Setor amplia investimentos, gera empregos e se espalha por todas as regiões do Estado, mas esbarra em gargalos logísticos, carga tributária e dificuldades de crédito
*Por Rafael Dantas
Catchup, cerveja, laticínios, açúcar… a produção de alimentos de Pernambuco é diversificada e está presente em praticamente todas as microrregiões do Estado. Atualmente, o setor representa 10,7% de toda a atividade industrial local. Após crescer 2,6% no ano passado, há uma nova onda de investimentos robustos chegando. Nos últimos dias, por exemplo, o Grupo Heineken concluiu a ampliação da fábrica em Igarassu, com um investimento de R$ 1,2 bilhão para triplicar a capacidade produtiva. Somente nas reuniões do Condic (Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e de Serviços), os recursos anunciados neste ano já totalizam R$ 485 milhões.
De acordo com dados do IBGE, além do avanço de 2024, a indústria de alimentos e bebidas em Pernambuco registrou um avanço de 1,4% entre janeiro e maio deste ano. Um desempenho considerado consistente pela Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco), que ressalta a forte geração de empregos e a capilaridade desse setor nos diversos territórios do Estado.

Bruno Veloso destaca a geração de vagas de trabalho na indústria de alimentos e bebidas de Pernambuco. “O setor foi responsável, em 2024, por mais de 100 mil vínculos formais, o que representa quase 30% do total de empregos industriais gerados no Estado.
“O setor de alimentos e bebidas foi responsável, em 2024, por mais de 100 mil vínculos formais, o que representa quase 30% do total de empregos industriais gerados no Estado”, destacou o presidente Bruno Veloso. “A competitividade do setor é impulsionada por uma infraestrutura estratégica, com destaque para o Porto de Suape e polos industriais distribuídos por regiões como Vitória de Santo Antão, Caruaru e Petrolina”.
O polo cervejeiro em Itapissuma, a Bacia Leiteira no Agreste e as indústrias avícolas em São Bento do Una são apenas alguns dos diversos exemplos de como esse setor se espraia por Pernambuco. Um tecido industrial formado tanto por multinacionais e gigantes do Brasil, interessadas no mercado do Nordeste, como por empresas familiares com raízes no Estado que consolidaram seus negócios.

Entre os investimentos anunciados pelo Conselho Estadual de Política Industrial, Comercial e de Serviços (na foto acima), está a implantação da fábrica, em Brejão, da Laticínios Santa Maria, que tem sede em Minas Gerais, com aporte de R$ 220 milhões.
NOVOS PLAYERS E AMPLIAÇÕES NO MERCADO LOCAL
Nos anúncios realizados pelo Condic é possível medir o apetite de novos atores no tecido empresarial. Os anúncios do Proind (Programa de Estímulo à Indústria de Pernambuco) e do Prodepe (Programa de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco) indicam os aportes econômicos e as expectativas de geração de novos empregos.
O maior anúncio da reunião de julho, por exemplo, foi da Laticínios Santa Maria. A corporação, com sede em Minas Gerais, fará a implantação de uma unidade industrial em Brejão, com aporte de R$ 220 milhões. O projeto deve gerar 85 novos postos de trabalho. O município de destino do empreendimento integra a bacia leiteira do Estado, que já conta com outras grandes empresas nacionais e pequenas empresas locais que compõem a Rota do Queijo Artesanal, por exemplo.
Outro destaque recente no Estado foi o anúncio do aporte da Mondelez que já opera em Vitória de Santo Antão. A corporação destinou R$ 111,3 milhões à expansão de sua unidade. Com a ampliação, serão gerados pelo menos 160 novos postos de trabalho. “Esses investimentos fortalecem o processo de interiorização do desenvolvimento econômico e comprovam a eficácia das políticas públicas de incentivo, como o Prodepe e o Proind”, avalia Bruno Veloso, da Fiepe.

Enquanto esses investimentos estão ainda na fase de anúncio, o Estado celebrou nesta semana a inauguração da triplicação do Grupo Heineken. A cervejaria, que tem fábrica em Igarassu, realizou um aporte de R$ 1,2 bilhão. As novas linhas de produção irão permitir o aumento da capacidade produtiva principalmente das marcas Amstel e Devassa. O grupo fabrica ainda a marca Heineken e o refrigerante FYS. Ao todo, 130 novos postos de trabalho permanentes foram criados. A empresa passa agora a contar com 1,2 mil funcionários.

