Ninho de Palavras

Ninho de Palavras

Bruno Moury Fernandes

Lagarta

Desde que passei a observá-la, há 20 minutos, andou metro, talvez metro e meio. Ultrapassa pedras com persistência, paciência e perseverança. Obstáculos vencidos com rebolado. É brasileira, a lagarta. Gingado de sobra. É colorida, a lagarta. Sensual, lenta e ofuscante. Sozinha, sem os seus por perto, lá vai ela. Por hora, tem somente a mim. Não sabe o risco que corre. Humanos são imprevisíveis. Pisá-la não seria tarefa difícil. Mas hipnotiza-me sua beleza. O tênis made in China logo desiste da maldade que pensou em fazer. Por que faria(m) isso?

Acomodo-me no batente que divide a estradinha de paralelepípedo da porção de terra pedregosa onde desfila. Resolvo observar-te, querida. Almejo acompanhar-te do pedestal desta calçada. Do alto de minha falsa superioridade, desejo saber onde vais. Qual teu destino, lagartinha brasileira?

Observo teu pequeno mundo. O modo como te moves. Tua solidão. Tua elegância. Tua maneira de encarar os desafios. Invejo-te. Parece que não tens que dar satisfação a ninguém. À exceção desta momentânea visita, ninguém mais procura saber de ti. Ninguém. Absolutamente ninguém. Ponho-me a imaginar uma vida como a tua. Sem grandes decisões a serem tomadas. Sem satisfações a dar. Sem explicações. Sem ter que se expor à multidão. Sem sonhos frustrados. Sem ser julgada. Sem metas, nem relatórios. Sem contas a pagar. Sem escolhas difíceis.

Andas, agora, mais depressa. Parece que sentes minha presença. Desesperadamente rápida. De repente…imóvel. Implacável. Bastou esse inseto atravessar teu caminho para esqueceres de mim. Ignoras, por hora, minha humilde presença. Somente folhas, pensava, interessariam a ti. Alimentar-se, ao sol ardente deste agreste, devorando o minúsculo nojento, não me apetece. Mas torço para que se delicies no banquete divino da sobrevivência.

Como te entregas de maneira linda aos prazeres da vida, lagartinha. Maravilha é andar por aí, sozinha, independente, fragilmente forte, autônoma. Mesmo com todos os perigos que esse pequeno pedaço de chão possa te oferecer. Invejo tua coragem ou, talvez, tua ignorância do perigo. Tua audácia em subir essa pedra impressiona-me. Poderias vir pela direita onde o caminho está livre. A decisão é tua. Quem sou eu para dizer a ti por onde andar? Quem sou eu para opinar assim de forma tão invasiva quanto aos caminhos que a vida te faz optar?

Pois saiba você, lagarta sedutora, a simplicidade da tua vida é algo extraordinário. É de se admirar. Gostaria de te dizer isso antes de partir. Talvez nem passe por essa cabecinha desmiolada, mas qualquer dia desses, sem menos esperar, voarás. Para bem longe. Para uma nova vida. Para novas possibilidades. Quem sabe, encontros. E não há nada mais animador, lagartinha querida, do que recomeçar. Renascer. Voar. Para bem longe. De preferência, para uma vida igualmente simples e plena, como é a tua.

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