“Inovação não é só tecnologia. Esse mercado também abarca profissionais que não são de TI” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Inovação não é só tecnologia. Esse mercado também abarca profissionais que não são de TI”

Daniela Freire, Diretora-executiva da Câmara de Comércio Brasil-Portugal de Pernambuco assegura que profissionais de áreas que não sejam da tecnologia da informação podem ter oportunidades no mercado de inovação, em especial mulheres e pessoas com habilidades soft skills.

Que existem mais vagas para cargos na área de tecnologia da informação do que profissionais para preenchê-las não é novidade. Mas, Daniela Freire, diretora-executiva da Câmara de Comércio Brasil-Portugal de Pernambuco, assegura que o mercado de inovação começa a demandar também pessoas habilitadas em outras carreiras. Um campo que se mostra atrativo para as mulheres. Isto porque existem funções que requerem as chamadas soft skills, ou seja, habilidades comportamentais como capacidade de colaboração, empatia, comunicação, entre outras.

A trajetória de Daniela é uma evidência deste momento. Formada em jornalismo, ela se candidatou a uma vaga numa empresa de tecnologia em Portugal. De volta ao Brasil, ingressou no Porto Digital, onde participou de projetos internacionais, como o Incobra. Investiu em uma especialização em negócios e empreendedorismo em mercados emergentes pela Harvard Business School e hoje, aos 36 anos, atua na Câmara Brasil-Portugal onde responde, entre outras funções, pela criação do plano estratégico de inovação e internacionalização do Estado do Rio Grande do Norte. Nesta conversa com Cláudia Santos, ela analisa as novas oportunidades do mercado de inovação e fornece dicas para quem quer atuar nele.

Como você começou a atuar no mercado de inovação?

Meu primeiro contato com a área de inovação foi quando tive a oportunidade de estagiar no Jornal do Commercio, cobrindo o setor de tecnologia. Nossa maior fonte era o Porto Digital, que é uma verdadeira escola. Depois disso, apliquei para uma vaga em Portugal na área de marketing digital, em uma empresa portuguesa que ficava incubada dentro do Instituto de Tecnologia Pedro Nunes (IPN). Atuei por três meses na área de marketing digital, mas não era o que eu mais gostava, então migrei para a área de negócios e fiquei como um ponto de contato da empresa em Portugal, que na época investia na abertura de mercado no Brasil. Alguns meses depois, o IPN me convidou para fazer o mesmo trabalho para outras startups incubadas. Elas sabiam muito do core do negócio delas, mas vender, fazer essa aproximação com os players de outros mercados, principalmente os latinos, não era exatamente a expertise dessas empresas.

Quando retornei ao Brasil, em 2017, participei, no Porto Digital, do INCOBRA, que é um programa de cooperação internacional da União Europeia que tem como objetivo aproximar o ecossistema brasileiro do europeu no campo da pesquisa e desenvolvimento (PDI). Há fundos europeus com muitos recursos para financiar pesquisas nas áreas de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) em países como o Brasil, mas os pesquisadores das universidades, dos centros tecnológicos, não se interessavam muito, seja porque desconheciam o que era efetivamente o programa, seja porque não sabiam lidar com a burocracia envolvida em todo o processo. Nem todo mundo está habilitado para acessar fundos ou programas internacionais e abraçar as oportunidades que eles podem gerar para empreendedores ou ecossistemas de países em desenvolvimento, como o Brasil. Muitas empresas daqui do Nordeste precisam de gente com experiência, da área de negócios, para acessar outros mercados, crescer, e até promover sua internacionalização.

Logo em seguida, assumi alguns programas do Sebrae, fomentando ecossistemas de inovação em diversos estados brasileiros, como o Acre, por exemplo. E, em 2019, fui para a Câmara de Comércio, Indústria e Turismo Brasil-Portugal, onde atuo até hoje. Em meio à pandemia, posicionamos a entidade nacionalmente como um núcleo de fomento à inovação e passamos a trabalhar de uma maneira mais articulada, seja em parceria com outras câmaras portuguesas, seja atendendo clientes que querem entrar no mercado europeu, tendo Portugal como porta de entrada para o continente. Hoje temos parcerias com os principais ecossistemas de inovação europeus e brasileiros, viramos referência em projetos de cooperação internacional. É um trabalho que me dá extrema satisfação porque conhecemos o potencial das empresas do Nordeste e a grandeza do ecossistema de inovação que temos em estados como Pernambuco ou o Rio Grande do Norte, por exemplo, onde também estou desenvolvendo projetos na área de tecnologia em conjunto com o governo estadual e diversos outros atores do setor privado. Há muito para ser feito ainda e profissionais de áreas não técnicas, como eu, podem dar sua contribuição.

Você atua na área de inovação, mas não é uma profissional técnica, que faz programação etc. Esse mercado tem demanda para profissionais que não atuam na área de TI? O fato de você ser jornalista contribuiu para você desenvolver sua carreira?

