Museus em busca da sustentabilidade

*Por Rafael Dantas

Há duas décadas, alguns dos museus mais relevantes de Pernambuco nem sequer existiam. Os mais tradicionais, mesmo com acervos importantes, contavam com poucas tecnologias embarcadas e público reduzido. Também não havia formação específica de profissionais para a área. Um cenário que mudou bastante. A abertura do Instituto Ricardo Brennand (IRB), que já recebeu quase 2,7 milhões de pessoas, dos inovadores Cais do Sertão e Paço do Frevo e a criação do bacharelado em museologia da UFPE são algumas das estruturas que fizeram a diferença e contribuíram para qualificar o setor. Apesar dos avanços, os especialistas ressaltam que os desafios para atrair visitantes, para usar ferramentas digitais e obter sustentabilidade financeira ainda estão longe de ser superados.

Num cadastro realizado pelo Ibra (Instituto Brasileiro de Museus) em 2015 foram mapeadas 117 instituições em Pernambuco. De acordo com a museóloga e mestre em antropologia Regina Batista, a maioria está localizada na Região Metropolitana do Recife ou na Zona da Mata. “O cenário museológico de Pernambuco cresceu muito em número de instituições, em quadro de profissionais qualificados e em visitação. Hoje estamos bem-dotados de acervos históricos, mas ainda há muita coisa para, de fato, mostrar a representatividade de Pernambuco”, analisa Regina. A museóloga atua em dois novos projetos: a implantação de um museu em Triunfo, que contará a história e costumes da cidade, e a elaboração de estudos para um espaço museológico comunitário na Ilha de Deus, no Recife.

Há que se considerar também os conjuntos arquitetônicos do Recife Antigo e de Igarassu. “São verdadeiros museus a céu aberto que possuem material suficiente para um dia inteiro de visitação”, destaca Gilberto Freyre Neto, coordenador de projetos da Fundação Gilberto Freyre e membro do conselho curador do Museu do Estado (Mepe). Ele aponta ainda acervos ricos, mas pouco conhecidos do público em espaços tradicionais como o próprio Mepe. Instituições menores, como o Cícero Dias, em Escada, que guarda parte das obras do artista plástico, estão ainda mais distantes do olhar dos pernambucanos.

Embora tenha crescido o número de visitantes, o patamar ainda não é o ideal na maioria das instituições. Segundo Regina Batista, os indicadores de público em Pernambuco não se comparam aos da Europa e dos Estados Unidos. E aponta fortalecimento do setor como um dos pilares para o crescimento do turismo local. “O Estado tem um litoral lindo. Mas praia e água de coco não mostram a identidade de um povo. Os turistas sentem a necessidade de um mergulho na história, cultura e costumes locais. E os museus são os espaços que cumprem esse papel no suporte ao turismo e ao entretenimento”, afirma a consultora.

Poucos museus pernambucanos, segundo Freyre Neto, conseguem cumprir com eficiência seus três papéis básicos. “O primeiro é a preservação do acervo. O segundo é educação e o terceiro está relacionado à pesquisa das suas coleções. A primeira razão de sua existência é guardar, a segunda é transformar em conhecimento e a terceira é descobrir porque as coisas estão daquele jeito”.

A falta de recursos, problema enfrentado por instituições em todo o mundo, faz com que os dirigentes desses espaços escolham apenas um dos focos. E vários deles optam pelo educativo. Daí, a presença de tantos estudantes circulando diariamente nos museus pernambucanos. Além da iniciativa dos docentes, de montarem os grupos de alunos e mobilizarem os pais para financiarem a aula-passeio, as próprias instituições se esforçam para receber o público estudantil (veja em nosso site conteúdo sobre essas iniciativas: mais.pe/escolasnomuseu). Especialistas acreditam serem as crianças as principais mobilizadoras para que seus familiares visitem as exposições nos finais de semana.

Maria Soledade, professora de história do EREM João Cavalcanti Petribú, em Carpina, trouxe em junho um grupo com 52 alunos do ensino médio para o IRB. Em anos anteriores já havia levado os estudantes para o Palácio do Governo e para o Museu de Arqueologia da Unicap. “Nessas visitas eles veem muita coisa do que apenas sistematizamos em sala de aula. Perguntam bastante. Além do aprendizado direto, nosso objetivo é fazer com que eles sintam prazer em frequentar esses lugares de cultura”, explica.

PROFISSIONAIS
A ausência de um corpo técnico é outra causa que impede o desenvolvimento dos três eixos apontados por Freyre Neto. A equipe que atua num museu é multidisciplinar, composta por museólogos, especialistas em restauro, em conservação, designers, educadores, entre outros. E para manter esse quadro, os gestores de museus, mais uma vez, esbarram na escassez de financiamento.

“A falta de recursos impõe ainda restrições nos horários de funcionamento (muitos museus não abrem no fim de semana). Também impede a contratação de equipes para executar ação educativa e inviabiliza campanhas de comunicação para fazer o marketing das exposições e eventos. Essas ações são cortadas para a instituição continuar existindo”, lamenta o especialista.

Para Freyre Neto, dois grandes modelos de financiamento do setor são o francês, que é custeado integralmente pelo poder público, e o norte-americano, que depende dos aportes e da gestão da iniciativa privada. O Brasil não tem tradição da presença forte do Estado na promoção da cultura nem da figura do mecenas particular que faça investimentos, salvo raras exceções. Para superar esse impasse, o especialista sugere a construção de um sistema híbrido. “Um modelo misto, com o poder público e a iniciativa privada dividindo responsabilidades no financiamento e na gestão desses espaços”, propõe Freyre.

