“Mudamos a realidade de mulheres” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Mudamos a realidade de mulheres”

Claudia Santos

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Segundo a Secretaria de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher de Itambé, o município tem um dos menores índices desse tipo de violência, porque 70% da população feminina conseguiu independência financeira. Uma das principais responsáveis por essa situação é a fábrica de confecção das marcas MM Special e Marie Mercié, fundada por Mércia Moura em pleno canavial. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a empresária conta como driblou a cultura patriarcal da cana-de-açúcar e ergueu uma indústria que produz 32 mil peças por mês, cresceu 9% em plena crise e deu perspectivas para mulheres e crianças.

Como foi a sua infância no campo?
Minha família é da região de Timbaúba, São Vicente, Macaparana, na Zona da Mata Norte. Nasci no Recife, mas morava no engenho que era de meu pai. Antigamente quem era do interior tinha o costume de ter filho na capital. Mais tarde, voltei ao Recife para estudar. Sou neta e filha de coronel. Meu avô é Severino de Melo Cavalcanti, irmão de José Francisco Cavalcanti, que já foi governador do Estado, pai de Joaquim Francisco Cavalcanti e tio de Moura Cavalcanti, uma família bem tradicional de cana-de-açúcar. Meu pai, Pedro Francisco de Andrade Cavalcanti, era médico e trabalhava em Nazaré da Mata. A gente ia para o Recife estudar e nas férias e final de semana voltávamos para o engenho. Timbaúba era meu lar e o Recife minha casa para estudar. Eu não era muito fã de ficar em uma fazenda quando mais nova. Porém tinha um lado muito bom: meus avôs moravam numa casa enorme, tiveram sete filhas e lá havia uma sala de costura. Minhas tias sempre gostaram de costurar, fazer crochê e eu gostava de ficar com elas.

Você chegou a fazer curso superior?
Estudei no colégio Damas, onde a gente só concluía o científico se fizesse um curso profissionalizante. Como gostava de desenhar, resolvi fazer desenho técnico na Escola técnica estadual da Encruzilhada. Depois fiz vestibular para desenho industrial, passei em segundo lugar na UFPE. Minha mãe queria muito que eu estudasse, mas abandonei o curso, porque casei com Paulo Fernando Melo de Moura. Meu pai disse que eu deveria casar logo e eu estava muito apaixonada. Fui morar no Engenho Pangauá, que pertencia a meu sogro e fica em Itambé. Lá era muito bucólico, mas mal cuidado, apesar de muito produtivo, por que não havia uma presença feminina. O local não me encantou, mas fui. Em 1978, tive meu primeiro filho, depois mais dois. Lá a televisão não funcionava, e rádio dava sinal com muita dificuldade.

Como começou a trabalhar com confecção?
Primeiro comecei a trabalhar com galinhas (risos). Meu sogro chegou um dia com a novidade de que o Bandepe estava com uma linha de crédito muito boa para criação de aves. Acabei implantando vários galinheiros na fazenda. Mas como é que uma pessoa com tendências artísticas como eu vai cuidar de galinha (risos)? Eu não estava realizada. Um dia, minha mãe estava em casa vendo minha rotina e disse a meu marido, que não havia me criado para aquilo. Bem, eu tinha quatro tias que vendiam fardamentos em Timbaúba e no Recife e minha mãe me incentivou a fazer o mesmo. Minha tia Emília conhecia uma pessoa em Santa Cruz do Capibaribe que havia fechado uma confecção e tinha umas três máquinas para vender. Aí comprei os equipamentos com o dinheiro que ganhei com as galinhas e os instalei na casa grande do engenho do meu sogro, que ele não utilizava mais.

Como começou a produção?
Chamei Nelita, que era uma pessoa que morava perto do engenho e fazia roupas para meus filhos. Mas precisava de mais pessoas. O problema é que os maridos não deixavam as mulheres trabalhar fora. Mesmo assim, consegui convencer cinco delas. Contratei o Sebrae para dar apoio técnico, porque na Zona da Mata não tem cultura de confecção. Depois fundamos a nossa própria escola de costura, onde pagamos um salário para incentivar as mulheres a aprenderem uma profissão. Quando as primeiras começaram a trabalhar, logo surgiram outras querendo também entrar na fábrica porque viram que era rentável. Iniciar a atividade era difícil naquela época, anos 80, quando na região só havia plantação de cana. O curso de desenho me deu base para fazer os modelos, assim como os dias passados na sala de costura de minha avó. Mas eu não queria fazer fardamentos como minha tias. Preferi me especializar na produção de camisas femininas brancas clássicas. Havia uma grande demanda dessas peças. Bem, meu tio se casou com uma japonesa, Kiko, em São Paulo, que era operária de uma grande fábrica. Pedi a ela ideias de como comprar tecidos. Fui com ela para a Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil), onde conheci Ieda Amaral que era a top da empresa Santista em pesquisa de tecido. Comecei a entender de moda, comprei livros e fiz cursos sobre o assunto. Então criei uma coleção inspirada nos anos 70, mas com as características nossas, usando pachwork, renda, gripi etc. A produção era pequena.

