“Você é mais forte do que acredita. Você é mais poderosa do que imagina”, diz a treinadora da Mulher-Maravilha no novo filme da DC Comics. Na trama, mulheres vivem reclusas em uma ilha e a heroína é destinada a acabar com a guerra no “mundo dos homens”. É a primeira vez que a personagem ganha um filme desde a criação do seu quadrinho em 1941.
Na ilha de Themyscira, mulheres massacram invasores e acham homens desnecessários para o prazer. Quando vai ao mundo “real”, Diana (alter ego da protagonista) é coberta com roupas sufocantes para não despertar desejos, é assediada nas ruas e constantemente subestimada por ser mulher.
Diana é autoconfiante. Aprendeu a ser ao ver as mulheres ao seu redor lutando, sendo líderes e comandando uma nação. Quando ouve que é preciso achar o “cara certo” para salvar o mundo, prontamente (e ironicamente) responde que ela “é o cara”.
Ter autoestima é complicado quando crescemos ouvindo que mulher é o “sexo-frágil”. Um estudo conduzido na University College London mostrou que, apesar de não haver diferença de gênero quando se trata de inteligência, homens tendem a se perceberem mais inteligentes do que são e mulheres fazem o contrário ao redor do mundo. Elas subestimam suas habilidades, enquanto eles as inflam e ambos veem, erroneamente, seus pais, filhos e avôs como mais inteligentes que suas filhas, mães e avós. Mulheres se enxergam menos. Se acham feias, menos úteis e menos competentes, mesmo quando a verdade é o oposto.
Eu vejo esse estudo dar as caras diariamente. Como fazer o contrário quando somos bunda e peitos antes de sermos mente? Onde “mulherzinha” é fraqueza e “ser homem” é bravura?
O especialista em gestão indiano Raj Sisodia tem ecoado no mundo ao falar sobre a “liderança Shatki”, um equilíbrio de energias femininas e masculinas dentro das empresas. O nome homenageia a entidade indiana que é metade homem (Shiva) e metade mulher (Shatki).
Na tradição indiana, todos os seres possuem as duas energias dentro de si, mas o mundo patriarcal desvaloriza as femininas (listadas como poder criativo, sabedoria e prosperidade) e valoriza as masculinas (como coragem, foco e agressão). Para Raj, as organizações do século 21 precisarão unir as duas energias, seja dentro das pessoas - permitindo os homens despertarem a energia feminina, por exemplo - e na empresa, com mais mulheres no topo.
Não venho dizer que um mundo governado por mulheres seria o ideal. Unir as duas forças é o único caminho para empresas mais prósperas e um mundo mais equilibrado. Mulheres e homens. Gays, trans, cis, negros, índios, orientais, ocidentais, brancos...
“Cada um está vivendo sua batalha” diz, no filme, o soldado que queria ser ator, mas “não tinha a cor certa”. Imagine só, se a batalha de um fosse sempre a batalha de todos. Uma humanidade que abarca todas as lutas não nos cansaria individualmente em falar apenas para quem nos entende.
Mulher-Maravilha não é um filme isento de sexismos. Nossa heroína ainda salva o mundo seminua, para começar. Mas é o primeiro longa de quadrinhos dirigido por uma mulher, Patty Jenkins, que bateu recordes de bilheteria e limpou a barra da DC após os seus últimos fracassos. Além disso é, sim, uma visão feminina sobre o que é ser mulher “no mundo dos homens”.
As protagonistas da minha infância não eram chamadas de heroínas. Eram princesas adormecidas, presas nos castelos, com vestidos pomposos demais para salvar o dia. Suas maiores ambições eram encontrar o príncipe. Enquanto eles se tornavam heróis, minhas princesas se enfeitavam e eram invejadas por irmãs mais feias, mais gordas e menos loiras. Eram sereias à espera de quem lhe desse pernas para andar. Não é à toa que passamos a vida ouvindo “já pode casar” quando fazemos algo bom. Agora podemos trocar para “já pode arrumar um emprego”, que tal?
As luzes acenderam, olhei para o lado e vi minhas amigas. Mulheres-maravilha da vida real que haviam me alertado que precisamos dizer umas às outras que somos fortes e belas. Porque o mundo muitas vezes nos diz o contrário. Pensei na minha mãe, amazona-mor, guerreira que não larga o osso. Pensei em Daniela e Mariana e no nosso trabalho no ensino médio quando, na ocasião, enforcamos barbies e questionamos as histórias que nos eram contadas na infância.
Pensei em todas as amazonas que me cercam. Quis dizer para cada uma: “Você é mais forte do que acredita. Você é mais poderosa do que imagina”. Porque são. E se a Mulher-Maravilha é, hoje, quem engrossa esse coro, eu abraço a personagem com orgulho.
Pensando bem nas mulheres da minha vida, elas bem que poderiam governar o mundo.
*Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais