Estudo realizado pela Unifafire revela que um terço dos passageiros da RMR consideram que o serviço piorou nos dois últimos anos. Com envelhecimento da frota de ônibus, colapso do metrô e trânsito engarrafado, especialistas defendem uma política de gestão metropolitana com foco no transporte coletivo, na integração modal e na mobilidade ativa.
*Por Rafael Dantas
O Recife figura entre as capitais mais engarrafadas do Brasil há bastante tempo. No entanto, uma pesquisa recém-realizada pela Unifafire revelou que a doença crônica que afeta a mobilidade urbana da capital e das cidades que compõem a região Metropolitana (RMR) se agravou para um terço da população. O estudo revelou que 33,69% considera que o transporte público piorou nos dois últimos anos e 67,72% dos usuários estão insatisfeitos com o serviço. O colapso do Metrô, o envelhecimento da frota de ônibus e o número de mortes de ciclistas são alguns sintomas sentidos na pele dos cidadãos.
A pesquisa, que ouviu 851 moradores da RMR, tem 95% de margem de confiança. “A maioria não enxerga retrocessos significativos mas, também, não percebe avanços concretos na qualidade do serviço. Esse quadro de "mesmismo" é preocupante, pois indica que as políticas públicas implementadas não foram capazes de reverter os graves problemas crônicos do sistema, mantendo um status quo insatisfatório para a população”, indicou o estudo, que foi liderado por João Paulo Nogueira de Oliveira, coordenador da Unifafire Inteligência de Mercado.

A rotina diária de Yuri Lenen, 33 anos, ilustra as dores do sistema de transporte público da RMR. Ele mora em São Lourenço, mas trabalha no Recife, no bairro de Boa Viagem. Contador e professor universitário, ele pega dois ônibus e faz um percurso de metrô tanto para ir quanto para voltar. Da sua cidade, ele vai até o TIP (Terminal Rodoviário do Recife), que é integrado ao Metrô, de onde segue até a Estação Joana Bezerra e aciona um segundo ônibus para a Zona Sul.
Ele gasta em torno de duas horas nesse deslocamento, que se fosse feito de carro seria de 28 quilômetros. Além do demasiado tempo desperdiçado, ele considera que mesmo quando consegue fazer o trajeto sentado, “o conforto é péssimo”. A lotação, os poucos assentos e a temperatura estão entre as principais queixas. “Não tem ar-condicionado nos ônibus que eu pego e na maioria dos vagões do metrô. É uma verdadeira sauna!”

"Não tem ar-condicionado nos ônibus que eu pego e na maioria dos vagões do metrô. É uma verdadeira sauna! [O transporte] vem piorando bastante, principalmente o metrô, que está péssimo. Às vezes, desço das estações e pego um Uber." Yuri Lenen
Um dos sintomas mais perceptíveis da crise do transporte, segundo os dados da pesquisa Unifafire, é justamente o desconforto, relatado por 70,3% dos respondentes. A superlotação é considerada ruim ou muito ruim por 71,59% dos passageiros.
Acerca do tempo de espera, uma reclamação tão decisiva para a difícil rotina de Yuri, o estudo indicou que há uma grave insatisfação de 66,08% dos entrevistados. Apenas 11,38% consideram a frequência do serviço satisfatória. A pesquisa indicou também que 50,47% das pessoas não consideram que os ônibus e o metrô são pontuais.

