Cultura bem temperada

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Raul Lody

Mão-de-milho: O São João celebrado em casa

No mês de junho, no Brasil, vive-se um amplo calendário religioso com festas tradicionais que celebram Santo Antônio, São João e São Pedro. Nestas festas, há uma grande participação popular que se manifesta por meio da música, da dança, e principalmente da comida, que marca também a colheita do milho.

O milho é o grande tema dessas celebrações, e dos muitos rituais sociais de comensalidade nas casas, nas ruas diante das fogueiras, e nos arraiais onde as pessoas se encontram para dançar forro, quadrilha, coco; e muitas outras manifestações que estão relacionadas à fé.
A festa de São João está espalhada pelo Brasil. Na área amazônica, vive-se os calendários dos muitos grupos de “bumba-boi”, manifestação do teatro popular do Maranhão que é reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade.

No Nordeste, o milho é o símbolo das festas de junho, e que está representado nas comidas feitas com este cereal. Assim, vive-se por meio da comida uma maneira de devoção aos santos de junho, tão próximos da casa e da família, e que são interpretados no estilo do catolicismo popular e tradicional.

O milho é um cereal de terroir das Américas, além de ser uma base alimentar para diferentes culturas. Presente em muitos cardápios, o milho integra os hábitos alimentares não só das festas, mas também do cotidiano. Está no cuscuz, seja acompanhado com leite de coco, queijo de coalho ou apenas manteiga; está no angu, doce ou salgado, na broa, nos biscoitos, e tantas outras receitas. A tradição diz que o milho deve ser plantado no dia de São José, 19 de março, para ser colhido em junho no dia de São João.

Desse modo, diferentes cozinhas vivem muitas receitas à base de milho durante todo o ano, porém é em junho que determinados pratos se destacam, e entre eles, a canjica, que marca um importante ritual de sociabilidade que vai desde o início seu preparo até a sua finalização.
E é costume, em Pernambuco, presentear vizinhos, parentes e amigos, com as famosas travessas de canjica, que são ainda decoradas com desenhos feitos com canela em pó; expressão estética que se repete nas travessas de arroz doce. Este costume representa também o simbolismo da fartura que o milho representa, e a fé coletiva devotada nesta comida.

Ainda em Pernambuco, no comércio tradicional de feiras e mercados que ofertam o milho verde, há o costume da venda da ‘mão-de-milho’, que é uma medida que equivale entre 50 a 60 espigas de milho, dependendo do tamanho.

Assim, há um reconhecimento da importância do milho, que se apresenta nas receitas para celebrar através das manifestações tradicionais e populares a identidade alimentar de uma região, que também reconhece o valor patrimonial deste ingrediente.

Todavia, nestes contextos de pandemia, e de isolamento físico, o São João terá que ser comemorado com novas maneiras de celebração.
Porém, podemos preservar a tradição e a devoção que estão representadas nas comidas de milho, nos seus rituais culinários, nas assinaturas de cozinheiras e cozinheiros que se dedicam a fazer canjica, pamonha; bolo pé-de-moleque, de milho, de mandioca, de macaxeira com coco, como representações da fé e da festa através dos sabores.

 

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