A exemplo de outros players internacionais com as raízes fincadas no Estado, o foco é chegar de forma competitiva no Nordeste. Na inauguração, a empresa ressaltou que a fábrica pernambucana abastece mercados como do Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Alagoas, Paraíba e Sergipe, além de Pernambuco. “A nova fase da unidade de Igarassu representa nossa visão de longo prazo para equilibrar crescimento e responsabilidade. Estamos mais preparados para atender à demanda crescente do Nordeste, ao mesmo tempo em que avançamos na agenda ESG, com iniciativas e soluções que integram e atendem nossas ambições ambientais e sociais. Pernambuco é hoje o segundo maior mercado para o Grupo Heineken no Nordeste, e a unidade de Igarassu desempenha papel essencial nesse crescimento.”
A menção do executivo à sustentabilidade se deve a novos investimentos também. A modernização permitirá ao grupo reduzir em 30% o consumo de água e ter um maior uso de garrafas retornáveis. A unidade passou a abrigar a maior linha de retornáveis da marca no Brasil.

Hugo Gonçalves comemora a ampliação da frota de caminhões da Tambaú, com a obtenção de 10 veículos, e a aquisição de duas envasadoras de molho e uma máquina para produzir embalagens. “Estamos construindo também um novo espaço na fábrica, com 3 mil m²”.
CRESCIMENTO DE UMA GIGANTE E FAMILIAR
Um dos cases mais emblemáticos é a Tambaú, que completou 62 anos. Com sua atividade industrial instalada em Custódia, em pleno Sertão, a fábrica emprega 700 pessoas com um mix de 113 produtos. O desempenho da corporação no ano passado foi na casa dos dois dígitos. A empresa registrou um aumento de receita de 12,4% e de 3,5% em toneladas.
A empresa familiar realizou recentemente a ampliação de sua frota de caminhões, com a aquisição de 10 novos veículos, duas envasadoras de molho e uma máquina de sopro para produzir embalagens de catchups e molhos. “Estamos construindo também um novo espaço na fábrica, com 3 mil m² que vai concentrar a nova unidade de sopro de embalagens e toda a parte administrativa industrial. A conclusão está prevista para até o final deste ano”, anunciou o presidente Hugo Gonçalves.

Mesmo crescendo nas últimas décadas, tendo o catchup como o mais vendido no Nordeste há 10 anos, a empresa está aumentando seu mix. Em breve, irá produzir maionese e já tem expectativa de aumentar em 15% o faturamento apenas com esse novo produto. Além do novo item, a marca vem inovando com variedades premium do seu catchup e oferecendo novos formatos dos seus sucessos de venda. “Nós estamos sempre buscando inovar, em embalagem e novas receitas de produtos, inclusive na própria categoria de catchup”, revelou Hugo.
PEQUENOS NEGÓCIOS TAMBÉM SÃO FORTES NO SETOR INDUSTRIAL
Não são apenas os gigantes que escrevem a história da indústria de alimentos no Estado. Muitos negócios pilotados pelos pernambucanos são de pequeno ou médio porte. Atividades realizadas por famílias, com lutas semelhantes aos grandes, como a busca de novos mercados, o sofrimento com as oscilações da economia e a busca de inovação.

"Em Pernambuco são os pequenos e médios negócios que sustentam esse setor. Eles representam a maior parte das indústrias ativas no Estado, estão distribuídos em todas as regiões e respondem por uma grande parcela dos empregos gerados, sendo responsáveis por absorver boa parte da mão de obra local." Henrique Malaquias
“Em Pernambuco são os pequenos e médios negócios que realmente sustentam esse setor. Eles representam a maior parte das indústrias ativas no Estado, estão distribuídos em todas as regiões e respondem por uma grande parcela dos empregos gerados, sendo responsáveis por absorver boa parte da mão de obra local”, avalia Henrique Malaquias, gestor estadual de Indústria do Sebrae Pernambuco.
Com 37 anos de operações, a Produtos Recife é um exemplo de resiliência. A empresa familiar começou a produzir temperos na sala de casa e a fazer entregas de ônibus. Hoje, produz cerca de 30 toneladas por mês de colorau e mistura para cominho, atendendo feiras livres em cidades como Recife, Paulista, Olinda e Timbaúba, além de distribuir seu produto também no Ceasa.
Após o falecimento do fundador, o filho Juarez Paiva Júnior lidera o negócio ao lado da mãe e da irmã. A pequena empresa, que hoje tem sede em Paulista, emprega ainda quatro funcionários. Mesmo diante de desafios diários, a família procura caminhos para inovar e crescer. A Produtos Recife participou de programas do Sebrae, do Senai e já buscou financiamento do Banco do Nordeste para ganhar impulso. Em menos de dois anos, a empresa implantou um sistema de gestão, recebeu consultoria em manufatura enxuta e adquiriu sua primeira máquina automática.
Essa modernização permitiu ampliar a produção sem aumentar a equipe, além de viabilizar o fracionamento dos temperos em novas embalagens, abrindo portas para supermercados e redes de restaurantes. “Estamos crescendo com os pés no chão. O apoio técnico nos deu clareza sobre o que precisa ser feito e hoje conseguimos enxergar um caminho com mais organização e visão de futuro. Mesmo com recursos limitados, estamos avançando, passo a passo”, afirma Juarez Paiva.

