Ferramentas tecnológicas ampliam a eficiência de tratamentos e da gestão hospitalar, garantindo sustentabilidade econômica para clínicas e hospitais.
*Por Rafael Dantas
O uso de inteligência artificial e a inovação estão avançando nas terapias e na gestão dos diversos players do setor de saúde. Bom para o paciente, que passa a ter tratamentos mais precisos às suas necessidades, e também para a sustentabilidade econômica das empresas. Mesmo representando investimentos relevantes para o caixa dos hospitais e clínicas, a inserção de novas ferramentas tecnológicas tem conseguido reduzir os custos gerais de vários tratamentos, evitando os gastos com medicamentos, exames e procedimentos desnecessários. Muitas dessas novidades tecnológicas, inclusive desenvolvidas por empresas pernambucanas, foram apresentadas na feira Hospitalar 2025, realizada este mês em São Paulo.
Diante dos desafios econômicos enfrentados após a pandemia – como a desestabilização da cadeia de suprimentos, inflação médica, juros elevados e maior demanda por atendimento – o setor de saúde suplementar encontrou nas novas tecnologias um aliado estratégico para sua recuperação. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde, enquanto o terceiro trimestre de 2023 registrou um prejuízo operacional de R$ 5 bilhões, no mesmo período de 2024 o setor obteve lucro de R$ 4 bilhões, representando uma reversão de 180%. Esse desempenho revelou o papel decisivo da inovação na otimização de processos, redução de custos e ganho de eficiência na prestação de serviços.
Para se ter uma ideia dos desafios financeiros do setor, uma pesquisa do Observatório de Oncologia, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz e do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, revelou que o custo médio dos procedimentos para a terapia oncológica cresceu 400% em apenas quatro anos. De acordo com dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer), o SUS pode gastar o montante de R$ 7,84 bilhões em 2040, apenas com o tratamento da doença.
Uma das novidades apresentadas na Hospitalar 2025 foi o nascimento da empresa OncoAudit, que traz ao mercado uma nova plataforma com uso de IA que promete qualificar as terapias e reduzir custos. Com a capacidade de ler milhares de artigos científicos por segundo, a ferramenta permite ao médico compilar os dados mais recentes da pesquisa acadêmica para tomar as melhores decisões nos tratamentos.
“A IA consegue analisar 500 mil artigos em 5 segundos. Para escolha de um plano de tratamento para um paciente é fundamental a agilidade. Há publicações acontecendo em todo mundo. Tecnologias ligadas a incorporação de drogas e outras medicações permitem dar ao médico condições de um arsenal melhor para aquele paciente”, afirmou Fabrício Colacino, sócio-diretor da OncoAudit.

No lançamento da empresa OncoAudit, Fabrício Colacino apresentou a ferramenta que, com o uso de inteligência artificial, consegue analisar 500 mil artigos em 5 segundos e oferecer ao médico um plano de tratamento para seu paciente oncológico.
Ele explica que a ferramenta, em seus três anos de desenvolvimento, teve como princípio dar o melhor remédio para o paciente, independentemente do valor. Na aplicação, com o uso da IA, uma descoberta foi que a melhor medicação nem sempre era a mais cara. “Identificamos que não faltava dinheiro, mas organização e otimizar o recurso, tirando o desperdício”.
Na prática, ao final de um atendimento, diante do prontuário do paciente, dos protocolos utilizados pelo hospital e do compilado do conhecimento científico mais moderno, a plataforma oferece a indicação do tratamento oncologicamente baseado em evidências. Colacino relatou um case, de uma operadora de plano de saúde, com 1.300 pacientes oncológicos, que após três anos com o uso dessa ferramenta evitou o desperdício de R$ 75 milhões. “Se não fosse a plataforma, seria um dinheiro gasto, com remédio de alto custo, que iria para a veia do paciente, sem dar qualidade de vida ou sobrevida maior”. Além da redução de custos diretos, ele relata que com a adoção da tecnologia baseada em evidências não houve nenhuma judicialização.
Outra novidade apresentada pela empresa durante a feira Hospitalar foi a nova plataforma de inteligência artificial da MV Saúde Digital, que tem sede no Recife. A tecnologia, batizada de MaVi, é uma solução que já vinha sendo testada em alguns clientes e agora chega ao mercado com promessas ambiciosas. Além de apoiar decisões clínicas e administrativas, a ferramenta tem potencial também de reduzir significativamente os custos no setor.
Jeferson Sadocci, diretor Corporativo de Mercado e Cliente, destaca que a MaVi atua de forma transversal nas instituições de saúde, sendo capaz de interagir com diferentes áreas, como a assistencial, o faturamento e o financeiro. Um dos exemplos citados foi o uso da IA para transcrever automaticamente consultas médicas e sugerir condutas clínicas com base em protocolos. “Ela expurga os dados irrelevantes e estrutura as informações no prontuário, otimizando o tempo do profissional e evitando retrabalho”.

