Representantes do setor industrial e engenheiros de Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba se unem pelo retorno da Malha Nordeste e pelo trecho Salgueiro – Suape da Transnordestina
*Por Rafael Dantas
Há um ano os empresários pernambucanos iniciaram o movimento Transnordestina Já!, pela retomada do trecho pernambucano da ferrovia até Suape. Enquanto a articulação entre o Governo Federal, a empresa concessionária e os diversos agentes econômicos se desenrola, outra frente de batalha foi aberta. Desta vez, entidades técnicas e empresariais de quatro estados pedem a recuperação da antiga Malha Nordeste, que era o sistema sobre trilhos que conectava Alagoas, Pernambuco, Paraíba e o Rio Grande do Norte.
A mobilização foi incendiada após a empresa FTL (Ferrovia Transnordestina Logística), responsável pela concessão da Malha Nordeste, solicitar à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) a devolução da concessão. Apesar do estado de abandono atual do sistema, o engenheiro Maurício Pina avalia que a suspensão desse contrato pode ser ainda mais danosa do que qualquer perspectiva de retomada do modal.
“No final do ano passado a concessionária solicitou a retirada da concessão de toda a malha ferroviária de bitola métrica dos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Ou seja, um abandono dos quatro estados. Sacramentou a devolução da concessão. Em 2024, o que vamos fazer? É razoável aceitar essa condição absurda, trazendo sérios prejuízos para a economia da região?”, indagou o engenheiro.
Em apresentação realizada para entidades como CREA (Conselho de Engenharia e Agronomia), Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção) e Federação das Indústrias dos quatro estados, Maurício Pina contou toda a história de formação e abandono da ferrovia. Antes da privatização, em 1998, a região contava com uma vasta malha ferroviária que atravessava as fronteiras dos estados, conectando os grandes portos da região. Do total de 4.238 quilômetros de malha ferroviária assumidos pela concessionária, em menos de dois anos, apenas 2.750 quilômetros permaneciam operacionais. Ou seja, praticamente um terço de todo o sistema estava parado já no ano 2000. O fim das operações em 2013 nos quatro estados contribuiu para a degradação mais acentuada do sistema. Os relatos dos empresários de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e do Rio Grande do Norte é de que vários trilhos foram arrancados. Muitas estações foram destruídas ou ocupadas irregularmente.
Alguns prédios se tornaram espaços culturais ou abrigam outros serviços públicos. Porém, o uso logístico para que foram construídas essas estruturas foi completamente abandonado.
“Nesse plano que a concessionária prevê há um inteiro desequilíbrio intraregional, pois o Porto de Pecém passará a ser alimentado por 2.446 km de ferrovias (sendo 1.207 de São Luiz, no Maranhão, e 1.239 km vindos desde Elizeu Martins, no Piauí), enquanto isso, os outros Estados da região vão ficar com zero quilômetros de ferrovia”, denunciou Maurício Pina.
Em consequência disso, todas as conexões passaram a ser rodoviárias. E os portos dos quatro estados ficaram isolados de modais mais eficientes, dependendo de caminhões para fazer o transbordo de qualquer tipo de carga. Com perfil de atuação regional, como um hub do Nordeste, Suape é o principal prejudicado pela morte desse sistema, bem como pela amputação da linha que iria até Salgueiro dentro da Transnordestina.
“Não se pode pensar em ferrovia sem malha e não se pode pensar em porto sem ferrovia. Não existe porto relevante no mundo sem ferrovia. O Nordeste não pode ficar excluído da infraestrutura nacional. É isso que está sendo proposto contra os estados do Nordeste Oriental”, criticou o consultor empresarial Francisco Cunha, integrante do movimento empresarial.
ABANDONO E ISOLAMENTO
Na primeira reunião oficial para mobilizar os empresários, além dos representantes de classe, a sede do Sinduscon-PE recebeu também o secretário de Desenvolvimento Econômico, Guilherme Cavalcante. De Natal, também representando o Governo do Estado, compareceu à mesa o secretário-adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte, Sílvio Torquato. Para os próximos encontros do grupo fica a expectativa desse movimento ser adensado pela presença de mais executivos estaduais.
