Com a popularização desse oceano de notícias que é a internet não faltaram profetas do apocalipse da comunicação assegurando que o jornalismo estava com os dias contados. Afinal, agora, todo usuário da web passou a ser também um produtor de informação. Mas, o tempo e a Covid-19 mostraram que a essência do fazer jornalístico continua imprescindível.
“Esse tipo de informação, verificada, de qualidade e contextualizada, vai ser sempre essencial, seja em que formato for”, garante Lívia de Souza Vieira, professora da Faculdade de Comunicação da UFBA (Universidade Federal da Bahia). “Em momentos de incerteza, os cidadãos procuram informações confiáveis e, no caso da pandemia, isso é mesmo uma questão de vida ou morte”, endossa a acadêmica que é doutora em Jornalismo pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e editora da newsletter Farol Jornalismo, que aborda pesquisas e tendências do setor.
Neste momento em que a Algomais completa 15 anos, Cláudia Santos conversou com a especialista sobre as perspectivas do jornalismo, a viabilidade dos modelos de negócios para o setor e o uso das novas tecnologias.
Durante a pandemia, houve um aumento da procura por informação jornalística e de assinantes. A senhora acredita que esse cenário positivo deve se manter? Como o jornalismo pode se destacar no imenso mar de informações da internet?
Sim, houve um aumento da procura por jornalismo, ou seja, por informação confiável, durante a pandemia. Canais de TV, sites jornalísticos, bateram recordes de audiência em diversos países do mundo, inclusive aqui no Brasil. E não só de audiência, mas houve também um aumento do número de assinantes: o New York Times, por exemplo, ganhou 600 mil novos assinantes nos três primeiros meses de 2020. Isso compensou, em parte, a queda das receitas vindas da publicidade durante esse período.
Esse cenário positivo mostra que o jornalismo é essencial em situações de caos como a que a gente está vivendo. Em momentos de incerteza, os cidadãos procuram informações confiavéis e, no caso da pandemia, isso é mesmo uma questão de vida ou morte. Eu acredito que a audiência pode até diminuir ou estagnar depois que a pandemia terminar (e reter essa audiência é um grande desafio para os veículos), mas como o jornalismo correspondeu muito bem a essa procura, pavimentou-se um bom caminho em direção ao aumento da credibilidade e da confiança, que são tão importantes nesses tempos de desinformação. O jornalismo pode se destacar não só produzindo informação de qualidade mas, também, criando estratégias de circulação dessas informações para que elas atinjam o maior número de pessoas.
É importante não só a diversidade de pautas e assuntos mas, também, de profissionais e de fontes. Um veículo com profissionais negros, LGBTs, com necessidades especiais, vai também ser mais sensível a essas pautas.
A diversidade tornou-se um tema imprescindível na pauta jornalística?
Sim, não só diversidade de pautas e assuntos mas, também, diversidade de profissionais e de fontes. E uma coisa está relacionada à outra. Um veículo com profissionais negros, LGBTs, com necessidades especiais, vai também ser mais sensível a essas pautas e seus repórteres vão procurar especialistas que também representem essa diversidade.
É um círculo virtuoso. O jornalismo nas periferias, por exemplo, tem crescido muito no vácuo que os grandes veículos deixaram ao longo dos anos por ignorarem ou estereotiparem essas comunidades.
Qual o futuro do jornalismo local e como a senhora analisa a existência dos chamados “desertos de notícias”, lugares onde não há informação jornalística local disponível para as pessoas que vivem neles?
A questão dos “desertos de notícias” impacta o jornalismo local e até a maneira de consumir informação no futuro, pois ela depende muito das condições de acesso. A qualidade da conexão de internet e a própria existência dela são fundamentais para como as pessoas vão se informar no futuro. No Brasil, cerca de 70% das pessoas têm acesso à internet, então ainda existem cerca de 47 milhões de brasileiros sem internet. Esse é um dado importante.
Há ainda muitos “desertos de notícias” no Brasil, ou seja, municípios sem cobertura jornalística local. O último levantamento do Atlas da Notícia mostrou que os “desertos de notícias”, quando somados aos “quase desertos”, ainda atingem 29,6% da população brasileira. O que eu acho que vai sempre existir é a necessidade de fornecer ao cidadão informações que vão ajudar nas decisões do seu dia a dia, na sua vida em comunidade e na maneira como ele age em sociedade. Esse tipo de informação, verificada, de qualidade e contextualizada, vai ser sempre essencial, seja em que formato for.
Analistas têm apontado que as pessoas estão demandando um jornalismo mais propositivo. O que a senhora acha dessa análise?
O jornalismo de soluções, ou propositivo, tem ganhado força não por passar uma visão positiva dos fatos, mas por não encerrar a apuração no fato em si, na tragédia. A ideia é contextualizar, de maneira a apresentar ao leitor as soluções possíveis para determinado problema. Pesquisas têm mostrado que as pessoas estão cada vez mais evitando as notícias (news avoidance), porque elas as deixam tristes, ansiosas e mal-humoradas. Estamos vendo isso acontecer nesta pandemia. Então, o que o jornalismo de soluções procura fazer é apresentar caminhos possíveis, não de maneira romântica ou ilusória, mas de modo a contextualizar os diferentes cenários, comparar com outros, para trazer uma visão mais holística do problema relatado.
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