade adaptativa ou uma capacidade muito baixa de enfrentar essa situação.
Quando esteve à frente da Secretaria de Meio Ambiente de Pernambuco, Xavier diagnosticou três pontos mais críticos por onde o Estado deveria começar a enfrentar os problemas ambientais. O primeiro era a seca e o cenário de desertificação do semiárido. O segundo era o avanço do mar e a erosão do litoral, atingindo uma região densamente povoada. E em terceiro, as chuvas e inundações da Zona da Mata Pernambucana.
“Precisamos fazer um plano que mitigue, adapte as cidades, inclua as pessoas, transforme as cadeias produtivas e, ao mesmo, tempo as impulsione. Essa é a referência, criar uma nova economia resolvendo esses problemas. Temos 90% de áreas suscetíveis à desertificação, com parte já saindo do semiárido para o árido”, destacou Sérgio.
Além da defesa enfática da preservação ambiental e da atuação por sua regeneração, a secretária Ana Luíza foi muito enfática ao associar o desafio social do Estado. “Partimos de um Estado em que 50% da população está abaixo da linha da pobreza e que 20% da população está abaixo da linha de miséria. Nós nos acostumamos a ser suscetíveis a qualquer desenvolvimento, qualquer emprego e qualquer PIB”, critica. Ela sugere ser preciso reduzir desigualdades extremas dentro das iniciativas de economia regenerativa.
Sérgio Xavier lembrou de alguns avanços durante seu período na gestão, que ele considera que foram medidas importantes, mas paliativas. Ações que adiam o colapso, atuando à margem do modelo econômico degradador. Mas destacou que o momento exige políticas que de fato regenerem o meio ambiente. “Nossa visão é fazer a economia regenerativa puxar esse processo. E, portanto, a nossa briga é com os conservadores da desigualdade e do modelo econômico, que querem que continue do mesmo jeito. Esses conservadores não querem conservar a natureza. Precisamos que eles olhem para a questão ambiental”, explicou Xavier.
Ele tem investido em laboratórios de economia regenerativa, com destaque para a experiência do Lab Noronha pelo Planeta, que é financiado pela iniciativa privada. Instalado em um antigo lixão no arquipélago, a proposta foi de recuperar a região, criando um ponto turístico completamente sustentável, melhorando a vida das pessoas. A estrutura está avançando para inauguração, prevista para dezembro ou janeiro, mas já tem produzido impactos importantes no local, como a retirada de todo o lixo e o início do reflorestamento.
A transição do modelo linear insustentável para um modelo circular e regenerativo abre infinitas oportunidades ao focar na descarbonização e na recomposição dos ciclos biogeoquímicos que sustentam tanto a vida quanto a economia. Nesse contexto, a biodiversidade, as florestas e as bacias hidrográficas emergem como os ativos mais valiosos e duradouros, fundamentais para garantir um futuro equilibrado e próspero. Ao proteger e valorizar esses recursos naturais, é possível impulsionar uma economia sustentável que gera benefícios contínuos para a sociedade e o meio ambiente.
TRANSIÇÃO ECONÔMICA – ECOLÓGICA EM PERNAMBUCO
Em Pernambuco, a resposta dada pelo poder público é o PerMeie, o Plano Pernambucano de Mudança Econômica-Ecológica. A exemplo de outras experiências no País e mesmo no Estado, a proposta é de uma atuação transversal em todas as secretarias do poder executivo para mudar a lógica da exploração econômica.
“A gente está num momento extremamente desafiador, sob o ponto de vista ambiental, mas ao mesmo tempo com muitas oportunidades. Nunca o meio ambiente teve o protagonismo que hoje tem”, afirmou Ana Luíza Ferreira. “Pernambuco está se estruturando para fazer essa transição para uma nova economia de matriz regenerativa. Para aproveitar o bonde da oportunidade, não basta apenas ser sustentável. Precisamos ir além, regenerar o meio ambiente e de forma inclusiva.”
Não é por acaso que a secretária pontuou que esse primeiro quarto do Século 21 é também uma janela de oportunidades. A Irena (Agência Internacional de Energia Renováve) fala da necessidade de aporte de US$ 150 trilhões para limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2050. Isso resultaria numa média anual de investimentos de mais de US$ 5 trilhões. Durante sua apresentação, Ana Luíza destacou que um terço do mercado de capitais global direciona investimentos exclusivamente para projetos com métricas ESG (baseadas no tripé Ambiental, Social e Governança) bem definidas. Esse montante supera US$ 40 trilhões, o que equivale a mais de 25 vezes o PIB do Brasil.
Diante dos potenciais do Nordeste, em conexão com as tendências econômicas do mundo que investe na descarbonização, a mudança de chave da matriz produtiva pode contribuir para a redução das desigualdades regionais que historicamente afetaram a região. De acordo com os dados do último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Nordeste possui 26,9% da população brasileira, enquanto é responsável apenas por 13,8% do PIB.