Ser jornalista contribuiu muito na minha transição de carreira. O jornalista conversa, entende qual é a mensagem que uma empresa ou negócio deve passar e o caminho para chegar lá. Ajudamos a identificar as necessidades de um potencial cliente e quais as oportunidades que esses empreendimentos podem ter ao encontrar empresas com demandas ou histórias similares às suas. Hoje, meu trabalho é 90% conversar com entes públicos e privados. Conduzimos reuniões de aproximação, onde colocamos empresas, instituições e demais players que têm algum ponto de convergência e deixamos que eles discutam entre si. Identificamos os pontos de convergência e ajudamos a criar programas que podem ser rodados em conjunto.

Pela Câmara Brasil-Portugal, estou ajudando a desenhar, por exemplo, o planejamento estratégico de inovação do Estado Rio Grande do Norte, que envolve também as diretrizes para atração de investimentos internacionais do novo Parque Tecnológico e Científico Augusto Severo (PAX-RN) e do Parque Metrópole Digital. Um trabalho que está sendo feito em rede, envolvendo Sebrae, Federação das Indústrias, UFRN, Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Natal, Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado e que conta com a participação da Beta-i, que é uma gigante da área de inovação colaborativa e atua em diversos países. Acredito que a “alma do jornalista”, no meu caso, está aí: ouço, promovo relacionamentos, consigo entender qual é a necessidade do cliente e ajudo na construção de soluções inovadoras. Esse é um caminho que profissionais de diversas áreas de atuação, não somente de ciências da computação, podem seguir.

Precisamos pontuar que tecnologia é inovar, mas inovação não é apenas desenvolver soluções tecnológicas. É possível inovar de diversas formas, e é aí que os profissionais que não são de TIC podem atuar. Os empreendedores têm se preocupado bastante em entender o que é Inovação 4.0, que reconhece os dias de hoje como um momento em que se demanda mais intensamente novos processos de gestão, voltados para as necessidades práticas da sociedade. Dificilmente, num horizonte de médio prazo, veremos surgir um produto como o iPhone ou serviço muito disruptivo como o criado pela Uber. Pode acontecer? Claro, não é uma sentença. Aqui falamos de tendências, e os exemplos mostram que as empresas inovadoras estão mais voltadas a resolver problemas práticos da sociedade. “Como podemos abrir um CNPJ da forma mais prática possível ou acessar, rapidamente, todo o histórico médico de alguém que precisou ir ao hospital porque passou mal?” É desse tipo de inovação que estamos falando, voltada a simplificar o cotidiano.

Entender a dor do usuário, como costuma se falar no mercado, às vezes é mais fácil para alguém de outra área profissional, sem ideias preconcebidas ou um olhar viciado para um determinado tipo de solução. Esse é um espaço que hoje ocupo, mas em qualquer empresa de tecnologia, em qualquer ecossistema, é uma lacuna que muitas vezes não foi preenchida porque existem empresas muito boas em “hard skills”, na produção daquilo que elas sabem fazer, mas ainda muito incipientes, cruas mesmo, em se comunicar com o público não especializado. Inovação faz parte do dia a dia, vimos isso na pandemia. Quantos gerenciamentos de crise precisaram ser feitos porque a imagem que diversas empresas pregavam, que aparentavam ter, na prática, não existiam? Sabemos que muitos negócios não exercem os papéis que dizem defender, apenas constroem uma imagem que fique “bem na fita” para o mercado e a concorrência.

As empresas têm consciência dessa lacuna?

Elas sabem que precisam, mas não encontram esse profissional. Há um déficit muito grande de profissionais de TIC no mercado mundial e, um pouco antes da pandemia, países europeus e da América do Norte flexibilizaram suas leis para contratação de profissionais de outros países. Isso fez com que passassem a contratar “a rodo”, pagando em dólar ou em euro. Se um profissional ganha R$ 6 mil aqui e recebe a oferta para ganhar seu salário numa moeda valorizada, mesmo trabalhando remotamente, certamente ele vai migrar para a empresa estrangeira. Por isso, nesse momento, o olhar do mercado brasileiro está voltado para preencher as vagas de perfil técnico.

Só que, paralelamente, as empresas estão lidando com um novo momento, de precisar se posicionar nas redes sociais, cativar seu público, atender mais prontamente às demandas da sociedade. As empresas de tecnologia precisam desse profissional “não técnico” também. De maneira geral, startups ou aquelas que estão em um estágio um pouco mais avançado têm o que se chama de gestor de projeto ágil dentro de seus times. Esse profissional faz o gerenciamento das equipes que hoje são multidisciplinares e geralmente estão migrando da área de TI, mas, na minha opinião, não é o perfil mais preparado para essa função. Uma coisa é conhecer os métodos, outra completamente diferente é ter a capacidade de entender as necessidades específicas dos times, para que todos trabalhem juntos. O mercado já começou a amadurecer e a entender que esse profissional talvez não seja o de TI, precise vir de uma outra área. Muitas empresas já têm nos procurado para perguntar se a Câmara indica cursos de ecossistemas parceiros que desenvolvam soft skills, ou seja, as capacidades de liderança, de gestão, de proatividade, de comunicação. Isso porque diversas empresas de tecnologia estão tendo que investir em treinamentos internos para desenvolver estas habilidades em seus colaboradores.

Leia a entrevista completa na edição 198.1 da Algomais: assine.algomais.com

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