*Por Beatriz Braga
Sou mulher. Logo, não sou suficiente. Minha pele, minha bunda, meu cabelo, as marcas da minha vida são demasiadamente brutas. Devo escondê-las, podá-las, vestir a máscara. Afinal, o que será de uma mulher sem suas máscaras?
Semana passada, foi o casamento de uma amiga. Meu tempo estava curto. Trabalhei o sábado inteiro e havia marcado para fazer cabelo e maquiagem assim que conseguisse largar o osso. Pouco tempo antes da cerimônia, meu namorado descansava com os pés para cima. Enquanto isso, eu deixava meu cabelo mais ondulado, minha pele mais homogênea, meus cílios maiores, meu rosto mais fino e minha boca mais desenhada.
Perdi a cerimônia. Ao justificar o atraso, me ouvi dizendo que precisava “virar gente” depois de um final de semana na labuta. Mentira. Eu perdi de ver a minha amiga entrar na igreja porque entrei no modo automático de achar que não sou suficiente.
Ainda estou buscando a resposta perfeita para a pergunta da minha médica: “Alguém já fez seus seios?”. Fiquei confusa. “Quem fez o que?”. “Posso indicar o meu médico, foi o mesmo da minha filha”. Ah, entendi. “Fazer os seios” significa deixá-los empinados e simétricos. Afinal, os famigerados 30 anos estão por vir.
Não foi por falta de aviso. “Mulher sofre para ficar bonita”, passamos a vida escutando. Entramos, sem perceber, no looping do sacrifício. Se antes estávamos presas ao tanque de lavar, hoje vivemos acorrentadas à indústria da moda, da dieta, dos cosméticos e dos padrões inalcançáveis.
Enquanto os homens ostentam roupas repetidas, cabelos brancos e rugas, tranquilamente. Nós continuamos na corrida contra a idade, contra a natureza e, na verdade, contra nós mesmas.
Simone de Beauvoir acreditava na analogia da boneca. Enquanto os meninos são incentivados ao movimento e à virilidade, as garotas são instruídas a se enxergarem como bonecas vivas. Aprendemos a nos objetificar muito cedo, exatamente como os homens fazem.
Essa é uma forma de opressão. Viramos carros alegóricos, ornamentos. Nesse processo, perdemos tempo, dinheiro e liberdade. Aquele velho clichê da mulher do filme de comédia romântica que acorda sorrateiramente antes do parceiro para “ajeitar a cara” e fingir que já levanta plena.
Pierre Bourdieu dizia que, dentro da sociedade, ser mulher é saber “fazer-se pequena”. Pois é. Ao mesmo tempo em que os homens alargam seus gestos, abrem as pernas, levantam a cabeça e ocupam espaço, a mulher é ensinada a se comprimir.
Podemos tentar nos livrar do conceito de “ser feminina”, mas o mundo sempre vai empurrar “útero abaixo” a lista infinita a que estamos atreladas. Unhas pintadas, pelos arrancados, sobrancelhas feitas, pele bronzeada, malhada, botox, lipo, silicone, cabelo hidratado, maquiagem, peeling, calcinhas apertadas, salto alto, regime, joia. Além de ser meiga, charmosa, bem comportada e discreta.
As que fogem ao padrão são chamadas de “não mulheres”, “não femininas”. Enquanto a indústria da beleza fatura milhões, continuamos a ser domesticadas.
É preciso sair do automático, tirar a boneca da prateleira. Esse é meu compromisso a partir de agora, minha meta prematura de ano novo. Buscar o que está do outro lado dessa realidade misteriosa e superficial do conceito do feminino. Para encontrar a minha versão natural e animalesca tão criticada.
Um grito de liberdade pode surgir ao criarmos consciência do controle que há sobre nós e do controle que podemos passar a ter sobre nós mesmas. Esta não é uma ode contra à vaidade e o ego. Cuidar da gente e se sentir bonita faz muito bem.
Esse é um apelo ao consumo são e às escolhas feitas de dentro para fora, com liberdade e prazer, sem imposições. Ser mulher deve significar expandir-se e não o contrário.
Para começar, aceitemos melhor - e com mais carinho - a chegada dos nossos pelos, rugas, celulites e assimetrias. Um encontro real com o espelho, é este o nosso emponderamento. Para que sejamos, enfim, suficientes.
*Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais