“A informação para evitar ataques de tubarão não é mais eficaz. Temos que mudar!” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“A informação para evitar ataques de tubarão não é mais eficaz. Temos que mudar!”

O comportamento humano tem as suas contradições. Nem sempre informar às pessoas que determinada atitude pode provocar riscos às suas vidas é suficiente para que elas adotem uma postura de segurança. É o que observamos, por exemplo, com indivíduos que insistem em não usar máscara em ambientes aglomerados em plena pandemia. Ou com os banhistas das praias pernambucanas que desconsideram os avisos das placas ou o alerta de bombeiros sobre as precauções para evitar ataques de tubarão. O resultado é que em dois finais de semanas seguidos, no final de julho passado, duas pessoas foram atacadas pelo animal em frente à igrejinha de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes.

A solução para a esse problema, segundo a oceanóloga Rosangela Lessa, professora da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), é encontrar uma nova maneira de alertar à população sobre como evitar o encontro com tubarões. “Acontece que as placas passaram a ser algo que os banhistas já se acostumaram e não estão mais interiorizando o que está exposto nelas. Se isso ocorre é porque essa informação não é mais eficaz e precisamos de uma nova maneira de informar”, propõe a especialista, que desde 1979 atua em dinâmica de populações e conservação de raias e tubarões. Ex-presidente do Cemit (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões) e da Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios, Rosângela, nesta conversa com Cláudia Santos, explica os motivos da existência dos tubarões nas praias de Pernambuco, relata como outros países convivem com essa questão e esclarece se é mito ou verdade a ideia, muito difundida entre pernambucanos, de que cheiro de melancia no mar é um indicativo da presença de tubarões.

Por que há tantos tubarões no litoral pernambucano?

Não tem tanto tubarão assim nas nossas praias. O que existe são muitos encontros de pessoas com os tubarões devido a um conjunto de características que coloca os indivíduos próximos aos tubarões. E, por isso, ocorrem os ataques. É uma questão de circunstância, de oportunidade, não é que ele anda procurando pessoas para atacar e nem que sejam muitos, pelo contrário, a gente se preocupa porque várias espécies que eram muito frequentes agora não são mais. E isso para sustentabilidade do grupo é bastante preocupante.

Quais foram essas condições que propiciaram a um encontro maior entre humanos e os tubarões?

Até os anos 50 do século passado, o hábito de frequentar a praia do jeito como é hoje era muito mais raro. Com o tempo, o ambiente de praia foi sendo cada vez mais utilizado pelos humanos e existem determinados trechos da nossa praia que são frequentados por muita gente e que apresentam feições que facilitam a aproximação dos tubarões que sempre estiveram ali. O ambiente oceânico onde não há recifes é o habitat de tubarões e agora esse local está cheio de gente, o que propicia o encontro dos tubarões com as pessoas.

Existem outras feições também. Os incidentes não são provocados por um fator apenas, mas parecem ser por um conjunto de outros como, por exemplo, as modificações no ambiente devido a grandes empreendimentos feitos na nossa costa. Temos também a presença de um canal bem próximo à praia a partir de Candeias até o Pina. Frequentemente os tubarões utilizam esse canal como passagem e, em alguns trechos, ele é muito próximo da praia, como na altura da igrejinha de Piedade e em Boa Viagem na frente do edifício Acaiaca. Esses dois pontos também não apresentam recifes e, por isso, são locais onde ocorre o maior número de incidentes. Isso já é algo histórico. Cerca de 20% dos incidentes ocorreram em frente à igrejinha de Piedade.

Qual a maneira mais adequada de lidar com a realidade de convivermos com tubarões nas nossas praias?

Durante bastante tempo foi acrescida uma série de informação sobre os tubarões e que está contida naquelas placas instaladas nas praias. Elas reunem informações sobre medidas para evitar os ataques. Essas placas faziam parte da nossa estratégia que estava funcionando, as taxas de incidentes vinham baixando. Ficamos três anos sem incidentes e agora tivemos esse infortúnio: dois incidentes. Acontece que as placas passaram a ser algo que os banhistas já se acostumaram e não estão mais interiorizando o que está exposto nelas. Se isso ocorre é porque essa informação não é mais eficaz e precisamos de uma nova maneira de informar. Por isso, temos a proposta de retomar os estudos, investir em educação ambiental e reforçar aquelas medidas que julgamos que deram certo e que, nos últimos três anos, não estavam sendo seguidas em função do fato de que não ocorriam incidentes e as pessoas se acostumaram com a não ocorrência dos ataques.

Há um número grande de incidentes, ao longo do tempo, listado e disponível, no site do Cemit (Comitê de Monitoramento de Incidentes com Tubarões), da SDS (Secretaria de Defesa Social). Então, já temos um histórico para fazer uma estatística, sabemos quais são os pontos mais perigosos e os menos perigosos. Na minha opinião, assim como na opinião de um grupo que participou do workshop internacional que tivemos aqui em 2014, é que a praia precisa ter essa informação clara. Precisamos, por exemplo, informar à população: este é um ponto seguro, sem registro de incidentes. Nos pontos que têm registro de incidentes muito frequentes temos que dizer isso para a população de maneira a que as pessoas possam escolher se elas vão ficar num ponto mais perigoso ou se querem ficar num local mais abrigado pelos recifes. Acho que a informação que não está chegando ao povo – porque ele já não a leva mais em consideração – precisa ser reformada e transmitida de uma maneira que chame a sua atenção. Eu acho as placas muito lindas, eu gosto muito delas mas, evidentemente, se as pessoas estão preferindo não seguir o que elas dizem, temos que apresentar essa informação de outra maneira.

A senhora achou correta a interdição da Praia de Piedade na localização onde ocorreram os ataques?

Acho que foi uma boa medida interditar esse trecho até que se reúnam o governo, as universidades e todas as instâncias que tenham a ver com esse tema e que possam dar alguma contribuição para à solução daqui para frente. Não se pode achar que a única solução seja a placa e que ela vai ficar para sempre. As coisas podem ser mais dinâmicas e, se não está funcionando, tem que mudar. Acho que interditar é importante porque as pessoas devem ser informadas e retiradas de dentro d’água porque os riscos que o Estado sofre em termos econômicos é enorme cada vez que ocorre um acidente com um tubarão. Perder uma vida é algo muito triste e não podemos perder uma vida a cada fim de semana. Tem que interditar até que se coloque em andamento uma proposta melhor porque agora o único procedimento adotado nestes últimos três anos são os alertas na costa feitos pelos bombeiros. Isso é muito bom mas nitidamente não é suficiente.

Leia a entrevista completa na edição 185.1 da Revista Algomais: assine.algomais.com

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