Morar No Centro Do Recife: Distrito Guararapes Quer Povoar Região Central Da Cidade - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Morar no Centro do Recife: Distrito Guararapes quer povoar região central da cidade

*Por Rafael Dantas

Um dos maiores desafios urbanos do Recife contemporâneo é devolver vitalidade aos bairros centrais. Durante décadas, regiões como São José e Santo Antônio sofreram um processo silencioso de esvaziamento residencial e depois corporativo. A degradação física, somada à concentração de imóveis comerciais e históricos pouco adaptados ao uso habitacional, afastou a população e transformou o coração da cidade em território de passagem, não de permanência. É nesse contexto que surgiu o Distrito Guararapes. O projeto da Prefeitura do Recife, desenvolvido com o apoio técnico do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), pretende resgatar a função de moradia no Centro Histórico e atrair investimentos privados.

A proposta prevê a criação de 873 unidades habitacionais distribuídas em 12 edifícios do bairro de Santo Antônio, numa área hoje marcada por imóveis vazios ou subutilizados. O investimento estimado é de R$ 300 milhões, dentro de um modelo de concessão pública de 30 anos à iniciativa privada. A modelagem da PPP (Parceria Público Privada) está sendo conduzida pela Sedul (Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento) e pelo Recife Parcerias.

Felipe Matos
Segundo Felipe Matos, a iniciativa foca nos proprietários de imóveis que não se sensibilizaram com os incentivos anteriores de reocupação do Centro. “O projeto viabiliza tanto a ocupação de imóveis que não reagiriam, quanto melhorias de grande porte no entorno”, explica.

A iniciativa, no entanto, integra uma série de ações combinadas focadas no resgate da vitalidade do Centro do Recife. Entre as iniciativas já implementadas estão o incentivo tributário, criado em 2021, a instituição do programa Recentro, as previsões específicas incluídas na LUOS (Lei de Uso e Ocupação do Solo) para incentivo à moradia nos bairros centrais, a PPP (parceria público-privada) de locação social com subsídio ao aluguel e, mais recentemente, a aprovação da Política de Remissão de Débitos Tributário e Regulamentação da Desapropriação por Hasta Pública. Essas duas últimas leis, por exemplo, buscam facilitar a regularização de imóveis e estimular novos usos na região, além de permitir que edificações abandonadas sejam leiloadas.

“Estamos tratando dessa questão de reocupar o Centro há muito tempo, desde o incentivo tributário de 2021, mas esse projeto do Distrito Guararapes vem coroar todo esse plano”, lembrou o secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento do Recife, Felipe Matos. Ele explica que o foco desse projeto são justamente os imóveis que não se sensibilizaram com incentivos anteriores de reocupação do Centro, em razão de entraves jurídicos e fundiários – como casos de massa falida, espólios ou propriedades com múltiplos donos. A proposta prevê a desapropriação desses edifícios e a entrega ao concessionário responsável pelo desenvolvimento imobiliário, com foco em habitação. “O projeto viabiliza tanto a ocupação de imóveis que não reagiriam, quanto melhorias de grande porte no entorno.”

No anúncio do programa, a Prefeitura do Recife informou que os apartamentos serão ofertados por meio do MCMV (Programa Minha Casa, Minha Vida). Ao todo, 66% das unidades serão destinadas à Faixa 3 do programa, voltada a famílias com renda de R$ 4,7 mil a R$ 8,6 mil, enquanto que 34% à Faixa 4, para rendas de até R$ 12 mil. O valor médio de cada imóvel deve ficar em torno de R$ 310 mil.

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Projeção do Distrito Guararapes

O projeto, no entanto, propõe uma requalificação urbana ampla, que inclui melhorias no calçamento, novas ciclovias, estações de BRT, uma cinemateca e espaços culturais. O modelo prevê que o lucro obtido com o desenvolvimento imobiliário cubra os custos das intervenções e da manutenção do espaço público ao longo do contrato.

NOVA VOCAÇÃO

A área de abrangência do projeto é imensa. Foram estudados 33 hectares do bairro de Santo Antônio, sendo demarcados como perímetro do Distrito Guararapes 18 hectares. “O projeto de requalificação urbana almeja transformar esse perímetro, para que não seja só de passagem, mas destinado à moradia”, resume Sandra Pires, sócia-diretora da Pires Advogados & Consultores, integrante do consórcio responsável pelo masterplan do Distrito Guararapes.