Além de buscar um modelo adequado de custeio, museus do mundo inteiro passam pelo desafio de inserir recursos tecnológicos para atrair visitantes aos seus acervos. Com crianças e adolescentes nativos digitais, a formação do público mais jovem passa também pelas novas linguagens mais interativas proporcionadas pela tecnologia.

No Recife, o Cais do Sertão é um dos destaques nessa área. Projeção, totens interativos e cabines para ouvir − e até cantar ou tocar − o melhor da música de Luiz Gonzaga são algumas das atrações oferecidas ao público. O espaço, inclusive, está levando uma experiência inovadora para a periferia: a intervenção Cubo Sertanejo permite a moradores fazer uma visita ao museu por meio do uso de óculos de realidade virtual.

Museu Cais do Sertão. Foto: Tom Cabral

A digitalização dos acervos e a sua visualização online são um caminho percorrido por algumas instituições. A Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), por exemplo, criou a Villa Digital, espaço com computadores para acessar fotos, vídeos, documentos e partituras históricas do seu imenso acervo fonográfico e de imagens. Parte desse conteúdo também está disponível no seu site na internet. Uma das novidades mais recentes é a inclusão de exposições de vários museus no Google Arts & Culture. O Paço do Frevo e o Mamam (Museu de Arte Moderna) já aderiram à inovação.

As novas tecnologias, de acordo com o professor do curso de museologia da UFPE Renato Athias, auxiliam também na formação do acervo. Athias faz uma pesquisa em museus do mundo inteiro para recuperar digitalmente peças históricas das etnias pernambucanas e brasileiras. Muitos desses materiais foram levados para os Estados Unidos e a Europa séculos atrás.
“Meu projeto de pesquisa visa a repatriação de objetos xamânicos que se encontram no exterior e levá-los de maneira virtual para regiões indígenas de origem. Fazemos também impressão em 3D dos objetos, que circula em diversas aldeias”, conta Athias. Ele afirma que alguns desses objetos já não são mais produzidos por esses grupos. O projeto cria também exposições desses catálogos virtuais nas aldeias.

A graduação em que Renato Athias leciona é uma das estruturas que têm colaborado para o novo cenário dos museus. Com 10 anos de funcionamento, a maioria dos alunos concluintes têm atuado na área, de acordo com o docente, apesar da escassez de concursos públicos.

Além da formação de mão de obra para Pernambuco, o curso tem atraído estudantes de outros Estados devido ao perfil ancorado nas ciências sociais já que a maioria das graduações do País está mais conectada ao campo das ciências da informação. “Neste ano, inclusive, a UFPE será a sede do Encontro Nacional de Estudantes de Museologia”, informa o professor.

PARA SEDUZIR O PÚBLICO

Leonardo Dantas, pesquisador do Instituto Ricardo Brennand. Foto: Tom Cabral

Apesar do número de visitantes nos museus pernambucanos estar aquém do ideal, houve um aumento no índice de visitação nos últimos anos. Os gestores de todas as instituições entrevistadas pela reportagem Algomais constataram que Pernambuco começa, de fato, a criar um público mais fiel. Nos cinco primeiros meses do ano, o Instituto Ricardo Brennand, por exemplo, recebeu 66,6 mil pessoas. Considere-se que o local só funciona no turno da tarde, não tem linha de transporte público para seu acesso, cobra pelo ingresso e está há cerca de 15 quilômetros do Centro do Recife.

Qual o segredo do sucesso? O interesse do público pelo conjunto de peças expostas é um dos motivos desse fenômeno. “Recebemos visitas constantes de grupos até dos Estados vizinhos interessados principalmente no nosso acervo permanente”, avalia o pesquisador do instituto Leonardo Dantas.

Ele aponta como destaques os 18 quadros do pintor holandês Frans Post e uma das maiores coleções de armas brancas do mundo. Os acervos sobre a história do açúcar e do Brasil Holandês também são responsáveis pela atração do público. “Nosso objetivo é despertar na comunidade o gosto e o amor por sua própria cultura”, afirma Dantas. O arrojo do espaço na disseminação cultural foi marcado já na sua inauguração, quando trouxe uma exposição itinerante do pintor Albert Eckhout.
O Museu da Cidade do Recife também tem sido mais visitado. Entre 2016 e 2017 teve um crescimento de público de 17%. Nos primeiros cinco meses de 2018 já recebeu 14,6 mil pessoas. “Estamos percebendo uma mudança no hábito do recifense. Eles estão buscando conhecer mais a cidade e visitar os principais pontos turísticos”, constata a gerente Betânia Correia.

Como o museu está instalado no Forte das Cinco Pontas, no coração da Cidade, onde circula muita gente, Betânia acredita que o espaço passou a atrair o público transeunte. “Notamos também que muitas crianças que visitam o local pela primeira vez nas excursões das escolas estão levando seus pais e familiares nos fins de semana para conhecer nossas instalações”, acrescenta.

Oferecer ao público experiências que vão além da contemplação do acervo também tem sido uma boa estratégia para conquistar visitante. É o caso do Paço do Frevo, que recebeu a visita de 49 mil pessoas entre janeiro e maio deste ano. “Há uma mudança em curso. Os visitantes que costumavam apenas frequentar (ir e olhar), agora, querem participar (comentar, contribuir, criar). Nesse contexto, os museus precisam ser indutores de novas relações”, analisa Eduardo Sarmento, gerente geral da instituição. Entre as ações nesta direção está o projeto Vivências de Frevo, que ensina ao público passos da dança. Há também o Observatório do Frevo, um programa que tem estimulado a realização de pesquisas, debates e produção de conteúdos relacionados ao ritmo musical.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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