Liberdade de expressão nas redes sociais: entre o remédio e o veneno, a diferença está na dosagem

*Por Gabriel Vasconcelos da Costa Filho e Daniela Pinheiro Ramos Vasconcelos

Recentemente tem sido comum nos depararmos com a mensagem em qualquer das redes sociais de que determinada postagem fora excluída por violar as diretrizes da comunidade e/ou por desrespeitar as regras da plataforma. Perfis banidos, contas bloqueadas, posts apagados. Muitas tem sido as medidas adotadas pelas empresas responsáveis pelas redes sociais para, de alguma forma, exercer um controle sobre as informações expostas pelos usuários, a fim de aplicar fielmente as suas diretrizes de conteúdo.

Tal medida visa coibir o uso de tais plataformas para propagação de conteúdos notadamente falsos, desvirtuados, preconceituosos, discriminatórios, dentre outros tipos nocivos. Ocorre que o governo federal prepara decreto para limitar a exclusão de conteúdo das redes sociais e engessar decisões de empresas como Youtube, Twitter, Facebook e Instagram. O texto – contido no Ofício Circular nº 88/2021/GM escrito pela Secretaria de Cultura, parte integrante do Ministério do Turismo – tem por objetivo impedir que as companhias retirem informações do ar, somente por julgarem que as próprias políticas foram violadas pelos usuários, sem a existência de ordem judicial para tanto.

Em síntese, o ofício – base do decreto ainda não publicado e que alterará o Marco Civil da Internet (lei 12.965/14) – dispõe que, para apagar conteúdo ou remover usuários, as redes sociais se embasem em decisões judiciais específicas e não apenas em suas políticas e regras de uso, salvo algumas hipóteses elencadas no texto do decreto, bem como a pedido do usuário ou de terceiros, quando a publicação for nociva à imagem e privacidade. Além disso, o decreto dá a Secretaria de Cultura o poder para fiscalizar o cumprimento da normativa e determina sanções por seu descumprimento.

O Ministério do Turismo baseou-se na Constituição Federal e na Lei nº 12.965, de 2014 (Marco Civil da Internet), bem como na Lei nº 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei nº 13.709, de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados) para formular o decreto, alegando que a política interna de uma empresa, muitas vezes baseadas em leis estrangeiras, não podem embasar sua decisão de exclusão de conteúdo ou de remoção de usuários.

Exclusão e remoção

De fato, o debate sobre a exclusão de conteúdo e remoção de usuários das redes sociais se faz necessário. Entretanto, é extremamente importante que se tenha em mente que, por mais que a liberdade de expressão deva, a todo custo ser preservada, esta unicamente não possui o poder de alçar o cidadão a figura de inatingível e nem tão pouco apaga a função social da Internet e a importância da manutenção da ordem social e o benefício da coletividade.

Tendo surgido com o objetivo de interligar computadores e fornecer acesso ao usuário a diversas informações, a Internet, dinâmica como é, tem passado por extensas e profundas transformações no seu uso, as quais impactaram profundamente no comportamento da nossa sociedade, tendo, inclusive, papel vital na formação das novas gerações.

Produção de conteúdo

Antes, um instrumento tecnológico capaz apenas de nos conectar aos grandes portais da WEB, proporcionando acesso a diversos conteúdos. Hoje, com o surgimento das redes sociais, a internet passou a ser não somente uma ferramenta de consumo, mas também de produção de conteúdo.

Tal situação possui impactos extremos em nossa sociedade, uma vez que, no cenário atual, as informações de propagam em velocidade e alcance inestimáveis, onde um simples post em redes sociais pode “viralizar” a ponto de ser mundialmente conhecido.

Transformação social

Sem dúvidas que essa transformação social tem agregado bastante valia ao nosso cotidiano. Entretanto, há se observar os efeitos colaterais dessa mudança de panorama, posto que, hoje, o nosso acesso à informação é irrestrito e, muitas vezes, sem qualquer tipo de filtro, curadoria ou até mesmo credibilidade.

Mas, quem é o responsável pelo impacto dessas informações? O Governo? As grandes corporações que controlam as redes sociais? O autor das postagens? A pergunta não encontra resposta óbvia, uma vez que, ainda que as redes sociais proporcionem esse ambiente livre e democrático, o usuário é quem revela através dos códigos binários a sua manifestação de vontade, a sua opinião…

Ah, e como falar de opinião sem mencionar a liberdade de expressão?

Nesse contexto, caberia as redes sociais o controle sobre o conteúdo das postagens do usuários? Ou caberia ao governo ou ao judiciário limitá-las? Tal medida poderia ser considerada censura?

Liberdade, segundo a filosofia, “[…] é o conjunto de direitos de cada indivíduo, seja ele considerado isoladamente ou em grupo, perante o governo do país em que reside; é o poder que qualquer cidadão tem de exercer a sua vontade dentro dos limites da lei.” (SÉRGIO, 2017, online).

Direito à privacidade

É interessante analisarmos a maneira que atualmente as pessoas expressam suas opiniões, e ainda, como isto tem afetado o restante dos usuários. A conscientização do que pode ser dito ou não se mostra extremamente relativa, surgindo brevemente o conflito entre o que pode ser considerado liberdade de expressão ou discurso de ódio e passando ainda pelo debate sobre o direito à privacidade de cada um.

Entre o veneno e o remédio, a única diferença é a dose… Não deve ser interpretado de maneira diversa o conceito de Liberdade de Expressão.

Sob o pretexto de garantia de liberdade ao cidadão, o decreto governamental visa proibir que as redes sociais exerçam o seu papel fundamental de curadoria sobre o conteúdo ali presente e fortaleça aqueles que utilizam a rede social de forma diversa ao que se espera dela: o uso em prol do bem comum, da sociedade.

Critérios

Evidentemente que os critérios utilizados para tais exclusões e bloqueios de perfis necessariamente devem ser claros, objetivos e sobretudo razoáveis. De modo que a liberdade de expressão do usuário seja sim, bem como o seu direito a privacidade e o direito de terceiros sejam de fato preservados.

Entretanto, não se pode confundir a liberdade com o ato de expor discursos de ódios e informações notadamente falsas, postagens socialmente perigosas, desrespeitosas e, sobretudo, incitando um estado de convulsão social. É necessário o debate para se encontrar o ponto de equilíbrio dessa situação de forma ampla.

Em nossa sociedade, os direitos e garantias individuais são e devem ser preservados. Entretanto, nenhum direito pode ceifar o bem da coletividade e a garantia do bem-estar social e a manutenção do estado democrático de direito.

Muito se fala em defender a liberdade, porém, ao que parece, o rótulo desde remédio fora trocado e nele contém altas doses de censura. O veneno mais grave que pode ser aplicado em qualquer Democracia.

*Gabriel Vasconcelos da Costa Filho é advogado especialista em proteção de dados e membro da Associação Nacional dos Advogados do Direito Digital

*Daniela Pinheiro Ramos Vasconcelos é advogada especialista em direito digital, membro do comitê jurídico da Associação Nacional de Profissionais de Privacidade de Dados (ANPPD) e sócia fundadora do Vasconcelos, Coutinho, Almeida & Advogados.

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