Laércio Queiroz: "Pernambuco Está Calado Em Relação à Transnordestina. Isso é Uma Tristeza" - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Laércio Queiroz: "Pernambuco está calado em relação à Transnordestina. Isso é uma tristeza"

Economista e ex-prefeito de Bonito, o consultor Laércio Queiroz, tem sido uma das vozes mais contundentes em favor da conclusão do trecho Salgueiro-Suape da Transnordestina. Nesta entrevista concedida a Cláudia Santos e Rafael Dantas, ele exorta o Governo de Pernambuco, políticos e empresários locais a agirem estrategicamente em defesa da conexão da ferrovia ao porto pernambucano. Insatisfeito com a falta de articulação e mobilização, ele alerta que a classe empresarial e o governo cearense souberam se unir para levar a linha ferroviária até o Porto de Pecém, que começa a entrar em operação em 2026.

Mais ainda: já obtiveram recursos para a instalação de um porto seco na cidade de Quixeramobim. Porto seco é um terminal de cargas, situado em terra firme, distante do litoral, mas que realiza funções similares às de um porto marítimo, como armazenamento, movimentação e despacho de mercadorias. Enquanto os cearenses já contam com a ferrovia em funcionamento no ano que vem, a conclusão do trecho até Suape, porém, está prevista para 2030. “A moeda do Ceará é tempo”, resume Laércio Queiroz, num tom inconformado. 

Transnordestina

Qual é o grande avanço do projeto da Transnordestina em Pernambuco em 2025?

Antes de responder a essa pergunta, temos que retroceder um pouco no tempo. A Transnordestina é um projeto de mais de 13 anos que foi interrompido. Ele sai de Eliseu Martins no Piauí, passa pelo Araripe, por Salgueiro, vem para o Porto de Suape e sobe para o Porto de Pecém, no Ceará. É um projeto de grande importância para o desenvolvimento de Pernambuco. Foi uma ideia muito boa do Governo Lula e terminou emperrada. Em 2022, o Governo Bolsonaro, atendendo à solicitação da empresa concessionária TLSA, retirou o eixo de Salgueiro a Suape. Não só o extinguiu, como também pegou todos os recursos e colocou no eixo de Salgueiro para Pecém. 

Quando o trecho Salgueiro-Suape foi retirado, em 2022, não houve uma só reclamação, uma só voz que defendesse Pernambuco. A classe política e os empresários ficaram calados. Dizem que, à época, foi aceito que, em troca desse trecho, haveria o Arco Metropolitano e a Escola de Sargentos. Não saiu nada até agora. Ainda hoje, 2025, não se vê nenhum envolvimento político claro, direto, objetivo que consiga, para Pernambuco, o recurso necessário para construir o trecho de Salgueiro a Suape. 

Quando foi projetada, a Transnordestina contava com duas bitolas, uma com trilho de 1m e outra, com trilho 1,60 m. Isso possibilitaria transportar vagões de diferentes níveis, um com mais carga, outro com menos carga. Ou seja, a bitola dupla processa um maior transportamento de cargas. A TLSA, nessa época, já havia feito o trecho de Salgueiro a Custódia com uma bitola só. Recentemente o Governo Federal liberou cerca de R$ 400 milhões para se fazer 73 km deste trecho, ligando Custódia a Arcoverde, usando a bitola larga. 

Essa bitola foi muito contestada por um grupo especialistas ligados ao CREA, mostrando que isso iria prejudicar Suape economicamente, porque o nível de cargas, ao invés de vir para Suape, iria para Pecém. Ou seja, recebeu-se um recurso para construir uma obra que vai ser destruída. Mais de 100 km já foram feitos até Custódia que deveriam ser desmanchados porque, na realidade, não vão funcionar para atender àquilo que representa economicamente, operacionalmente, em transporte de carga, o Porto de Suape. 