“É um trabalho para mudar o vetor de desenvolvimento do Estado de Pernambuco. Estamos acostumados a colocar em caixinhas separadas meio ambiente e economia, mas isso é completamente intrínseco. Antes do problema climático ser ambiental, é um problema social, econômico e político. O ambiental é apenas um reflexo do nosso modelo político, econômico e social. Reflexo das desigualdades extremas que globalmente temos entre os países e regionalmente no Brasil”, exemplificou Ana Luiza Ferreira.
O Plano Pernambucano de Mudança Econômica-Ecológica propõe, portanto, construir um ciclo de desenvolvimento que reduza as desigualdades e aumente a renda da população, promovendo a transição para uma economia global orientada por critérios ESG e princípios regenerativos. A iniciativa vislumbra utilizar instrumentos fiscais, pesquisa, inovação e educação para atingir seus objetivos.
O PerMeie está estruturado em cinco eixos principais. O primeiro é o fomento a investimentos sustentáveis e regenerativos. O segundo eixo trata da mobilização cultural e educativa para o desenvolvimento sustentável. O terceiro foca na inovação em serviços e tecnologias disruptivas para a economia regenerativa. O quarto aborda o planejamento urbano e territorial sustentável. Por fim, o quinto eixo promove a bioeconomia nas biorregiões do Estado, com ênfase na Caatinga e na sustentabilidade. Cada campo do plano dispõe de iniciativas estratégicas prioritárias, que estão em andamento.
PAUTAS ESPECÍFICAS NO CONTEXTO PERNAMBUCANO
Em sua apresentação, Sérgio Xavier mencionou três debates urgentes. Dois estão na pauta do dia em Pernambuco (a Escola de Sargentos e o Arco Metropolitano) e o terceiro está esquecido no debate público mais amplo (a degradação da Bacia do São Francisco).
“A Escola de Sargentos é uma boa oportunidade de criar um projeto que se encaixe nos espaços que já foram devastados e mantenha os 90 hectares (trecho previsto atualmente para ser desmatado para erguer o empreendimento). É um absurdo perder essa área para fazer uma escola que deveria dar uma lição de sustentabilidade. As Forças Armadas do mundo e não só do Brasil em algumas décadas vão trabalhar muito com os efeitos das mudanças climáticas, socorrendo gente, apagando fogo, dando apoio às pessoas e se refugiando”, afirmou o ambientalista. “Tenho tentado, dentro do Governo Federal, transformar esse projeto em um exemplo”.
Ele criticou também o projeto do Arco Metropolitano. Relembrou as lutas travadas no passado, pois o percurso que não exigia desapropriação era justamente sobre a mata da APA Aldeia Beberibe, que é um dos poucos pontos que restam de Mata Atlântica. Ele sugeriu que se fizesse o arco, mas preservando esses resquícios do bioma. “Daqui a 50 ou 100 anos talvez essa estrada nem seja necessária. Agora daqui a 100, 200 ou mil anos, essa mata vai ser fundamental. Até porque a água da RMR vem desses mananciais”.
Xavier salientou que nos últimos quatro anos houve um aumento de 546% de aumento de alertas de desmatamento na Bacia do Rio São Francisco, tendo perdido 50% de água entre 1985 a 2020. “O rio está morrendo. Isso se encaixa no aumento da aridez do semiárido”. A região também possui um Laboratório de Economia Regenerativa para interligar corredores ecológicos, unindo os atores locais que já trabalham no território.
O evento Pernambuco em Perspectiva, teve mediação de Ricardo de Almeida e uma palestra sobre diagnóstico do esgotamento do último ciclo econômico de Pernambuco, por Francisco Cunha, que apontou a centralidade da questão ambiental para as próximas décadas no Estado. “Estamos diante da demanda de avançar num amplo debate na sociedade que permita ajudar a formular um outro modelo de desenvolvimento. Estamos em um Estado com grandes carências físico-territoriais e sociais. Com mais de 80% do território no semiárido nordestino. Pobre em recursos naturais, com um semiárido em expansão. A tendência é menos água, maior temperatura e maior perímetro do semiárido, inclusive com áreas em sérios riscos de desertificação”, alertou o consultor.
Os desafios no território do Estado são de toda ordem. Do Sertão ao Litoral; das ilhas ao Agreste, existe a vulnerabilidade de recursos hídricos. O debate do Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo e os avanços institucionais desde a criação da Secretaria do Meio Ambiente do Estado apontam que os caminhos existem, inclusive com boas experiências na iniciativa privada. A pauta, porém, precisa entrar na prioridade do novo ciclo de desenvolvimento do Estado.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)