Jerusalém, Pernambuco

Há cidades preferidas pela beleza, ou pela suntuosidade, ou pelo progresso ou pela fé… Jerusalém, por exemplo, é a mais amada do mundo, por legiões de pessoas de nacionalidades e crenças as mais diversas. Não existe outra, avalia-se, de maior importância para a paz mundial. Basta dizer que o Muro das Lamentações é o segundo local mais sagrado do judaísmo, superado apenas pelo Santo dos Santos, no Monte do Templo.
Parece claro, pois, que mais do que um ponto no mapa, Jerusalém ─ situada nas montanhas da Judeia entre o Mediterrâneo e o Mar Morto ─ é, acima de tudo, única entre as cidades mundiais, tanto em relação à sua história como ao seu impacto presente e futuro no planeta.
Fundada 3.000 anos antes de Cristo, é tida como sagrada pelo judaísmo, pelo cristianismo e pelo islamismo.
Nada a ver com a Jerusalém pernambucana, a Nova Jerusalém, você já deve, com razão, estar raciocinando. Afinal, esta não se situa na Ásia, mas em Brejo da Madre de Deus, Pernambuco. Ou mais exatamente no distrito de Fazenda Nova, onde, todos os anos, se encena o megaespetáculo da Paixão de Cristo.
Sim, você aquiesce, mas continua com a dúvida: qual a razão de juntar Jerusalém, Nova Jerusalém, Fazenda Nova e Brejo da Madre de Deus, se a grande atração do teatro pernambucano é a crucificação de Cristo e em dezembro estamos comemorando o nascimento dele?
Ora, acontece que segundo a religião morrer é renascer, e é lá, em Nova Jerusalém, que a Paixão de Cristo, o maior espetáculo ao ar livre do mundo, lembra o milagre da ressurreição. A propósito, a importância de encenação tão edificante para a dramaturgia pernambucana se deve a um gaúcho que se fez pernambucano, e é dele que se vai falar. Seu nome, Plínio Pacheco. Em 1956 ele chegou, viu, amou e aqui fincou raízes.
Nascido em Santa Maria, Rio Grande do Sul, chegou à Fazenda Nova convidado pelo então diretor e ator Luiz Mendonça, o intérprete de Jesus na peça da Paixão de Cristo. Era representada nas ruas da pequena vila, com a participação de familiares e amigos dos Mendonça, de camponeses, de pequenos comerciantes locais e também de alguns atores e técnicos que atuavam nos teatros do Recife. As coisas ainda eram muito amadoras, como se conclui, no entanto, com o passar dos anos as encenações começaram a atrair atores e técnicos de teatro do Recife, levando a Paixão a ganhar fama e notoriedade.
A ideia, ressalve-se, não era original. Inspirava-se nas encenações do Drama do Calvário, que se realizavam nas ruas da vila de Fazenda Nova, entre 1951 e 1962. A iniciativa fora do patriarca da família Mendonça, o empresário e líder político Epaminondas Mendonça, após ter lido que os habitantes de uma cidade da Baviera alemã, encenavam a Paixão de Cristo. Passou então a realizar um evento semelhante durante a Semana Santa, buscando atrair turistas e, assim, desenvolver o comércio local. Conquistou muito mais.
Volte-se a Plínio Pacheco, o homem que vai mudar tudo isso. O gaúcho logo se envolveu com o assunto e, por força dos planos para dar grandiosidade à encenação, foi envolvido pela beleza de Diva Mendonça, filha do criador do espetáculo nas ruas da vila. A Paixão de Cristo fizera explodir em ambos a paixão irresistível. Veio o casamento e com ele a eterna busca de ser feliz para sempre. Àquela altura, os pampas já não eram o lugar dos sonhos do gaúcho. A aridez do Nordeste lhe mitigava a sede de amor.
Lado a lado com sua doce realidade, porém, permanecia um sonho feito de pedra. Plínio Pacheco decidira construir uma réplica de Jerusalém – a asiática – em pleno coração do Agreste pernambucano. O lugar, analisara, como a antiga Judeia tinha muitas rochas, vegetação rala, clima semiárido e o espaço de terra escolhido para se levantar a cidade-teatro estava localizado em meio a montanhas.
O sonho começou a se fazer realidade em 1963, quando os primeiros cenários começaram a ser erguidos em um espaço de 100 mil metros quadrados, o equivalente a um terço da área murada da Jerusalém da época de Jesus. Só veio a se concretizar, todavia, em 1968, quando foi realizado o primeiro espetáculo na cidade-teatro de Nova Jerusalém.
Desde então, já são quase 50 anos de apresentações ininterruptas dentro das muralhas, atraindo espectadores não só do Brasil, mas de todo o mundo. O maior teatro ao ar livre da face da Terra é cercado por uma muralha de pedras de 4 metros de altura, com 70 torres de 7 metros cada uma. No interior, lagos artificiais e nove palcos-plateias reproduzem cenários naturais, arruados e palácios, além do Templo de Jerusalém, constituindo obras monumentais, concebidas por vários arquitetos e cenógrafos nordestinos e principalmente pela genialidade de Plínio Pacheco, que anteviu tudo aquilo. E que não só idealizara como construíra a obra em pedra e concreto.
Mas sua grandeza não está só na pedra e no concreto. Está igualmente nas palavras: “A vida colocou-me diante da pedra e da figura de granito que é o homem nordestino. Aquele era meu povo, cantando num cenário de sol. Criar a cidade-teatro. Uma cidade de sete portas e 70 torres. Unir fragmentos dispersos da personalidade humana, transformar homens mutilados em seres humanos completos. A força maior levando aos quadrantes da Terra a notícia desta epopeia em granito. A construção da Nova Jerusalém. Erguida com 80% de recursos próprios, é uma sociedade privada, sem fins lucrativos. É claro que reconheço e todos sabem que tenho como princípio que ninguém constrói nada sozinho. Diante disto, tenho a obrigação moral de tornar pública a gratidão da Nova Jerusalém e da Sociedade Teatral de Fazenda Nova (STFN) a todos que aqui colocaram pedras, reais ou simbólicas. Mas nós devemos ter a humildade e reconhecer que essas pedras pertencem ao patrimônio cultural e artístico do País. Nova Jerusalém é patrimônio do povo. E cidadão nenhum tem o direito de reivindicar gratidão do seu País, porque é obrigação, particular e pública, de cada cidadão ampliar e multiplicar o patrimônio que recebeu dos seus antepassados”.
Nascido no Rio Grande do Sul em 30 de outubro de 1926 e chegado a Pernambuco em 1956, Plínio Pacheco aqui ficou. Para todo o sempre, estará em Brejo da Madre de Deus, onde morreu no dia 22 de agosto de 2002.

*Por Marcelo Alcoforado

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