Outra coisa: Se for feita apenas a ferrovia, o trem passa direto. É preciso haver, ao longo dessa ferrovia, terminais de carga, plataforma multimodal de recepção de carga, portos secos. Isso é fundamental porque, a cada porto seco, consegue-se fazer todo procedimento oficial de notificação e documentação, ou seja, toda a burocracia para levar essa mercadoria a ponto de embarque. Então é um facilitador. 

Onde seriam localizados esses portos secos?

Um deles em Salgueiro, onde a Transnordestina teria sua maior plataforma e ela seria muito importante para Petrobras, em razão da Refinaria Abreu e Lima. Salgueiro seria um ponto de distribuição de derivados de petróleo e gás, pois está a cerca de 600 km de cada capital do Nordeste, menos São Luís, que é um pouco mais distante. Seria um negócio fantástico para Salgueiro e para todo o Sertão de Pernambuco. A ferrovia transportaria, inclusive, gesso do Vale do Araripe, e tendo a extensão até Petrolina – trecho que não está programado – poderia transportar as frutas do São Francisco. 

Refinaria Abreu Lima

Entretanto, em 2022, quando foi retirado o trecho até Suape, entrou-se numa situação de muita dificuldade para Pernambuco. Em 2023, com a chegada do presidente Lula e o novo PAC, houve a retomada da Transnordestina. Mas observe o tempo: em 2022 e 2023 já começaram a colocar os recursos na mão da TLSA, via Governo Federal, para complementar a Transnordestina e oferecer as condições de operacionalidade. Enquanto Pernambuco ainda estava discutindo a mudança do projeto, o alinhamento do trecho para saber se estavam corretas questões como licenças ambientais – principalmente de Belém de Maria a Suape –, no Ceará, já resolveram tudo isso. O governo cearense está à frente discutindo, provocando, reivindicando, articulando com pessoas, empresas e entidades governamentais. 

O Ceará hoje tem cerca de R$ 5 bilhões liberados e investidos e quase 100% da obra já concluída. Espera-se que, até o final de 2025, Pecém já esteja completamente construído e operando no início de 2026. Essa obra estava programada para 2030 e o Ceará conseguiu reduzir o tempo em quatro anos porque foi montada uma estratégia de governo, entendendo a importância dela para o estado. Enquanto isso, Pernambuco está calado em relação à Transnordestina. Isso é uma tristeza! Com esse processo, a moeda do Ceará, hoje, para nós, é tempo. Quanto mais tempo demorar Pernambuco, mais se consolida operacionalmente a Transnordestina ligando de Eliseu Martins até Pecém. 

O Ceará está brigando por quatro portos secos, um em Quixeramobim, e já recebeu autorização de mais R$ 1 bilhão para implementar. Já houve a doação do terreno por parte do município. Quando se implanta um porto seco, cria-se motivação para novas empresas se instalarem, aumenta a oferta de emprego, há mais qualificação profissional, mais salários pagos. Isso vai aumentar a capacidade de compra da região de Quixeramobim. Eles incluíram também – veja que interessante – a implantação de um porto seco em Trindade, que fica em Pernambuco. Por quê? Porque vão transportar gipsita do Vale do Araripe por Pecém. Lembrando que eles têm bitola dupla. E o governo e os políticos de Pernambuco fazem ouvido de mercador dessa situação. 

O que seria necessário para sair desse impasse? 

Dinheiro, garantir recursos, porque Pernambuco já perdeu para o Ceará. O problema agora é reduzir o tempo de perda. A expectativa é de a ferrovia estar pronta, em Pernambuco, em 2030. Isso, se tudo correr bem e o presidente da República garantir os recursos para conclusão da obra. Se entrar outro presidente que não reconheça a importância do trecho pernambucano, não haverá esforço para liberar dinheiro. O dinheiro está cada vez mais complicado no Governo Federal. Precisamos nos mobilizar. 