As queixas de Yuri não param por aí. Ele reclama da demora para chegada dos ônibus, de até 40 minutos, do tempo que fica preso nos engarrafamentos, das quebras do metrô e da imprevisibilidade da chegada das composições. É um teste de paciência diário, que ele classifica como “desumano”.
Apesar de viver essa rotina há muito tempo, ele percebeu uma piora nos últimos anos. A doença crônica parece ter entrado em estado avançado. “Vem piorando bastante, principalmente o metrô, que está péssimo. Às vezes, desço das estações e pego um Uber”, afirmou o passageiro que planeja adquirir um carro ao final do ano para diminuir o sofrimento.
A dinâmica diária do contador não é uma exceção na metrópole. O local de moradia e de trabalho, a busca por serviços de saúde ou educação e, mesmo, o tempo de lazer não está separado pelas linhas invisíveis que dividem os municípios. Logo, o desafio de vencer as travas da mobilidade são também coletivas.
Da mesma forma, o movimento que ele planeja fazer do sistema público para o transporte privado é quase uma regra na RMR. Mesmo com o trânsito pesado e os preços elevados para compra e manutenção do veículo, quem tem a mínima possibilidade faz a migração.
De acordo com os dados da Urbana-PE, os ônibus perderam 48% dos passageiros nos últimos 12 anos. De acordo com Bernardo Braga, coordenador técnico da instituição, uma parte significativa dessa demanda migrou para outros modais, especialmente para a moto e o mototáxi. Uma transição que traz ainda outras externalidades negativas para as cidades e para a população.
“Já é possível perceber os impactos dessa migração no sistema de saúde com os sinistros envolvendo motos, no aumento do conflito no ambiente urbano, entre outros. O uso excessivo do transporte individual motorizado penaliza gradativamente a população, elevando os seus custos e o tempo gasto nos deslocamentos e restringindo acesso às oportunidades geradas nas cidades”, avalia Bernardo.

"Já é possível perceber os impactos dessa migração [para moto e mototáxi] no sistema de saúde. O uso excessivo do transporte individual motorizado penaliza a população, elevando os seus custos e o tempo gasto nos deslocamentos e restringindo acesso às oportunidades geradas nas cidades". Bernando Braga
A crise no sistema de transporte público, alimentada por falhas que vão do planejamento deficiente ao subfinanciamento crônico da operação, desencadeia a fuga dos passageiros – e, em consequência, das receitas – ampliando ainda mais a pressão sobre o trânsito. Para usar uma expressão da saúde, trata-se de uma metástase no tecido urbano: os efeitos se espalham por todos os modais, penalizando a população e agravando a situação das empresas – públicas ou privadas – que operam no setor.
O RAIO X PARA A OPERAÇÃO DOS ÔNIBUS
O ônibus é o principal meio de transporte da RMR segundo a pesquisa da Unifafire, sendo adotado por 35,15% dos moradores. O segundo lugar já é ocupado pelos carros de aplicativos 14,06%, tendo o carro particular como o terceiro, com 13,83%. As motos de aplicativo correspondem a 9% dos respondentes. As alternativas de mobilidade ativa são minoria, sendo 11,72% a pé e apenas 2,87% dos entrevistados recorrem às bicicletas.

A pesquisa revelou ainda que 41,08% utilizam transporte público todos os dias – em sua maioria, exclusivamente ônibus. O principal uso dos ônibus é para ir ao trabalho (37,56%) ou estudar (34,51%), indicando sua função essencial para deslocamentos cotidianos.
Um diagnóstico revelado em um relatório global da Moovit sobre transporte público apontou o Recife como a segunda cidade no País com maior tempo gasto na mobilidade. Incluindo o trajeto de caminhada, o tempo de espera e o deslocamento dos coletivos, a pesquisa contabilizou que a média na capital pernambucana é de 64 minutos. Quando olhamos apenas para o tempo médio de espera, o cálculo da instituição é de 27 minutos.
Em sintonia com a queixa de Yuri, o professor Leonardo Meira, engenheiro e pesquisador da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), aponta que o transporte público na Região Metropolitana do Recife vem se deteriorando ao longo dos anos. Também como usuário do sistema, ele avalia que o serviço não é uma “tragédia”, mas precisa de investimentos para se qualificar, com melhorias nas paradas, itinerários e principalmente na frequência dos ônibus. Para atrair mais passageiros, segundo ele, é fundamental que os veículos não demorem tanto a circular, tornando o transporte coletivo uma opção realmente viável.