“Nós fomos condenados, porque de uma hora para outra, o Rio Grande do Norte ficou completamente isolado”, criticou o secretário Silvio Torquato. “Somos um grande produtor de sal, que descia para Pernambuco. E subia muito açúcar produzido aqui e muitos outros produtos. Havia uma ligação muito forte por essa malha litorânea ferroviária. Isso foi um crime contra o Rio Grande do Norte. Estamos lutando para soerguer o trabalho ferroviário”.
O lamento potiguar e pernambucano também ecoa na Paraíba e em Alagoas. Lamartine Alves, presidente do Sinduscon-PB, reforça que é do conhecimento público que as ferrovias foram muito danificadas em vários Estados. “A malha ferroviária está esquecida no Nordeste. Foi desativada, invadida e danificada. É um absurdo. Isso trouxe uma deseconomia enorme para a região. Queremos que a União analise uma nova concessão para o bem da Paraíba, de Pernambuco, de Alagoas e do Rio Grande do Norte”, afirmou Lamartine. O açúcar, os combustíveis e o cimento seriam alguns dos principais produtos beneficiados pela operação ferroviária na Paraíba, segundo o presidente do Sinduscon-PB.
Antônio Facchinetti, diretor do Clube de Engenharia de Alagoas, destacou a negligência em relação à malha ferroviária, abandonada desde 2013 no seu Estado. O engenheiro enfatiza que o setor industrial, incluindo a produção de cana-de-açúcar e coco, enfrenta dificuldades logísticas devido à falta de ferrovias. O engenheiro citou, inclusive, que algumas empresas já deixaram o estado por esse motivo.
“O Brasil precisa demais das ferrovias. É o transporte de grandes escala, quantidades elevadas de carga não deveriam ser transportadas por caminhões. Muitos acidentes que têm acontecido nas rodovias, inclusive, seriam evitados se tivéssemos mais ferrovias. A quantidade de veículos de carga é muito grande, se existissem os trens isso seria muito reduzido. Algumas empresas, inclusive, saíram de Alagoas porque ficou inviável a dependência do transporte rodoviário”, afirmou Facchinetti, ressaltando a importância estratégica das ferrovias para o desenvolvimento econômico regional. Ele defende a necessidade de investimentos públicos para o setor.
De acordo com o presidente da FIERN (Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte), Roberto Serquiz, diante da ausência do modal ferroviário, 92,3% da produção potiguar é transportada por caminhões, enquanto que 7,7% da produção utiliza o transporte aéreo, segundo dados do Centro Internacional de Negócios da entidade. Atualmente, nos quatro estados, os únicos trechos que permanecem em operação são a circulação de sistemas de transporte de passageiros da Companhia Brasileira de Trens Urbanos. A empresa escapou por pouco do amplo pacote de privatizações dos anos 1990 e mantém, mesmo com sucateamento sofrido desde de 2016, os quatro sistemas funcionando.
CONSTRUÇÃO DE SOLUÇÕES
As classes empresariais estão num momento de elaboração conjunta de um manifesto para ser enviado ao ministro dos Transportes, o alagoano Renan Filho. Após anos de completo esquecimento desse setor, a conjuntura atual de alinhamento de representantes do Nordeste na Presidência da República e no Ministério do Transportes, além do fortalecimento de instituições regionais, como a Sudene, o Consórcio Nordeste e o próprio Banco do Nordeste, contribuem para dinamizar o alcance da articulação empresarial neste momento.
O presidente do CREA-PE (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), Adriano Lucena, afirmou que o documento, elaborado em conjunto pelas diversas entidades empresariais, já está próximo de ser concluído. Enquanto isso, já estão sendo feitas reuniões com integrantes do Governo Federal para reforçar a luta pela malha ferroviária. Ao menos dois ministros já tiveram reuniões com o grupo.
“Vamos procurar os ministros de Pernambuco para somar forças. É uma luta de todos nós. Todas as organizações irão procurar também os governadores do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. O ministro dos Transportes que está na pasta é alagoano. A busca é de união em prol de todos os estados. Entendemos que o desenvolvimento é para todos, não exclusivamente para uma parte”, afirmou Adriano Lucena.