Jeferson Sadocci afirma que a MaVi é uma plataforma de IA que apoia decisões clínicas e administrativas, e que, ao transcrever consultas e preencher prontuários, permite ao médico ter mais tempo para escutar o paciente.
A transcrição das consultas, com o preenchimento do prontuário pela ferramenta, tem sido destacada por profissionais do setor como um suporte à maior humanização do atendimento. Isso porque, como o médico não perde tempo digitando os dados dos pacientes ou as prescrições de exames e medicamentos, ele pode “olhar no olho” da pessoa atendida e ouvi-la com mais atenção.
Além da assistência, a plataforma também pode ser usada por gestores para identificar gargalos no faturamento e analisar o fluxo de caixa, oferecendo uma visão estratégica que contribui para uma gestão mais eficiente. “Nosso objetivo não é apenas controlar custos mas eliminar desperdícios que, hoje, são o verdadeiro desafio da saúde”, disse o executivo.
Segundo o estudo Casos Públicos de Uso de Inteligência Artificial no Setor de Saúde, publicado pela PwC Brasil, 58% dos executivos relatam que a IA generativa resultou em ganhos de eficiência no uso do tempo dos funcionários. Além disso, 34% dos CEOs do setor no País identificaram aumento na receita e 31% na lucratividade.
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO PARA O SUPORTE AOS HOSPITAIS E CLÍNICAS
Com o crescimento do uso de tecnologia nos hospitais, aumentou também a necessidade da gestão dos equipamentos que dão suporte aos tratamentos e exames. Um segmento que foi ocupado pela também pernambucana TECSAÚDE. Com serviços de engenharia clínica terceirizada, a empresa ajuda hospitais e clínicas a evitar desperdícios, reduzir falhas técnicas e melhorar a eficiência na gestão de equipamentos médico-hospitalares.
A terceirização da engenharia clínica elimina gastos ocultos com manutenção corretiva e amplia o tempo de vida útil dos aparelhos. “Com manutenções preventivas programadas, o hospital evita paradas inesperadas e consegue planejar o uso do parque tecnológico com mais segurança e previsibilidade”, afirma Anne Stegmann D'Antona, gerente de Inteligência de Mercado da TECSAÚDE. Além disso, a empresa oferece sistemas de monitoramento, indicadores de desempenho e suporte técnico constante, o que reduz a necessidade de compras emergenciais ou reposições prematuras.

Anne D'Antona e Rodrigo Lopes apresentaram o serviço de terceirização da engenharia clínica – que elimina gastos com manutenção corretiva e amplia a vida útil dos aparelhos – e de locação de equipamentos, que garante acesso à tecnologia de ponta sem o custo da aquisição.
Para se ter ideia de como esses serviços especializados contribuem para a sustentabilidade econômica do setor, Rodrigo Lopes, gerente regional de operação da empresa, conta um case que ilustra bem a diferença de custos. “Em um hospital do Recife, por exemplo, quebrou uma peça de ressonância magnética. O conserto seria R$ 600 mil, com o fabricante. Era bem pesado. Com a equipe interna, reduzimos o custo para R$ 2 mil”.
Outras frentes de inovação nesse segmento que proporcionam economias são o avanço da robótica, que tem assumido muitos serviços nos hospitais, e a locação de equipamentos, uma alternativa que tem ganhado força para quem deseja acessar uma tecnologia de ponta sem o custo da aquisição. “Com a locação, o cliente tem acesso ao equipamento já calibrado, com manutenção incluída e garantia de reposição. Isso permite que ele invista mais em assistência e menos em ativos fixos. Além disso, a engenharia clínica deverá abraçar a robótica operacional, fazendo a manutenção preventiva, trocando as baterias dos robôs, etc. Hoje esses robôs fazem a limpeza, as entregas da farmácia, trabalham 24h por dia e não tem férias”, destaca Anne.
A empresa pernambucana atende cerca de 300 unidades em 21 estados e no Distrito Federal, e está em plena expansão para o Sudeste, com expectativa de crescer 30% até o fim de 2025. O avanço no uso de IA nas suas operações é um dos investimentos em curso da corporação.