Sandra Pires 1
"O projeto de requalificação urbana almeja transformar esse perímetro, para que não seja só de passagem, mas destinado à moradia."
Sandra Pires

Ela explica que a proposta busca equilibrar preservação do patrimônio e renovação urbana. Além das intervenções habitacionais, Sandra destaca que o projeto contempla a criação de novos espaços culturais e de convivência. Alguns dos destaques são um palco flutuante e um deck às margens do rio, integrando o bairro de Santo Antônio à paisagem natural. A requalificação de praças como a da Independência e do Sebo estão no pacote de mudanças, bem como a recomposição de manguezais.

“Queremos resgatar a relação do Centro com o rio, criando orlas, decks e espaços culturais como o palco flutuante”, explica Sandra Pires, que tem grandes expectativas com a implementação do Distrito Guararapes como mais uma peça para recomposição do Centro do Recife. Ela explica que uma dessas novas estruturas estará na Rua Martins de Barros, formando a chamada Orla do Sol Nascente, e a outra na Rua do Sol, que dará origem à Orla do Sol Poente.

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Projeção da Rua do Sol

Um dos entusiastas da iniciativa é o consultor empresarial Francisco Cunha, que é arquiteto e urbanista de formação. Ele considera que esse projeto nasce de um clamor da cidade do Recife, especialmente pelo comércio e pelo setor de tecnologia, que já estão presentes na região central. “Esse bairro precisa ser recuperado para que ele possa servir à cidade como já serviu em tempos anteriores, quando foi praticamente o centro dos serviços e do comércio. Agora, os prédios desocupados podem ser reocupados, colocando de pé uma outra vocação. Se a vocação histórica foi de serviços, essa nova deve ser de moradia”.

EXPECTATIVA PELO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E URBANO

Além do impacto urbanístico, a iniciativa busca retomar o espírito original da Avenida Guararapes e da Dantas Barreto, que nos anos 1930 e 1940 simbolizavam a modernidade recifense, com edifícios de uso misto e intensa circulação de pedestres – características que agora voltam a inspirar o desenho do Distrito.

Avenida Guararapes Santo Antonio
Avenida Guararapes Antigamente

A região não foi abandonada ao longo do tempo apenas pelos moradores mas, também, pela atividade empresarial. A escassez de áreas de estacionamento e o boom dos shoppings centers, pouco a pouco, foram levando muitos investimentos imobiliários e comerciais para outros polos, como Boa Viagem.

O investimento massivo pelo Distrito Guararapes, associado à recuperação de outras áreas da região central – como o crescimento contínuo do Porto Digital no Bairro do Recife e a nova dinâmica do Cais de Santa Rita, como o Novotel e o Recife Expo Center – tende a atrair novos empreendimentos ao bairro, mesmo na área fora dos 33 hectares. 

A proposta também tem repercutido positivamente entre representantes do setor da construção civil. Segundo Felipe Matos, a prefeitura já dialogou com grupos de construtoras e percebeu interesse no potencial do projeto para valorizar o entorno da Avenida Guararapes. 

A expectativa é que a iniciativa estimule novos empreendimentos e reaqueça a dinâmica econômica da área central, contribuindo para o redesenho do perfil urbano e comercial do Recife. “A nossa percepção é que esse projeto vai ajudar a levantar o entorno da Av. Guararapes. Vários deles demonstram interesse e curiosidade. É mais um projeto que faz parte de um conjunto de ações que a gente espera que consiga levantar de vez o Centro do Recife”, declarou Felipe.

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Projeção do Distrito Guararapes

Além dos atrativos oferecidos pela prefeitura para os projetos de retrofit, há um alto interesse da população recifense em morar na região. Uma pesquisa deste ano da UniFafire, com moradores da região metropolitana, apontou que 27% demonstraram disposição para viver na área central, desde que houvesse melhorias, especialmente em segurança e infraestrutura.

Outra revelação do estudo, que evidencia o potencial para novos projetos imobiliários na região, é que 41% dos entrevistados declararam que se inscreveriam em um programa de moradia acessível no Centro. Além disso, 86% afirmaram apoiar a reutilização de edifícios abandonados.

VISÃO URBANÍSTICA E IMPORTÂNCIA HISTÓRICA

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Projeção da Praça da Independênci

Como se trata de uma das primeiras regiões ocupadas na cidade do Recife, pelo bairro de Santo Antônio desfilou muito da história dos heróis e das revoluções pernambucanas. Muito da modernidade da cidade no século passado também foi experimentada pelos recifenses décadas atrás, antes do seu declínio. Uma fase que deixa muitos moradores da cidade nostálgicos e entusiasmados com a sua possibilidade de ressurgimento.