Na Paraíba, o Sinduscon-PB informou que está mobilizando um debate junto às autoridades do Porto de Cabedelo, ao Governo do Estado e à Federação das Indústrias da Paraíba para firmar um posicionamento de defesa do modal. “É muito importante esse debate para não seguirmos com essa desconomia que prejudica os portos de Cabedelo e de Suape, em Pernambuco”, alertou o presidente Lamartine.
Roberto Serquiz, da FIERN, destacou que diante do cenário de crescimento econômico do estado, a federação tem estudado diversas alternativas ferroviárias para o Rio Grande do Norte, sendo muitas delas baseadas em linhas desativadas e pré-existentes.
“O Rio Grande do Norte é um Estado bem localizado, do ponto de vista estratégico. Seu posicionamento permite um rápido acesso aos continentes europeu, africano e norte-americano. Possui vocação logística, reúne cadeias econômicas relevantes, como a exploração mineral; tem a maior exploração de petróleo em terra e a maior geração de energia eólica do Brasil, além da maior produção de frutas tropicais para exportação. O aproveitamento efetivo desses potenciais passa por um maior investimento na logística estadual”, disse Serquiz.
Entre os empreendimentos estruturantes estão a duplicação de rodovias, expansão de ativos portuários e aeroportuários e linhas férreas conectando o Estado às demais cadeias intermodais e demais regiões. Dentre as alternativas ferroviárias avaliadas estão os trechos de São Bento do Norte – Cruzeta, com 268 km de extensão (foco na atividades minerais metálicos e minerais não metálicos); o trecho Mossoró – São Bento do Norte, com 224 km (foco em materiais para construção civil, cabotagem e peças para eólicas e exploração de petróleo em terra); trecho Natal – Mossoró, com 316 km (foco em cargas como açúcar refinado, álcool, trigo, cal e calcário, entre outros); São Bento do Norte – Caicó, constituindo 268 km (para minério de ferro).
Em entrevista recente à imprensa do Rio Grande do Norte, Silvio Torquato disse que o Governo do Estado busca um investimento de R$ 921 milhões para reativar o ramal ferroviário Mossoró- Sousa para ser utilizado como rota de escoamento produtivo e transporte de passageiros.
INTEGRAÇÃO COM A ECONOMIA NACIONAL
Além do desequilíbrio dentro da região, mencionado por Maurício Pina, o presidente do CREA-PE, Adriano Lucena, destacou também o desequilíbrio entre as regiões do País. O encolhimento da ferrovia no Nordeste agrava a diferença de competitividade, incentivando a maior concentração de investimentos no Sul, Sudeste e Centro- -Oeste. “É de fundamental importância recuperar a malha ferroviária. Temos um PIB baixo em relação ao PIB Nacional e das regiões Sul e Sudeste. Precisamos de um País mais igual e de quebrar a desigualdade. É sobre isso que a gente está lutando, não só por trilho no chão. Mas por dignidade, por esperança”, afirmou Lucena.
Além da maior infraestrutura entre os polos produtivos dos quatro estados com os portos, a reestruturação ferroviária tem motivações maiores. A Transnordestina, por exemplo (que em seu projeto constava de um tronco comum entre Elizeu Martins e Salgueiro, com uma bifurcação para Pecém e Suape), deveria ter uma conexão no futuro com a Ferrovia Norte-Sul, que atende o agronegócio brasileiro. A Ferrovia Norte-Sul conecta os Portos de Itaqui (no Maranhão) a Santos (São Paulo).
A retomada da Malha Nordeste (a linha litorânea entre o Rio Grande do Norte e Alagoas) também se aproxima da ferrovia da Bahia, que se conecta com o Sudeste e o Centro-Oeste. A retomada dos investimentos ferroviários na região Nordeste tem um impacto de curto prazo no aquecimento da construção civil, com geração de empregos descentralizadas e locais. Mas, além disso, está em jogo a competitividade da região, com a redução de custos logísticos e a maior segurança na operação. A reativação do modal teria o benefício indireto de reduzir a pressão das rodovias, devido à elevada circulação de caminhões.
Os trilhos diante dessa volta da ferrovia ainda não estão alinhados. Existe um cálculo político, empresarial e econômico a ser equacionado, que deve atender aos interesses de desenvolvimento da Região.
*Rafael Dantas é jornalista e repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)