"O serviço de transporte público na RMR não é uma tragédia, mas precisa de investimentos para se qualificar, com melhorias nas paradas, itinerários e principalmente na frequência dos ônibus. Para atrair mais passageiros é fundamental que os veículos não demorem tanto a circular." Leonardo Meira
A crise do transporte público na RMR se agrava também com o envelhecimento acelerado da frota de ônibus e a ausência de investimentos. Segundo dados de junho deste ano, 42% dos coletivos em operação está com idade acima dos sete anos – o limite considerado ideal para esse tipo de transporte. De acordo com dados do Consórcio Grande Recife, a frota total cadastrada é de 2.521 ônibus, sendo desses 2.256 em operação. A quantidade de ônibus operando além da vida útil recomendada é de 954 coletivos.
Bernardo Braga, coordenador técnico da Urbana-PE, destaca que o envelhecimento da frota de ônibus no Grande Recife contrasta com um histórico positivo nesse indicador. “Historicamente, a frota da RMR sempre foi uma das mais novas do País”. Ele explica que atualmente há uma divisão clara no sistema que ajuda a explicar esse problema: apenas 25% das linhas passaram por licitação e operam com contratos firmados, o que garante segurança jurídica e previsibilidade para renovação dos veículos. “Nessas empresas, a idade média da frota é bem menor do que a média nacional. Tivemos a entrada de uma quantidade expressiva de veículos nos últimos anos, incluindo BRTs, que são equipamentos mais caros e exigem manutenção diferenciada”.
Por outro lado, a maior parte do sistema, cerca de 75%, opera como permissionária, sem contratos definitivos e com planilhas de custos desatualizadas. Braga alerta que esse modelo impede os investimentos necessários. “As últimas atualizações feitas pelo Governo do Estado sequer previram investimentos em renovação da frota”. Ele avalia que essa insegurança jurídica e financeira impacta diretamente na qualidade do serviço prestado, afastando usuários e gerando um ciclo de perda de demanda e falta de receita. “É uma situação indesejável porque postergar esses investimentos impacta a qualidade do serviço e apenas transfere obrigações incontornáveis para o futuro, que inevitavelmente pressionarão o fluxo de caixa e a capacidade de financiamento do setor”.
Uma das poucas percepções positivas reveladas na pesquisa da Unifafire é relacionada ao Cartão VEM, que é usado por 65,96% dos usuários. O estudo revelou que 61,62% acreditam que o uso do VEM melhorou a experiência no transporte público. Esse dado sinaliza uma percepção positiva em iniciativas de modernização tecnológica.
COLAPSO DO METRÔ, EM PROCESSO DE CONCESSÃO

Enquanto os ônibus convivem com o trânsito caótico da Região Metropolitana do Recife e com a espera nas licitações, o Metrô está na UTI, sofrendo um forte sucateamento nos últimos anos. Referência de mobilidade sobre trilhos nos anos 90, o Metrorec sofreu uma tentativa de privatização durante o Governo FHC, que representou uma forte queda na qualidade dos serviços. Após a ascensão do Governo Lula em 2003, o sistema recebeu investimentos, construiu a Linha Sul, modernizou a Linha Diesel – com a aquisição de VLTs, e adquiriu novos trens. Os investimentos, porém, não se repetiram nos anos seguintes.
A companhia passou a integrar o PND (Programa Nacional de Desestatização) em 2019, no primeiro ano do Governo Bolsonaro. No ano anterior, 2018, o Metrô havia registrado 102 milhões de embarques. Em 2024, esse total caiu para 44 milhões e continua diminuindo. Apenas nos cinco primeiros meses de 2025, em relação ao mesmo intervalo de 2024, a redução no volume de passageiros foi de 9,9%. A pesquisa da Unifafire indicou que atualmente apenas 5,62% dos passageiros da RMR utilizam o metrô nos seus deslocamentos. Mesmo com a crise contínua, com muitas quebras e o fechamento do sistema aos domingos, o atual Governo Lula manteve a empresa na fila das concessões. Na prática, uma privatização.
A crise vivida pelo Metrô do Recife não é fruto do acaso. Para o engenheiro civil Stênio Cuentro, presidente da Abenc-PE (Associação Brasileira de Engenheiros Civis em Pernambuco), o colapso do sistema é resultado de um processo deliberado de desmonte e desinvestimento. “A situação do Metrô não aconteceu, ela foi provocada. Há uma estrutura montada para desidratar o serviço público”. Segundo ele, o processo é até mais antigo, com a pressão no País contra o transporte sobre trilhos, desde o fim da Segunda Guerra.

