Jáson Torres, que é gerente geral de Territórios Estratégicos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação da Prefeitura da Cidade do Recife e associado especializado em mobilidade urbana da Centro de Atitudes, respondeu a três perguntas do repórter Rafael Dantas sobre as cidades no contexto pós-pandemia. Ele trata sobre as tendências da mobilidade urbana e, especialmente, do lugar das bicicletas no “novo normal”.
A transformação das cidades foi o tema da capa desta semana da Revista Algomais, em matéria assinada por Rafael Dantas, que ouviu especialistas e gestores públicos sobre as tendências urbanas no cenário Pós-Pandemia.
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.Há uma expectativa da continuidade desse recente aumento do home office após o isolamento. A provável redução de veículos é uma oportunidade para preparar as cidades com mais infraestrutura para ciclovias e pedestres?
Já tem algum tempo, várias cidades do mundo vêm criando mais espaços para pedestres e ciclistas como forma de oportunizar meios alternativos ao carro particular e ao transporte público para os cidadãos e visitantes. Ocorre que, a grande maioria das metrópoles do mundo passou, ou vem passando, por mudanças substanciais desde o início da pandemia. No Recife não está sendo diferente. O chamado “novo normal” não é uma moda criada por uma agência de publicidade, mas sim uma realidade já vigente no mundo inteiro. Cada cidade está tendo que conviver com o seu novo normal, visto que a normalidade existente antes da pandemia não poderá ser restabelecida, muito em função da necessidade dos novos protocolos sanitários. O tele trabalho, ou home office, tornou-se, nas pressas, o formato adotado por grande parte das empresas e profissionais cujas atividades podem ser desempenhadas dentro de quatro paredes. O fato de tudo ter acontecido nas pressas não permitiu o planejamento adequado para que todos se estruturassem da maneira ideal, mas, por outro lado, mostrou que é possível, sim, viabilizar o tele trabalho e todos continuarem produzindo remotamente. No rastro de tantas mudanças ocorridas, onde residir, onde trabalhar e como se deslocar também precisam ser repensados. Todos nós temos visto, nos últimos meses, a enorme redução da poluição atmosférica dos grandes centros urbanos, assim como o quanto as emissões dos automóveis movidos a combustão contribuem para fragilizar a saúde das pessoas e suscetibilizar seus sistemas respiratórios. Não é mais concebível o incentivo a modos de transporte que não tenham como premissas a “coletividade” e a “saúde”, sendo, portanto, necessário inverter a prioridade do uso das vias urbanas, hoje voltadas para atender às demandas dos modos poluidores, para serem abertas aos modos ativos e coletivos. Sendo assim, nunca houve um cenário tão favorável para a experimentação como agora. Essa experimentação vai desde desoportunizar o uso dos modos poluidores, como também oportunizar infraestrutura para modos ativos e coletivos.
O transporte público tem sido apontado como uma dos pontos de grande risco de infecção de coronavírus. Você tem informação de como tem sido o incentivo ao uso de bicicletas na mobilidade dos países que já estão em um estágio mais avançado de enfrentamento da pandemia?
A questão do transporte público estar recebendo esse título de possível vilão precisa ser revista, visto que é o principal meio de transporte de grande parte da população e, como tal, precisa se adequar rapidamente à nova realidade de segurança sanitária. Afinal, quem mora distante de onde trabalha ou estuda precisa dispor desse modo para seus deslocamentos. Quero crer que os órgãos responsáveis por sua gestão estejam fazendo seus esforços para implantar as melhores práticas, de forma a reduzir significativamente os riscos de contágio da COVID-19. Apontar os possíveis riscos ao transporte público enquanto se incentiva a bicicleta poderia sugerir que a bicicleta seria um substituta ao ônibus, o que seria injusto e até imprudente. A bicicleta se apresenta sempre como uma alternativa a todos os modos de transporte para quem tem habilidade na sua condução e disposição a usá-la, bem como é recomendada para trajetos de até 10 quilômetros, ou a distância que seja mais confortável para quem a utiliza. Para tanto, é imperativo que haja infraestrutura adequada e segura para os ciclistas. O principal fato que tem motivado cidades do mundo a incentivarem o uso da bicicleta está mais relacionado à questão da saúde e do meio ambiente. O portal interativo com dados abertos, na Internet, “Pedestrian and Bike Information Center” é uma iniciativa bastante rica e aponta centenas de ações, que incluem: infraestruturas cicloviárias móveis e fixas em vias de grande fluxo; amento da malha cicloviária fixas; gratuidade de uso de bicicletas compartilhadas para parte da população; abertura de ruas para ciclistas e pedestres; dentre outros.
No “novo normal” seria recomendado às cidades investirem mais em mobilidade ativa (bikes e deslocamentos a pé)? Que tendências de adaptações do espaço urbano poderíamos pensar?
O incentivo à mobilidade ativa vem norteando a grande maioria das gestões de metrópoles inovadoras, no mundo, conforme podemos ver nas ações do portal na Internet “Pedestrian and Bike Information Center”. O que mais tem ocorrido é a implantação das chamadas Pop-up Bike Lanes, que poderíamos traduzir como “ciclofaixas que surgem”, consistindo em ciclofaixas montadas, a princípio com cones, segregadores móveis ou apenas pintura, em vias que sejam atraentes para motivarem pessoas que não têm hábito de usar a bicicleta a passarem a usá-la, além de melhorar os deslocamentos dos ciclistas regulares. Essas ciclofaixas têm o propósito de criar um ambiente de experimentação, com forte possibilidade de se tornarem infraestruturas fixas e definitivas. O Recife também está planejando a rápida expansão da malha cicloviária, parte dela no formato Pop-up.
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