*Por Houldine Nascimento
Florence Green (Emily Mortimer) é uma mulher que aprecia literatura. O amor pelos livros é tanto que ela decide abrir uma livraria numa pequena cidade do litoral inglês, a fictícia Hardborough, nos anos 1950. Jamais houve um estabelecimento assim nessa região, apontada como conservadora. As dificuldades enfrentadas pela protagonista são vistas no filme “A livraria" (The bookshop, ALE, ESP, ING), novo trabalho da diretora catalã Isabel Coixet, que estreou na última quinta (22) nos cinemas do Brasil.
Trata-se de uma adaptação do romance homônimo da escritora inglesa Penelope Fitzgerald. Aos poucos, o enredo vai destrinchando a vida da heroína e o cotidiano do local. Florence é uma viúva que aporta na pacata cidade disposta a realizar o sonho que alimenta há muitos anos, fruto da relação com o marido.
Uma casa antiga (a “Old House”) é escolhida para abrigar a livraria. Todas as economias de Green são empregadas nisso. O que ela almeja provoca resistência de algumas pessoas, especialmente de Violet Gamart (Patricia Clarkson), uma figura poderosa e que busca ser o centro das atenções. Qualquer situação que coloque em xeque esse status é motivo para que ela esmague sem o menor pudor.
Violet se considera a “guardiã” da cidade e ambiciona transformar o antigo casarão em um centro de artes, o que não será possível em razão do novo empreendimento. Após um começo tímido, a Livraria Old House se transforma em um negócio próspero, formando um público leitor em Hardborough. Novidades da época, como os clássicos “Lolita” -- descrito na trama como “o livro que chocou o mundo” -- e “Fahrenheit 451”, são postos à venda e atraem muitas pessoas à livraria.
Enquanto toca a livraria, Florence se torna amiga de Edmund Brundish (Bill Nighy), um recluso senhor que é assunto entre os locais justamente por sua discrição. Por isso, ele é vítima de todo tipo de boato entre os habitantes. Ao mesmo tempo, é o único morador familiarizado com literatura e, por isso, dá dicas à Florence de como despertar o interesse nas pessoas. As constantes trocas de cartas entre os dois resultam numa proximidade maior.
O êxito meteórico é a causa da inveja de lojistas e da própria Violet, que utiliza vários artifícios para fechar a livraria. No fim das contas, é uma história de resistência, que realça a força da personagem central, disposta a seguir adiante apesar dos diversos obstáculos que enfrenta.
É um “filme à moda antiga”, no melhor sentido, daqueles que raramente são feitos hoje em dia pela classe que é empregada na realização. Coixet maneja tudo com muita habilidade e delicadeza, algo já visto nos seus filmes anteriores – entre os mais memoráveis, estão “A vida secreta das palavras”, “Minha vida sem mim”, “Fatal” e “Confissões de um apaixonado” –, que fazem dela uma das melhores cineastas em atividade.
Emily Mortimer sustenta sua Florence com bravura. A veterana atriz inglesa já participou de aproximadamente 70 trabalhos entre a televisão e o cinema, mas raramente teve um papel de destaque como este, em que se sai muito bem. Outro ator que chama atenção pelo bom desempenho é Bill Nighy, carregando com sobriedade seu personagem, no fundo o único que compreende a motivação da amiga em lutar para manter a livraria naquele contexto hostil.
Uma declaração de amor à literatura, “A livraria” recebeu os principais estatuetas do Goya, apontado como o “Oscar Espanhol”: Filme, Direção e Roteiro Adaptado. Merecia ter uma carreira internacional melhor e ser reconhecido em mais prêmios.
*Houldine Nascimento é jornalista