As ruas são estreitas na comunidade Caranguejo Tabaiares, na Ilha do Retiro. Idosos e adultos sentados nas cadeiras de balanço na frente de suas casas. Crianças correndo na via empoeirada. Um cenário típico de qualquer periferia do Recife, com pouco espaço e muita gente. A maioria com escassas instituições culturais, mas, nesse caso, há uma biblioteca. Há oficinas, pequenos cursos, mediação de leitura e cerca de sete mil livros à disposição. Da janela dos fundos dá para ver parte do manguezal. Mas a verdadeira janela aberta nesse espaço é para o mundo. De lá saíram jovens que entraram na universidade, no mercado profissional e ganharam novos rumos. Como diria Monteiro Lobato, “um país se faz com homens e livros”.
A equipe de reportagem da Algomais chegou à Biblioteca Comunitária de Caranguejo Tabaiares por indicação do professor da UFPE Clecio Bunzen. Doutor em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas, ele questionou o resultado da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita pelo Ibope por encomenda do Instituto Pró-Livro, que aponta que a população do Brasil lê pouco. O estudo apontou que 30% dos brasileiros nunca compraram um livro.
“Há um discurso de que o brasileiro não lê, mas não se mostram as razões. Diante da situação de desigualdade do País avalio que se lê muito”, contextualiza o pesquisador que lista o valor do salário mínimo, a pouca estrutura das escolas e a ausência de bibliotecas como alguns dos fatores que dificultam a leitura. Mas ressalva que muitos leem livros emprestados de amigos, de bibliotecas, em materiais disponíveis na internet, entre outros caminhos. “Poderia melhorar o cenário de leitura? Sim. Mas faltam políticas públicas de incentivo à leitura”, sentenciou o docente.
Mais da metade das escolas públicas brasileiras não tem bibliotecas ou salas de leitura (55%), segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). A formação das bibliotecas comunitárias é um dos esforços populares para compensar essa falta e também a dificuldade de compra de livros. Em Caranguejo Tabaiares, o espaço é frequentado por grupos de escolas públicas e por crianças que chegam espontaneamente para lazer ou para estudar.
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O coordenador atual da instituição é Reginaldo Pereira, 36 anos. Ele frequenta o espaço desde a fundação em 2005. A partir da experiência como voluntário e leitor assíduo, as portas do mundo se abriram. Pereira estudou administração na Universidade de Pernambuco e teve até uma experiência na França, a partir de uma parceria com a Biblioteca de Rua de Nantes.
“A leitura abriu meu horizonte. Eu tinha dificuldade de ler. Nunca pensei em fazer um curso superior, mas essa relação com a biblioteca me fez poder sonhar”. Os conhecimentos acadêmicos se voltaram para gerenciar a instituição e arrecadar recursos para manutenção do espaço.
Outro jovem que trilhou esse caminho foi Enderson da Costa. Aos 27 anos, ele cursa direito e trabalha numa empresa de rastreamento de veículos. Nasceu e cresceu na comunidade, na qual afirma que 75% dos seus amigos de infância morreram. “A biblioteca mostrou que há vida após os ‘muros’ da favela. O livro foi a oportunidade que me foi dada para conhecer várias coisas, novos mundos. Quando moramos numa favela somos pré-determinados aos trabalhos braçais ou à criminalidade. A literatura me libertou”. Enderson conta que não é fácil ser o único negro na sua sala e que o escasso vocabulário dificultou os primeiros períodos da formação. Mas agora ele sonha em ser aprovado no exame da OAB, seguir carreira na advocacia e escrever um livro.
Outra iniciativa de incentivo à leitura que nasceu no Recife é o da Geladeira Cultural (que reforma o eletrodoméstico usado para abrigar cerca de 100 livros). A iniciativa do servidor da UFPE Sérgio Santos já alcança 47 instituições no Estado e atende mais de cinco mil crianças. Desse projeto nasceu também a Feira Literária da Periferia, que está na sua quinta edição. “Sempre quis aproximar os livros das crianças, que transportam o garoto desse mundo caótico, para o mundo literário, onde elas podem ser o que quiser e sonhar”, conta o Sérgio.
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Ester Rosa, doutora em psicologia escolar e do desenvolvimento humano, afirma que existem movimentos reivindicatórios de políticas públicas de incentivo à leitura. “Em primeiro lugar é importante oferecer o acesso aos livros e há uma necessidade também de mediadores. A biblioteca segue tendo um papel importante nessa formação, pois é um lugar de sociabilidade, de encontro com o livro e com outras pessoas que gostam de literatura”, disse a professora que integra o Centro de Estudos em Educação de Linguagem da UFPE.
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*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)