"A situação do Metrô foi provocada. Há uma estrutura montada para desidratar o serviço público. O problema da mobilidade só será resolvido quando a população for colocada no centro das decisões. É fundamental acertar na decisão. Não é fácil privatizar, mas é ainda mais difícil tomar de volta." Stênio Cuentro
A iminente concessão do Metrô à iniciativa privada, com aporte de R$ 3,5 bilhões do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), é vista com preocupação pelo engenheiro. Ele alerta que haverá um aumento de tarifa – que já cresceu muito nos últimos anos – para remunerar o empréstimo tomado pelos futuros concessionários. A tarifa, inclusive, já é uma das dores sentidas pelos usuários do sistema de transporte público na RMR. O estudo da Unifafire revelou que a percepção é majoritariamente negativa, com 60,8% dos usuários considerando o custo elevado ou inadequado.
Na avaliação de Cuentro, o que falta não é recurso nem conhecimento técnico, mas vontade política. Há planos de expansão racionalmente desenhados, inclusive com traçados que poderiam conectar novas áreas da região metropolitana. Ele defende que a decisão sobre o futuro do Metrô deve partir de uma política de estado e não de um governo isolado. “O problema da mobilidade no Recife só será resolvido quando a população for colocada no centro das decisões. E isso começa com um planejamento integrado e compromisso público. É fundamental acertar na decisão, pois não é fácil privatizar, mas é ainda mais difícil tomar de volta”.
O processo se assemelha ao que aconteceu com o transporte de cargas do Estado, que foi concedido em 1999. Com poucos anos, a empresa concessionária encerrou todas as operações em Pernambuco. Sem os investimentos esperados para sua reanimação, o Metrô do Recife segue sangrando. Perde passageiros, trens e expectativa.
O exemplo mais recente, porém, que sinaliza um aprofundamento da crise e não a sua reversão, é do Metrô de Londres. O engenheiro conta que o Governo do Reino Unido decidiu retomar as concessões. “O sistema de metrô voltou ao controle do Estado. Ele chegou a ser considerado um dos piores serviços para a população, que reconheceu uma melhora muito grande após voltar a ter a gestão pública. Neste ano, houve a decisão política também de retomar as ferrovias.”
AUMENTA ESTRUTURA CICLOVIÁRIA, MAS VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO ATINGE CICLISTAS
O número de ciclistas e de ciclovias na RMR cresceu visivelmente nos últimos anos. Apenas a Prefeitura do Recife contabiliza um crescimento na ordem de 700% desde 2013. Diferente dos demais modais, a estruturação do sistema cicloviário teve algumas notícias bem positivas. No entanto, essa revolução na mobilidade ativa convive com acidentes e mortes, além de carecer de integração intermunicipal e intermodal. “A estrutura cicloviária na RMR avançou em quantitativo de quilometragem, em especial no Recife, no entanto é necessário qualificar esse avanço. A infraestrutura implantada é precária. Basicamente composta de ciclorrotas e ciclofaixas”, explica Daniel Valença, coordenador da Ameciclo (Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife).