Juarez Paiva Júnior lidera a Produtos Recife, empresa familiar que começou a produzir temperos na sala de casa, fazia entregas de ônibus e hoje produz cerca de 30 toneladas por mês de colorau e mistura para cominho.
Para Henrique Malaquias, além da importância econômica das milhares de pequenas empresas industriais, esses empreendimentos dialogam diretamente com a identidade alimentar de Pernambuco, valorizando saberes locais e fortalecendo os elos entre a indústria e a cultura regional. “Transformam ingredientes locais em produtos como queijos artesanais, doces típicos, bolos, panificados e conservas, movimentando o comércio e o turismo gastronômico. Também desempenham papel estratégico no fortalecimento da agricultura familiar e dos arranjos produtivos locais”, ressaltou o gestor do Sebrae.
RISCO NAS EXPORTAÇÕES
Apesar da importância do setor no abastecimento do mercado regional, a indústria de alimentos e bebidas é também um dos destaques da pauta de exportações de Pernambuco com o tradicional açúcar. O presidente do Sindaçúcar, Renato Cunha, inclusive, integrou a comitiva de senadores que tentou abrir canais de articulação nos Estados Unidos para evitar o tarifaço de Donald Trump.
Com a imposição da tarifa dos 50% na exportação do produto, ele fica inviável competitivamente de entrar no concorrido mercado estadunidense. Há uma luta pela revisão da medida e a inclusão do produto na extensa lista de exceções. Mas, por enquanto, o açúcar permanece incluído na medida do Governo Trump.

“Pernambuco é um dos maiores produtores de cana-de-açúcar do Nordeste, com um setor sucroalcooleiro estruturado e historicamente voltado também à exportação. O açúcar representa mais de 30% das exportações pernambucanas para os Estados Unidos, de modo que o aumento tarifário afeta diretamente a competitividade do produto no mercado norte-americano, reduz margens de lucro e desestimula novos investimentos”, afirmou Bruno Veloso.
O impacto da medida é nocivo principalmente para os municípios da Zona da Mata, onde a atividade canavieira é tradicional e tem muita relevância na sustentabilidade econômica. “O tarifaço pode comprometer a sustentabilidade financeira de usinas exportadoras e pressionar ainda mais o setor”, relatou o líder empresarial. O setor sucroalcooleiro, inclusive, deve ser um dos alvos das medidas compensatórias do Governo Federal e do Governo do Estado para salvar os setores produtivos mais afetados pela crise no mercado internacional.
DESAFIOS DO SETOR
Mas não é apenas o tarifaço que ameaça azedar o desempenho crescente do setor. A indústria enfrenta uma série de desafios que comprometem sua competitividade no curto e médio prazo. O elevado custo logístico, agravado pela deficiência de infraestrutura no interior do Estado, é um dos principais gargalos. A ausência de obras essenciais, como a conclusão da Ferrovia Transnordestina e do Arco Metropolitano, é apontada pela Fiepe como um dos fatores estratégicos que dificultam o escoamento da produção e pressionam os custos operacionais das empresas.
Além das questões logísticas, o setor também sofre com o acesso limitado ao crédito, um problema especialmente entre pequenas e médias empresas. Essa barreira restringe investimentos em inovação e modernização. A alta carga de impostos, que pode ser minimizada com a Reforma Tributária em andamento, o custo elevado da energia e as dificuldades na qualificação da mão de obra são outros ingredientes que atrapalham a produtividade da indústria de alimentos.
Sobre os pequenos negócios, Henrique Malaquias ressalta que os principais desafios estão também na falta de mão de obra qualificada, nas dificuldades de acesso a financiamento, nas exigências regulatórias, além da baixa eficiência produtiva. “O que pode tornar essas empresas mais competitivas é a melhoria dos processos produtivos, a redução de custos na fabricação dos produtos e a abertura de novos nichos de mercado. Esses fatores representam diferenciais importantes para o crescimento e a sustentabilidade do negócio”. O próprio Sebrae atua nesse cenário pelos programas como o Brasil Mais Competitivo, focado no aumento da produtividade e do faturamento das empresas.
O setor de alimentos e bebidas em Pernambuco avança, impulsionado por investimentos de grandes corporações e pela força dos pequenos negócios locais. No entanto, para manter sua trajetória de crescimento, será fundamental enfrentar os entraves estruturais que limitam sua competitividade e reduzir desigualdades de acesso a crédito, infraestrutura e inovação.