Como começaram as vendas?
Minha mãe sempre foi ousada, levou minhas peças para uma grande loja no Recife, a Ele & Ela, que pertencia a seu Assis Farinha. Ele gostou e disse que compraria toda a produção. Fiquei tão feliz! Nesse mesmo ano, o Sebrae promoveu a ida de pequenas empresas brasileiras para uma feira em Dusseldorf (Alemanha). Minha mãe me estimulou a ir. Mas quando falei com meu marido ele disse que só eu iria separada. Então minha mãe foi. Fomos a única empresa do Estado que vendeu na feira, rendendo matéria em jornais. No mesmo ano, aconteceu a Fenit e, no segundo dia da feira, vendemos toda a produção que equivalia a três meses. Pra gente foi um marco, não pela quantidade vendida, mas por sermos aceitas no mercado. Passei a vender para as lojas do bairro do Bom Retiro em São Paulo, que revendiam para o Brasil inteiro. Também participava de todas as Fenits e conquistei clientes fiéis em São Paulo. Eu morava e fabricava no engenho e a produção toda já estava vendida. A fábrica começou na casa grande, mas depois foi para a cocheira. Imagine! (risos) Era um grande galpão desativado. Fui fazendo algumas reformas ao longo do tempo para não descaracterizar o ambiente. Foram muitos puxadinhos (risos)

Hoje você tem lojas. Como foi esse processo?
Depois de um tempo percebi que meu mercado era mesmo em São Paulo. Eu vendia para essas lojas e elas colocavam 30% a 40% em cima do preço para vender para o varejo. Eu era o fabricante e eles, os atravessadores. Pensei: se estou vendendo pra eles revenderem, por que eu mesma não faço minha loja em São Paulo? A primeira foi no Bom Retiro. Hoje tenho três lojas de atacado em São Paulo: duas da marca MMSpecial, que comercializa roupas clássicas e branca e outra Marie Mercié, de roupas coloridas. Muitos clientes queriam fazer franquia da minha marca. Aí pensei: como eu posso vender franquia se eu não sei o que é varejo? Então abri a loja no Shopping Recife e ao mesmo tempo veio a oportunidade de instalar outra também no RioMar. Elas são um modelo de negócios para, no futuro, eu abrir unidades em todos os shoppings do Brasil. São uma escola para trabalhar.

Esses são seu planos para o futuro?
Sou sempre realista e otimista, quero no próximo ano instalar uma loja no Shopping Iguatemi de São Paulo e em três anos quero uma loja em Paris. Já sei o lugar: na Rua Saint-Honoré. Já vi preço, vi que dá pra fazer. Não sei ainda se farei franquias, mas abrirei lojas nos shoppings em todo o Brasil, sejam lojas próprias ou franqueadas.

Quantos empregados você tem hoje?
Cerca de 300. O que eu construí não se resume a um sucesso financeiro, mas junto com minha filha e noras, que agora trabalham comigo, construímos a vida de muitas pessoas. Há uma vila ao lado da fábrica que é a coisa mais linda. É a Vila Caricé. Antes ela só tinha uma rua, mas nossas trabalhadoras começaram a morar lá e o local foi se desenvolvendo. Conseguimos no governo de Joaquim Francisco, desapropriar uma terra de 500 hectares, vizinho a nossa propriedade, onde 25 moradores do Engenho Panguá ficaram donos de 2 hectares. Essas terras uniram-se à vila que hoje conta com 3 mil habitantes. No engenho também foi construída, por meu sogro, a escola Itamir Cézar de Moura, que nós reformamos e ampliamos. Possui mais de 100 alunos que estudam até o ensino médio. Hoje a gestão é da prefeitura, que também oferece condução para quem cursa o ensino superior na cidade. Geralmente quem mora em fazenda sai do campo para viver na cidade. Mas agora vem gente da cidade para morar no engenho. Muitas mulheres que trabalham na fábrica não sabiam o valor delas, porque eram desvalorizadas pelos maridos. Hoje conseguimos mudar a realidade das mulheres da região e muitas ganham mais que seus esposos.

Homens trabalham também na fábrica?
Inicialmente eram somente mulheres. Mas algumas delas levavam para casa roupas para retirar fiapos que ficavam dos bordados. Os homens começaram a fazer esse trabalho também e chegaram até a bordar à mão. Seu Biu, por exemplo, era um trabalhador da lavoura aposentado que começou a ajudar a filha que bordava em casa. Além disso, muitos homens que trabalhavam na cana foram para a fábrica e estão muitos felizes. Existem casas, onde moram cinco pessoas que trabalham na fábrica. Muitos têm carro, televisão, são donos de sua própria casa. Eu não dei nada, eles é que conquistaram.

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