A Fiepe iniciou algumas atividades mas, agora, deu uma parada. Política não se faz sem mobilização e a sociedade civil organizada, a classe política, os deputados federais, e senadores precisam se mobilizar. Quem pode reuni-los, como fez o governador do Ceará, é a governadora de Pernambuco. Ela tem que colocar isso como prioridade para que a ferrovia comece a operar o mais rápido possível. Não se pode esperar que ela só fique pronta em 2030 porque, caso consolide-se Pecém, Suape é prejudicado. Pernambuco precisa acordar. Também é importante dar continuidade ao movimento que a Fiepe iniciou. É preciso acordar de novo a Fiepe, acordar a Associação Comercial e todos aqueles envolvidos com o desenvolvimento do Estado. 

Como isso impacta na integração internacional de Pernambuco, já que existe o projeto de conexão bioceânica da China?

Pernambuco começa a se isolar, na visão estratégica de Brasil, no aspecto das redes de linha férrea. Esse projeto bioceânico iria começar no Porto do Rio de Janeiro mas o governador da Bahia brigou e, ao invés de integrar essa conexão em Salvador, inteligentemente, pediu para incluir Ilhéus. Assim, ele terá dois portos, um em Salvador, outro em Ilhéus que se conectará ao Peru. Ilhéus será a porta dos chineses ao Oceano Atlântico para chegar ao Oceano Pacífico pelo Brasil. 

bioceanica

Essa conexão vai passar pelo Centro-Oeste, vai carregar milho e soja. Nós estamos dormindo no ponto, porque seria mais fácil, para Pernambuco, fazer um trabalho integrado com o Porto de Cabedelo (PB), de Natal e levando isso até o Porto de Salvador para se introduzir na bioceânica lá adiante.  Há possibilidades de implementação de ferrovias no Brasil, uma coisa importantíssima, porque reduz os acidentes de trânsito e o custo de manutenção nas estradas brasileiras, diminui o tempo de viagem, há uma sequência de coisas positivas. 

O Ceará conseguiu fazer com Teresina a ligação de trem com Pecém, porque a capital do Piauí está próxima da Ferrovia Norte Sul e, aí, já se conecta com a bioceânica. Ou seja, estamos ficando isolados porque o Ceará, mais uma vez, está tratando com o Governo do Rio Grande do Norte para ligar o Porto de Natal a Pecém. Na realidade, estamos perdendo espaço. Pernambuco tem que copiar o Ceará, que conseguiu reunir toda a classe política, porque isso não envolve só política partidária, é uma questão da economia.

Qual o impacto econômico de portos secos e plataformas nas regiões de passagem do trem?

Fui convidado para colaborar num evento do Comagsul, que é o Consórcio de Municípios da Região Agreste e da Mata Sul do Estado. Eles estão antevendo a possibilidade de desenvolvimento da região com a Plataforma Multimodal do Agreste. Ela atenderia o Polo de Confecção, cerca de mil indústrias de Caruaru, além do setor de avicultura, com exportação de ovos, atenderia a Baterias Moura que, se não me falha a memória, são 50 vagões a cada dois dias que a empresa tem para transportar. 

Essa Plataforma Multimodal do Agreste fica a 20 km do Aeroporto de Caruaru mas, nem o Governo do Estado, nem o Governo Federal têm planos de adequar esse aeroporto para também receber carga. Na realidade, não há um raciocínio para compatibilizar o que é importante para dinamizar e melhorar esse projeto. 

Um trem cria um desenvolvimento econômico extraordinário. Segundo especialistas, somente essa plataforma do Comagsul, pode gerar 10 mil empregos. A ferrovia levaria os insumos para o Polo Têxtil e traria de lá todo o produto manufaturado pronto para ser exportado. Esse aeroporto de Caruaru poderia ser transformado num modal da plataforma. Os prefeitos dessas cidades do Agreste estão muito envolvidos para avançar, o governo poderia ajudar com as secretarias e com a Adepe (Agência de Desenvolvimento de Pernambuco). 

