O secretário de segurança cidadã do Recife, Murilo Cavalcanti, lançou ontem o livro Conexão Recife Medellín Compaz. A publicação, editada pela Cepe, traz entrevistas e artigos sobre a experiência dos Centros Comunitários da Paz e das inspirações que vieram da Colômbia para o desenvolvimento desse projeto na capital pernambucana.
“Não fizemos um prédio, mas um projeto de transformação”, disse Murilo Cavalcanti na abertura do evento. Apesar do livro ter sido feito em pouco tempo, a trajetória do secretário no urbanismo social e nas estratégias de combate à violência tem mais de 19 anos, quando sua irmã foi baleada em um assalto e ficou paraplégica. Desse episódio trágico, ele decidiu transformar aquela dor em luta. “Nossa família não poderia transformar em raiva e ódio o que aconteceu com ela. Fui estudar, fui viajar o mundo para aprender. Após um caderno especial do Jornal do Commércio fui para Bogotá e de lá me disseram para visitar Medellín, que tinha um projeto mais pedagógico e profundo. E lá conheci Jorgue Melguizo e tantos amigos”. Foram desde então 38 viagens para a Colômbia e já quase 10 anos na Secretaria de Segurança Cidadã (entre as gestões de Geraldo Julio e João Campos), que as histórias e experiência dessa publicção foram se tornando realidade.
O evento de lançamento foi bastante prestigiado, com a presença de muitos representantes da classe política pernambucana, como o prefeito do Recife, João Campos, a vice-prefeita Isabella de Rodão, secretários e parlamentares municipais, estaduais e federais. Na mesa de debatedores e na plateia estavam também comitivas da Colômbia, vindas de Medellín, e da cidade mexicana de Iztapalapa (México). A prefeita Clara Brugada Molina, inclusive, participou do painel, contando a experiência de transformação urbana do seu município, que integra a Região Metropolitana da Cidade do México e abriga mais de dois milhões de habitantes.
Igual ao Recife, a cidade de Iztapalapa também se inspirou no modelo de desenvolvimento e enfrentamento à violência da cidade colombiana de Medellín, que até os anos 90 tinha os maiores índices de criminalidade do mundo. No caso mexicano, Clara, que está no segundo mandato, destacou duas experiências: o projeto Utopias (Unidades de Transformación y Organización Para la Inclusión y la Armonía Social, traduzido como Unidades de Transformação e Organização para a Inclusão e Harmonia Social) e o Camino Mujeres Libres y Seguras (Caminho Mulheres Livres e Seguras). “Tomando em conta o direito à cidade e do espaço público, vimos grandes lugares que poderíamos transformá-los no meio de comunidades muito pobres. Já inauguramos 8 Utopías e o que fizemos de Iztapalapa? A prefeitura de maior infraestrutura desportiva, cultural e recreativa de toda a Cidade do México. Elas são grandes complexos, de maneira integral, muito parecida com o que temos aqui no Compaz”, contou Clara Brugada. É possível conhecer mais sobre o Utopias no site: https://www.utopiasiztapalapa.com/
Representando a Colômbia, estiveram presentes Jorge Melguizo (ex-secretario de cultura cidadã de Medellín), Carlos Mario Rodriguez (arquiteto e urbanista), Camila Uribe (diretora da Casa de las Estrategias de Medellin) e Cielo Holguín (diretora da Fundação Oásis Urbano e líder comunitária do bairro da Morávia, antigo lixão de Medellín). Todos escreveram artigos dentro da publicação e brevemente trouxeram suas experiências sobre a transformação urbana e social da cidade colombiana.
Em sua fala no painel e na entrevista concedida antes do lançamento, Melguizo destacou o desafio de construir esses projetos como a construção de um prédio em uma zona de terremotos. A ilustração é para explicar que o Compaz, o Utopias ou as inúmeras experiências de Medellín precisam atravessar os diferentes momentos políticos de suas cidades sem ser descontinuados. “Precisamos fazer com que esses projetos aguentem os tremores das mudanças de dirigentes e cores políticas das cidades. Precisamos construir esses projetos para que não caiam nos terremotos. Para isso as sociedades precisam de transformações culturais, construir novas cidadanias. Os Compaz, as Utopias e os projetos de Medellín se converteram na América Latina em fábricas de cidadania, isso é o mais importante. Todo projeto deve ter como resultado o fortalecimento de organizações comunitárias nos bairros onde estão. É preciso fortalecer essas organizações”.
O prefeito João Campos, que anunciou durante o evento a construção de 4 novas unidades do Compaz, destacou que um dos diferenciais da inspiração de Medellín é que se trata de um processo urbanístico de sucesso em uma cidade latino-americana, que tem problemas e desafios semelhantes aos do Recife. “Quando se conhece uma experiência na Europa ou Estados Unidos, pensamos que eles têm 150 anos na nossa frente de infraestrutura e de gestão de cidades. É uma coisa muito distante. Quando vemos a experiência de Medellín, vemos que os problemas são muito parecidos com os problemas brasileiros. A realidade latina se faz muito presente. E vemos que há um caminho de solução estruturado. Uma mudança que começou há 30 anos, 25 anos para cá. Quem conhece Medellín se pergunta: se aqui foi feito, porque não transformamos o Brasil? É algo possível e necessário”.
Nas três experiências apresentadas no seminário de lançamento (de Medellín, de Iztapalapa e do Recife) existem conceitos inovadores nas suas raízes, que contrastam com as fórmulas de construção das cidades e de combate à violência típicas das últimas décadas. Um outro ponto em comum na fala de todos os coautores do livro foi o ingrediente do engajamento e da emoção na condução desses projetos, cheios de testemunhos pessoais e de outros sonhos que ainda estão em construção.