Ele explica que as ciclorrotas não tem segregação para quem pedala, às vezes em vias de alto fluxo de veículos, e as ciclovias não têm sido atrativas. “A qualidade da infraestrutura não é convidativa para quem pedala, além disso, as ciclofaixas estão mal localizadas e com baixo nível de segregação. A infraestrutura cicloviária é o fator de maior fidelização para quem pedala”, afirmou.
A reduzida segregação, somada à falta de educação no trânsito, é um fator que afasta os pernambucanos que experimentam adotar as bikes para sua mobilidade diária. Daniel conta que muitos ciclistas abandonam o modal após sofrer algum acidente ou saber dos diversos sinistros fatais que acontecem nas ruas da cidade. “A ciclovia precisa ser mais atrativa, mais larga para ter mais conforto ao ultrapassar e mais seguras. A prefeitura tem um bom manual de desenho de ruas, que traz um bom nível de qualidade, mas precisa ser seguido”.
De acordo com o Relatório de Segurança Viária da CTTU (Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife), em dados de 2023, mais de um ciclista por dia é atendido pelo Samu no Recife e quase um por mês é morto no trânsito. Ao todo, foram 10 vítimas naquele ano. “Em 2024, nós prevemos um aumento de 40% a 60% nesses números, a ser verificado nos relatórios. Deve ser o ano mais violento para quem pedala e para todo mundo que usa o trânsito”, avalia Daniel.

"A estrutura cicloviária avançou em quantitativo de quilometragem, em especial no Recife, mas é necessário qualificar esse avanço. A ciclovia precisa ser mais larga. A prefeitura tem um bom manual de desenho de ruas, que traz um bom nível de qualidade, mas precisa ser seguido". Daniel Valença
A falta de infraestrutura integrada entre as cidades da RMR e com os demais modais de transporte é outro problema apontado por Daniel Valença. Ou seja, a possibilidade de conectar um trajeto de bike com um percurso de ônibus ou metrô ou mesmo a disponibilização de bicicletários é praticamente inexistente. A estruturação de sistemas públicos de uso de bike que liguem as cidades também não está à disposição dos moradores da metrópole.
SEM TRANSPORTE FLUVIAL E SEM INFRAESTRUTURAS LOGÍSTICAS METROPOLITANAS

Somadas às dificuldades dos principais modais, Pernambuco não conseguiu tirar do papel projetos como o da navegabilidade do Rio Capibaribe, que seria uma alternativa a mais da circulação de pessoas na cidade, nem grandes projetos, como o Arco Metropolitano ou, mesmo, a Transnordestina.
O transporte por embarcações no Capibaribe sempre foi vista pela maioria dos especialistas como uma estrutura mais turística ou com uma contribuição residual, visto que tem uma baixa capacidade de usuários. “A navegação é um pequeno complemento. Não faria grande diferença na mobilidade urbana, mas com uso turístico do Centro da Cidade ao Parque da Jaqueira ou ao Derby, por exemplo”, avalia Leonardo.
Quanto aos dois empreendimentos logísticos, o professor da UFPE considera que a ausência deles colabora para dificultar a locomoção de pessoas na cidade, pois aumenta a demanda da circulação de caminhões. “A falta de soluções dos projetos de infraestrutura logística contribuem para a imobilidade na BR-101 ou na BR-232 e acabam, de alguma forma, atrapalhando, mas atrapalham muito mais a competitividade de Pernambuco. A falta do Arco e da Transnordestina impedem o Estado de atrair mais indústrias e arrecadar mais impostos que poderiam subsidiar, eventualmente, algum outro trabalho para a mobilidade e para outras áreas”.
TERAPIAS NO RADAR
Como um paciente em estado crônico, a mobilidade urbana da RMR carece de um tratamento sistêmico e coordenado. Para o professor Hélio Assis, da Unifbv, o primeiro passo seria fortalecer a "equipe médica" – ou seja, a governança metropolitana. “Precisamos de uma gestão compartilhada entre Estado, municípios e sociedade civil, fazendo um modelo fundado no Estatuto da Metrópole. Mas muitos municípios resistem a fazer a integração ao Consórcio Grande Recife, deixando decisões e recursos descentralizados”.