A ideia do Comagsul é estabelecer uma conexão com o governo, estimulando prefeitos e outros consórcios, como o Coniape (Consórcio Público Intermunicipal do Agreste Pernambucano e Fronteiras), que abrange quase 40 municípios, para criar áreas industriais, levar pequenas indústrias às cidades. Assim, haveria uma transformação bastante significativa. 

Após a conclusão da obra da ferrovia em Pernambuco, você acredita que a gestão da Transnordestina, no trecho Salgueiro-Suape, ficaria a cargo da Infra S.A. ou seria concedida? 

 A Infra S.A. foi criada no Governo Lula. É uma empresa pública e me parece que tem profissionais que conhecem do riscado, das questões técnicas. Ela não foi criada para fazer a gestão, mas para coordenar a adequação do novo projeto e a implantação da rede ferroviária. Mas ela não vai fazer a operação. Vai ter que ter uma concessionária. O Ceará já tem: a TLSA, mas nós não temos. Então, quem vai ser o concessionário de um único trecho que vai ligar de Salgueiro a Suape? 

infra

Quando o trem passar em Salgueiro, de quem é a rede? Da TLSA. E a TLSA vai permitir que essa outra concessionária passe lá de graça? De que forma vai ser feito? A questão da Transnordestina tem que ter uma dedicação de Governo do Estado, com um gabinete específico para tratar do tema, com secretários, entidades do governo, atuando de forma a pensar no assunto – não a cada 30 dias – mas a todo momento, trabalhando, pesquisando e estudando estratégias, porque eu já disse, vou repetir: a moeda do Ceará é tempo. 

Por parte do Governo Federal, quem merece ser pressionado para haver mais celeridade nesse projeto?

É preciso reunir o Congresso, a bancada do Estado, deputados federais e estaduais, porque tem dinheiro do governo. Recentemente, a governadora de Pernambuco anunciou investimento, para a duplicação da BR em Serra Talhada. Ótimo, não acho isso ruim. Mas por que não tem dinheiro para ajudar na implantação dessas plataformas, desses terminais de carga que são necessários? No caso de Quixeramobim, no Ceará, o governador procurou o prefeito, que doou o terreno, e os parlamentares da bancada cearense disponibilizaram recursos de emendas. A obra já está começando e ainda não foram liberados os R$ 1 bilhão previstos.  

É preciso preparar o chute para fazer o gol. Você não joga sozinho, você joga, no futebol, com mais 10. Então, na política, você não joga sozinho um negócio desse tamanho, não é obra de governo. Isso é obra de estado, de região. Se crescer só Pecém e Suape, o Nordeste não ganha com isso. Existe o consórcio dos governadores (Consórcio Nordeste). O tema tem que ser levado em pauta para ser discutido. 

Precisamos cuidar da Transnordestina, para melhorar o Nordeste, para dar condições para que a região escape dessa situação que vive, que é deplorável, para melhorar a sua situação econômica, social, educacional, moradia, saneamento básico, aumento de poder de compra e não deixar a situação como está. São coisas que podem ser feitas, mas precisa haver responsabilidade, entendimento, e buscar estratégias. Nada se faz sem estratégia. Pernambuco tem que conversar com a Paraíba, com Alagoas, para fortalecer Suape politicamente, mas isso não vem sendo feito. 

Além disso, o dinheiro de Suape, em grande parte, é de investimentos públicos, se Suape der cada vez mais certo, mostra-se que os investimentos deram resultados. Tem que se buscar esse tipo de investimento para fazer com que o Porto, realmente, tenha a dimensão que ele merece ter pela sua posição geográfica, pela condição técnica, pela capacidade que ele tem de empreender tantas indústrias. No caso de Pernambuco, se você transporta isso para Suape, com plataforma multimodal, terminal de carga de Salgueiro, com porto seco e com mais essa sugestão do próprio Ceará lá de Trindade, você vai dar um impulso para o Estado, interliga Pernambuco completamente e cria oportunidades para novos setores econômicos investirem aqui.

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