Foi da paixão pelo futebol e do incessante incômodo com a pouca visibilidade da mulher no futebol que a pesquisadora e escritora pernambucana Soraya Barreto Januário teve a iniciativa de colocar em livro um sonho antigo. Afinal de contas, o que motiva uma garota a ir aos jogos de futebol no nosso Estado? Quem são as pessoas que influenciam essas mulheres? Os pais, tios, avôs? Quantas meninas têm a iniciativa própria de querer ir a um estádio? E com quem vão? Todas essas perguntas estão respondidas com detalhes no livro “Mulheres no campo: o ethos da torcedora pernambucana”.
Um total de 500 mulheres, frequentadoras dos estádios pernambucanos, responderam às entrevistas com perguntas semiestruturadas. Cerca de 300 delas, durante os jogos do Náutico, Santa Cruz e Sport, na Arena de Pernambuco, Arruda e Ilha do Retiro, respectivamente. O restante, de maneira online (as respostas foram concedidas sempre em plataforma idêntica). Os números da pesquisa, realizada durante o Campeonato Pernambucano de 2018, foram reveladores. No livro, busca-se conhecer o ethos das torcedoras de futebol em Pernambuco, compreendendo o percurso e motivações do “tornar-se torcedora”, bem como a relação estabelecida por elas com os clubes.
Um dado que chama a atenção vem da indagação sobre a escolha do time. É que 33,5% das mulheres afirmam ter escolhido o clube baseado nos resultados nos campeonatos que as equipes participam. Ao cruzar esses dados com a faixa etária das torcedoras, torna-se evidente a presença maciça, de mulheres jovens na influência para esse número. É que, dentro desse universo de garotas que passaram a escolher os times do coração fundamentadas em resultados, cerca de 82% delas tem entre 16 e 20 anos. “Com permissividade e conquistas femininas, as próprias meninas se empoderaram e começaram a participar desse processo de escolha com mais autonomia”, destaca Soraya Barreto Januário.
Em contrapartida, a influência masculina ainda é grande. Um total de 51% das mulheres torcem pelos times apoiadas pelos pais; seguidas das mães (16%), avôs (10%) e avós (6%). “Esse número de 22% de meninas incentivadas pelas mães ou avós já é uma representação das conquistas dos movimento de mulheres e feministas nas décadas de 1970 e 1980, quando até então as mulheres eram proibidas da prática esportiva de contato, incluindo o futebol, e foram afastadas dos estádios , por exemplo”, ressaltou a pesquisadora, que fez referência no livro ao surgimento de grupos e movimentos de torcedoras, como o Coralinas, as Timbuzeiras e o Elas e o Sport.
Foi possível também perceber com mais clareza as mudanças do comportamento das mulheres no processo de presença em eventos de seus respectivos clubes. Rompendo com a lógica dominante cerca de 35% afirmam ir aos jogos com amigos e familiares, a ruptura do comportamento hegemônico se torna evidente quando afirmam que são elas que influenciam a ida ao estádio, isto é, elas que convidam. Em aproximadamente 22% dos casos elas recebem convites de amigos e familiares e os acompanham. Outro dado de importância é que 21, 5% afirmam que vão aos jogos com amigas mulheres. Nesse âmbito, 16 % vão acompanhando seus namorados aos jogos.
“Como sócia e torcedora, ainda não me sinto contemplada. Sinto que há pouca atenção, apatia da direção com a torcida feminina, com o futebol feminino… As meninas do Elas e o Sport e as Coralinas me falaram que já têm uma participação mais ativa nos clubes, que há uma melhora. Mas é só o início. Os dados encontrados apontam para o descortinar de um novo cenário no que diz respeito à participação das mulheres enquanto consumidoras de futebol. As falas das torcedoras, bem como as análises, ajudaram a demonstrar o quão essa relação é enviesada por questões que dialogam com a resistência, quebra de padrões naturalizados e tensionamentos”, pontuou Soraya.
Parcerias
A pesquisa foi realizada no âmbito do OBMIDIA UFPE (Observatório de mídia: Gênero, Democracia e Direitos Humanos da UFPE) junto ao Grupo de Estudos Genêro, Mídia e Esportes.