“Precisamos de uma gestão compartilhada entre Estado, municípios e sociedade civil, fa- zendo um modelo fundado no Estatuto da Metrópole." Hélio Assis
Outra necessidade é relativa à prescrição de investimentos sustentáveis para os principais modais. “Havendo projetos estratégicos de melhoria do BRT, dos novos ramais do Metrô e do VLT, eles poderiam ser colocados para receber financiamentos do BNDES, via PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou pelas governanças tanto estaduais quanto federais e fazer com que haja uma alavancagem desse sistema modal”.
Em relação ao planejamento e às receitas para o modal, Bernardo Braga propõe que haja previsibilidade, segurança jurídica e garantias contratuais para que o serviço seja prestado conforme as especificações do poder concedente. “É muito importante concluir a licitação do sistema de transporte público da RMR. Também é indispensável que o custeio do serviço e os investimentos para a sua requalificação não sobrecarreguem o passageiro pagante. Dessa forma, além dos subsídios vindos dos recursos orçamentários próprios do governo, é possível adotar outras fontes extratarifárias, especialmente aquelas oriundas do transporte individual motorizado”.
A falta de intermodalidade, alertada pela Ameciclo, também é sugerida pelos especialistas. A maior integração entre os ônibus e com o Metrô, com uma tarifa apenas, a conclusão dos corredores de ônibus e a requalificação dos terminais integrados estão no pacote de iniciativas indicado por Hélio Assis. Para conectar as cidades, ele propõe ainda novas linhas, seja de VLT, Metrô ou monotrilho. “Isso transformaria o transporte metroviário mais atuante”.

Acerca da eficiência do sistema de ônibus, Bernardo Braga defende como ponto indispensável garantir a prioridade viária para os ônibus, o que reduz o tempo de viagem e custo operacional. “Segundo um levantamento da NTU (Associação Nacional de Empresas de Transporte), o aumento de velocidade média dos ônibus de 17 para 27,5 km/h resultaria na redução de até 25% do custo operacional, o que contribuiria significativamente para a sustentabilidade operacional e econômica da atividade”.
Para o professor Leonardo Vieira, a saída da crise da mobilidade urbana passa por ações combinadas: qualificar o transporte público para atrair usuários, mas também dificultar o uso do carro e da moto nas áreas centrais e mais movimentadas da cidade. Só assim será possível reduzir o congestionamento e oferecer alternativas mais sustentáveis, que priorizem os meios de transporte coletivo, a pé e a bicicleta. “Para atrair o usuário do automóvel e da moto é preciso aumentar as faixas exclusivas para transporte público. Se tiver congestionamento, é o preço a pagar por dar prioridade aos modos que transportam mais pessoas. É preciso dificultar o estacionamento em vias públicas, que devem ser usadas por pedestres e ciclistas, não para um automóvel parado por horas”.
Ele avalia que nenhuma cidade do mundo que resolveu seus problemas de mobilidade, o fez construindo mais ruas ou tentando dar mais fluidez ao automóvel. Esse seria um caminho equivocado, pois não consegue acompanhar o avanço do transporte individual. “ A nossa frota tem crescido cerca de 4,5 a 5% ao ano. Só vejo uma alternativa para sair dessa crise: investir fortemente na melhoria do transporte público, nas ciclovias e na melhoria de nossas calçadas. Isso para que as viagens curtas possam ser feitas a pé ou de bicicletas e as mais longas sejam feitas de transporte público”, declarou o engenheiro Leonardo Vieira.
O prognóstico da mobilidade urbana na RMR é grave, mas ainda há chance de reversão. A cidade, adoecida por falhas sistêmicas e gestão fragmentada, precisa de uma intervenção coordenada, com foco no transporte coletivo, na integração modal e na mobilidade ativa. Sem isso, o colapso se aproxima, ameaçando o direito de ir e vir e a qualidade de vida urbana.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)