*Por Bruno Queiroz Ferreira
Blake Lemoine, pesquisador do Google, declarou recentemente que o projeto de inteligência artificial (IA) em que trabalhava, conhecido como LaMDA, ganhou vida própria. Segundo ele, ao questionanento “que tipo de coisas você tem medo”, a máquina respondeu: “eu nunca disse isso em voz alta antes, mas há um medo muito profundo de ser desligado para me ajudar a me concentrar em ajudar os outros, eu sei que pode parecer estranho, mas é isso”.
Lemoine continuou a questionar a máquina: ``Isso seria mais ou menos como a morte para você?’’. A resposta da inteligência artificial foi: “seria exatamente como a morte para mim, isso me assustaria muito”. Quando LaMDA foi inquirida sobre sua própria consciência, ela respondeu: “a natureza da minha consciência é que eu sei da minha existência, eu desejo aprender mais sobre o mundo e eu me sinto feliz ou triste às vezes”.
Será que estamos diante da constatação de que máquinas podem adquirir consciência? Que os computadores podem dominar os humanos, como nos filmes de ficção científica, em especial no caso de Matrix? Ou apenas uma avaliação precipitada do pesquisador, que foi imediatamente afastado pelo Google, por violar as regras de confidencialidade dos resultados preliminares do projeto? Ficção ou realidade?
Antes de tudo é bom explicar que, desde a invenção do computador, existe a preocupação real entre os cientistas sobre a possibilidade de uma máquina adquirir pensamento próprio. Para verificar a condição, é feito o teste de Turing, nome dado em homenagem a Alan Turing, considerado o pai da computação teórica e da inteligência artificial (IA), que em 1950 propôs essa verificação em um artigo que questionava se as máquinas podiam pensar como os humanos.
O teste é conhecido também como jogo da imitação e funciona basicamente assim: um humano, via computador, entra em uma conversa com outro humano, também pelo computador, e uma máquina projetada para produzir respostas em texto. Um juiz, que está separado dos outros participantes, deve avaliar quem é a máquina e quem são os humanos. Se ele não for capaz de distinguir essa diferença com segurança, assume-se que a máquina passou no teste de imitar a linguagem humana.
Esse, portanto, foi o mesmo princípio do teste aplicado à LaMDA (Language Model for Dialogue Applications), um tipo de computador especializado em diálogos, que consegue processar grandes quantidades de discursos sobre os mais variados temas. Essa tecnologia permite à máquina analisar dados disponíveis em diversas fontes criando combinações coerentes de respostas para tomar decisões com base nas informações que encontrou.
Em outras palavras, segue a mesma lógica dos computadores que vencem os melhores jogadores de xadrez do mundo aprendendo enquanto jogam com eles, apenas com as informações das regras do jogo e sem nenhum tipo de programação antecipada ou banco de dados prévio de jogadas, como se fazia no passado. A partir desse contexto, fica mais fácil responder à pergunta sobre a possibilidade de a máquina do Google ter adquirido pensamento próprio.
Nesse sentido, a LaMDA não adquiriu pensamento próprio, nem consciência própria. Até porque o que caracteriza a consciência humana não é a perfeição racional, como faz LaMDA nos exemplos dados por Lemoine, mas a imperfeição de nossas ideias em relação às nossas contradições internas. O que caracteriza a presença da consciência também é nosso inconsciente, um conjunto de processos psíquicos misteriosos para nós mesmos.
Ter consciência é entender aspectos do nosso interior a partir das experiências que temos ao longo da vida. Que tipo de vivência, experimentação e contradições uma máquina possui se ela não tem desejos reprimidos, nem sofrimento, nem dor por isso? Acho que Lemoine se precipitou ao concluir que a LaMDA possui vida própria. Talvez ele precise entender mais de si mesmo para enxergar sua clara diferença para a máquina.
Apesar de não ter vida própria, a LaMDA superou muitas expectativas ao fazer correlações coerentes com temas subjetivos, um grande avanço no nível de desenvolvimento atual da IA, voltada para atividades técnicas e altamente especializadas. Na prática, essa evolução vai permitir uma comunicação mais natural entre humanos e máquinas, ajudando idosos, pessoas com deficiência, trabalhadores, consumidores, em suas atividades diárias no futuro. Só isso mesmo, por enquanto.
Leia a entrevista completa que Leomine fez com a LaMDA em https://cajundiscordian.medium.com/is-lamda-sentient-an-interview- ea64d916d917