FABRICAÇÃO NACIONAL PARA BENEFICIAR OS PACIENTES
Uma empresa pernambucana que levou sua expertise em produtos ortopédicos de alta tecnologia para a Feira Hospitalar foi a Ortho Pauher, sediada no bairro de Afogados, no Recife. Reconhecida no Brasil e no exterior, a marca nasceu com o propósito de oferecer palmilhas confortáveis ao mercado nacional. Com o tempo, ampliou seu portfólio para mais de 1.400 itens, incluindo órteses, cosméticos, calçados especiais e próteses, e passou a exportar para mais de 60 países, como Estados Unidos, Japão e diversas nações da América Latina.
Um dos grandes diferenciais da Ortho Pauher é a capacidade de fabricar no Brasil produtos que antes eram importados a preços elevados. “Nossa tecnologia em vários desses produtos está chegando próximo da Alemanha, mas o nosso preço é 10 vezes menor”, afirmou Georges Tassoulas, gerente de comércio exterior da empresa. Isso tem permitido ampliar o acesso a tratamentos ortopédicos antes restritos a uma pequena parcela da população, beneficiando clínicas, farmácias e consumidores finais.
Diante do desafio crescente de atender a um mercado com cerca de 20 milhões de pessoas com diabetes no Brasil, por exemplo, a marca desenvolveu uma linha especial para esse público, composta por calçados anatômicos, hidratantes, desodorantes e meias com algodão. Com preços acessíveis e em sintonia com a maior preocupação da população com a saúde no pós-Covid, a Ortho Pauher registra também uma ampliação do seu público consumidor. “A pandemia fez as pessoas olharem mais para a saúde, e nosso setor cresceu junto com essa preocupação”, concluiu Tassoulas.
TRADIÇÃO E TECNOLOGIA
Um dos gigantes do Estado que não para de investir em tecnologia é o tradicional RHP – Real Hospital Português. A instituição tem apostado fortemente na transformação digital. Entre as inovações destacadas está a implantação de sistemas de inteligência artificial que otimizam processos internos, melhoram a interação médico-paciente e possibilitam uma assistência mais centrada no indivíduo. O lançamento do aplicativo Minha Saúde RHP, previsto para este ano, consolida esse movimento ao concentrar funcionalidades como agendamento, acesso a exames, pagamentos e solicitação de serviços em um só lugar.
Além de aprimorar a qualidade assistencial, a digitalização tem sido uma aliada na busca por maior eficiência econômica e sustentabilidade. Uma das metas do hospital, por exemplo, é a drástica redução do consumo de papel. O CIO (Chief Information Officer) do hospital, Shenandoan Daur, afirmou que o RHP é hoje um dos maiores consumidores do insumo em Pernambuco. A adoção de registros eletrônicos e a digitalização de dados não apenas diminuem custos operacionais, como também contribuem para metas ambientais da empresa.

Shenandoan Daur afirmou que o Hospital Português implantou sistemas de IA que otimizam processos internos, melhoram a interação médico-paciente e possibilitam uma assistência mais centrada no indivíduo e que a digitalização reduziu o consumo de papel
A instituição também tem investido em infraestrutura tecnológica, como uma nova rede Wi-Fi e reconhecimento facial, para garantir conectividade fluida e segurança da informação, pilares para uma gestão mais moderna e baseada em dados. “Trazer soluções tecnológicas inteligentes e sustentáveis permite que a jornada seja muito mais focada naquilo que de fato é o nosso objetivo, que é trazer o melhor desempenho clínico", afirmou Shenandoan Daur.
O uso de inteligência artificial na saúde ainda apresenta desigualdade significativa entre os setores público e privado no Brasil, evidenciando disparidades estruturais no acesso à inovação. De acordo com a pesquisa TIC Saúde 2024, 20% dos médicos em instituições privadas já incorporaram a IA à sua rotina profissional, enquanto esse percentual é de apenas 14% na rede pública. Apesar dessa defasagem, o avanço tecnológico também vem ganhando espaço no setor público e em entidades filantrópicas. Durante a Hospitalar 2025, foram destacados exemplos de São Paulo, como os da Santa Marcelina Saúde, da Santa Casa de Francisco Morato e do Hospital Geral do Grajaú – o primeiro hospital público estadual da América Latina a receber a distinção de unidade digital.
No setor público, o Ministério da Saúde anunciou planos para integrar a inteligência artificial ao SUS, com a meta de reduzir significativamente as longas filas de espera por atendimento. Além de agilizar o acesso aos serviços, a tecnologia também pode contribuir para detecção e prevenção de fraudes no sistema.
O desafio, nesses casos, é conciliar eficiência tecnológica com maior acesso aos serviços. Uma pesquisa das organizações Vital Strategies e Umane, com apoio técnico da Universidade Federal de Pelotas, revelou que 62% dos brasileiros que necessitaram de atendimento na Atenção Primária à Saúde no último ano não chegaram a procurar ajuda médica, muitas vezes por medo da superlotação, da demora no atendimento ou da burocracia. Outros 40% tentaram, mas não conseguiram ser atendidos – esbarrando em filas longas, indisponibilidade de profissionais ou falta de recursos básicos.
As experiências demonstram que a inovação tecnológica no setor de saúde vai além do encantamento com o futuro: ela se traduz em ganhos concretos para pacientes e instituições. Com o uso inteligente de dados, novos serviços especializados e produção nacional acessível, essas soluções ajudam a reduzir desperdícios e ampliar o acesso a tratamentos de qualidade. Em um setor pressionado por custos crescentes, investir em tecnologia deixou de ser um luxo – é uma necessidade estratégica para garantir sustentabilidade econômica e qualidade no cuidado.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)
*O repórter viajou para a Hospitalar 2025 a convite da MV.