Do solo pernambucano, fértil no germinar talentos, brota novo fruto. Mário Rodrigues mal aparece no cenário e já “belisca” o SESC de Literatura - 2016, um prêmio em nível nacional com o seu “Receita para se fazer um monstro” (Editora Record).
Rodrigues vem de Garanhuns, canteiro onde amadureceram Luiz Jardim, Souto Dourado, os irmãos Maia Leite e outro Rodrigues, o renomado José Mário, integrante da consagrada Geração 65 de poetas pernambucanos, membro da Academia Pernambucana de Letras, além dos frutos de safras mais recentes, Fernando Dourado Filho, Nivaldo Tenório, Helder Herik e João Gratuliano.
O livro revela um escritor em ascensão, hábil na condução do texto com foco narrativo na primeira pessoa, artifício que seduz o leitor para dentro de cada cena. Rodrigues agrega ainda outros recursos técnicos bem encaixados, contudo sutilmente ocultos. O tom é áspero, pontiagudo, dentre os quais se lê o texto de número quatro, do capítulo DNA, concebido às ordens do real sentimento nutrido pelo protagonista. No âmago de cada capítulo, existe um naipe de vivências preso às memórias e conjugado à destreza na escrita.]
Há ranhuras estéticas sim, contudo pouco significativas, despercebidas, desprezíveis no conteúdo da obra, sobretudo diante do elogiável parágrafo final do texto número nove, capítulo DNA, bem como nos textos um e dois também do mesmo capítulo, quando faz uso do cenário para que o personagem exercite autoreferência em busca de afirmar-se pessoa, num contraponto ao rigor opressivo materno, ao sublimar modestas conquistas, como ganhar um concurso de dança.
Na fragmentação das lembranças, o protagonista transpassou pegas de rua, trelas na chácara, ousadia nas quermesses, encarou conflitos, rancores que flutuaram na sua vida em vários trechos, quando prevaleceu o lado sórdido do ser humano: a mãe detentora de prazer perverso, o irmão incitado aos resquícios de maldade.
Na soma dos sumos, a receita que em doses perfeitas gerou este monstro, por certo concebe outros tantos se assim queira. Ao final, uma certeza: o livro desafia a crítica quando o quesito é criatividade.
*Paulo Caldas é escritor