Para Francisco Cunha, o bairro de Santo Antônio é praticamente um “museu vivo da história do Brasil”, palco de episódios marcantes da trajetória nacional. “Recuperar aquela área é não apenas um resgate para a cidade, mas também para o País”, afirma. Segundo ele, o projeto dialoga diretamente com o plano estratégico coordenado, a pedido da Prefeitura do Recife, pela Aries (Agência Recife para Inovação e Estratégia), que traça diretrizes de longo prazo para a revitalização do Centro.

Francisco Cunha TGI Consultor
Francisco Cunha destaca que a parceria público-privada seja conduzida com rigor técnico, financeiro e operacional. “É essencial que a modelagem e a execução da PPP sejam bem amarradas, para que a recuperação seja referência para o Recife e sirva de exemplo para o País.”

Ele avalia que o projeto  Distrito Guararapes se destaca por adotar referências modernas de requalificação urbana, inspiradas em experiências como o Porto Maravilha (Rio de Janeiro) e projetos de São Paulo. O consultor considera que a proposta está “muito bem alicerçada tecnicamente” e representa uma oportunidade rara de reconectar o Recife ao seu Centro Histórico.

DESAFIO PARA O EMPREENDIMENTO

Além de vencer todas as etapas burocráticas, garantir empresas interessadas no empreendimento e, finalmente, ver os investimentos aplicados nesse território, o caminho é longo e cheio de percalços. Para reviver tempos áureos dessa região, Sandra Pires apontou dois desafios que considera fundamentais serem observados de perto pelo poder público e pela população.

O primeiro desafio, de ordem prática, é executar as intervenções sem paralisar o bairro de Santo Antônio. Por se tratar de uma área central, marcada por trânsito intenso e forte dinâmica comercial, o projeto exige planejamento cuidadoso para que as obras avancem de forma eficiente, mas sem comprometer o cotidiano dos moradores, comerciantes e trabalhadores da região – um equilíbrio essencial para o sucesso da requalificação.

O segundo desafio diz respeito à complexidade de gerir um contrato de longo prazo como o do Distrito Guararapes. Para Sandra Pires, é indispensável que o poder público mantenha comprometimento contínuo e monitoramento eficiente durante todas as fases do projeto, garantindo que as metas previstas sejam efetivamente cumpridas e que a transformação planejada se consolide ao longo dos anos.

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Projeção do Distrito Guararapes

“Por ser um contrato de 30 anos, é fundamental que as próximas gestões sigam tão empenhadas quanto esta para implementar o projeto. A vontade política precisa estar presente do início ao fim, com rigor no acompanhamento da realização do contrato.”

Francisco Cunha destaca que a parceria público-privada seja conduzida com rigor técnico, financeiro e operacional, assegurando que o investimento, de fato, gere transformação urbana e social. “É essencial que a modelagem e a execução da PPP sejam bem amarradas, para que a recuperação se torne referência para o Recife e sirva de exemplo para o País”, pontua.

PERSPECTIVAS E PRAZOS

Após a apresentação do projeto, a PCR abriu um período destinado à coleta de sugestões e contribuições da sociedade, que foi encerrado nesta semana. Segundo Felipe Matos, o próximo passo é consolidar as propostas recebidas e finalizar a modelagem até o fim deste ano. Concluída essa etapa, a proposta será submetida ao Tribunal de Contas do Estado, que avaliará a viabilidade técnica e financeira antes da abertura da licitação para compra das 14 edificações incluídas no escopo – 12 delas destinadas à habitação. A expectativa é que o documento definitivo contemple os ajustes técnicos e jurídicos necessários para que o projeto avance à fase seguinte.

Com o fechamento previsto para 2025, a Prefeitura planeja protocolar a proposta e submetê-la à avaliação dos órgãos competentes no início de 2026. Concluídas essas etapas, será aberto o processo de licitação, que deve selecionar a empresa ou consórcio responsável pelas intervenções. “Diria, de maneira razoável, que no início de 2027 podem estar começando as intervenções. Isso se tudo ocorrer bem”, estimou Felipe Matos.

O Distrito Guararapes é uma nova investida para dinamizar a região, mas seu sucesso dependerá da continuidade do compromisso público e da participação ativa da sociedade. Como em todo projeto de longo prazo, é fundamental que a população se aproprie da iniciativa, acompanhe cada etapa e mantenha o debate vivo sobre o futuro do bairro de Santo Antônio – um futuro que, se bem conduzido, pode recolocar o coração do Recife de volta ao Centro da vida urbana.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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