Na era da informação, o cidadão não consegue acompanhar a política - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Na era da informação, o cidadão não consegue acompanhar a política

Claudia Santos

*Por Amanda Ribeiro, especial para Algomais

Como acompanhar a política? Após eleger os governantes, os cidadãos se deparam com notícias que entristecem, desde os grandes escândalos como o Mensalão e as descobertas da Lava Jato, até gestos que nem sempre ganham tantos holofotes, como deslocamentos da Câmara para destinos turísticos que, em um ano, custaram R$ 3,9 milhões. Periodicamente os brasileiros descobrem gastos exagerados e atitudes aparentemente duvidosas vindas de políticos e não conseguem acompanhar o que de fato ocorreu após o vazamento do escândalo.

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A fiscalização política e a participação cidadã nos acontecimentos do País são determinantes para a democracia. Na realidade, são importantes diagnósticos sobre a situação democrática da sociedade. Quando o cidadão não tem acesso às informações corretas, não pode exercer o seu direito de voto com plena consciência.

Em meio ao cenário de notícias falsas e muitas informações advindas de variadas fontes, como acompanhar o político e entender se as ações que ele toma de fato estão coesas com as promessas do período pré-eleitoral?

A grande problemática das Fake News afeta a democracia

O fenômeno específico das notícias falsas ou Fake News é mais debatido atualmente no mundo inteiro por abranger uma quantidade de conteúdos noticiosos falsos disseminados em larga escala, normalmente em plataformas digitais.
Apesar da própria desinformação ou intencional disseminação de boatos serem ações antigas historicamente, como refere Ivan Moraes (vereador do Recife pelo PSOL) em entrevista, o fenômeno tem tomado cada vez maior atenção no Brasil.

“Notícias falsas nunca foram novidade na história da humanidade. Há 'boatos' clássicos que fizeram história inclusive na mídia tradicional (...) A diferença agora é que, com a multiplicação das mídias sociais e a facilidade de fazer com que mentiras possam ser contadas em plataformas que se assemelham muito a notícias verídicas - some isso com nossa lacuna histórica de educação para a mídia - o resultado pode ser desastroso. Como está sendo”, afirmou o vereador.

Recentemente, inclusive, foi instaurada em território brasileiro a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News para investigar a intensa propagação de notícias falsas durante as eleições de 2018. Posteriormente, em 2020, a CPMI das Fake News passou a focar também nas questões da pandemia, de forma que, em agosto deste ano, a CPI da Pandemia passará a ter a colaboração da CPMI das Fake News para investigar uma possível rede de disseminação de desinformação sobre a COVID-19, como a deslegitimação da eficácia das vacinas e a alegação da existência de “tratamentos precoces”.

Ivan Moraes informa que, no seu mandato, as Fake News são mais sentidas no Whatsapp, dificultando a retificação da mensagem e facilitando a grande disseminação da notícia falsa. O vereador acrescenta que as Fake News atrapalham o seu trabalho e a situação se tornou “mais difícil ainda” em período de pandemia.

“É lamentável que isso muitas vezes nos obrigue a utilizar nosso tempo de trabalho para dar conta de retificar mentiras que se multiplicam numa velocidade muito grande. No ano passado, por exemplo, houve uma votação na Câmara Municipal sobre a criação de uma comissão para fazer o mesmo que duas outras comissões que já existiam faziam. Votei contra, como a maioria, e a comissão não foi criada. Por conta disso, foram espalhados “cards” dizendo que nós havíamos votado “contra a fiscalização da prefeitura”, o que é uma mentira escandalosa que nós tivemos que responder por muitos meses, porque ela foi muito “requentada” até o período eleitoral”, relatou Ivan Moraes.

Esse não é um problema só do Brasil, mas de abrangência mundial, como esclarece o deputado da Assembleia da República portuguesa Luís Monteiro, do partido Bloco de Esquerda. Em entrevista, o político afirma que tem existido “uma pressão cada vez maior e progressiva daquilo que é a necessidade do espaço político e do espaço da sociedade civil em combater a produção de Fake News”. E cita situações vividas pelo próprio partido:

“O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, por várias vezes, precisou desmentir principalmente notícias difamatórias em relação a nós: ou que éramos consumidores de drogas, ou que tínhamos patrimônios imobiliários e na verdade não tínhamos. Muitas das vezes não vêm dos órgãos de comunicação tradicionais, mas eles acabam por reproduzir essas notícias falsas. Portanto já houve, em alguns momentos, a necessidade de nós não só combatermos notícias que apareciam em páginas de Facebook ou páginas que se passam por órgãos de comunicação social - e isso já aconteceu várias vezes - como também tivemos que desmentir alguns órgãos de comunicação creditados.”

Mesmo paralelamente, Ivan Moraes e Luís Monteiro concordam que há uma crise na confiança da população nos meios tradicionais de mídia. Também é perceptível que o cenário português e brasileiro apresentam outra semelhança: a dificuldade de fazer chegar as informações sobre o que em Portugal chama-se autarquias locais e no Brasil nomeia-se governos municipais. Ambos apontam para a mesma causa aparente: Ivan Moraes afirma que “a cobertura jornalística em particular sobre o legislativo municipal é fraquíssima” e Luís Monteiro diz, em síntese, que “a própria fiscalização democrática do ponto de vista noticioso e informativo é muito menor sobre o poder local” em comparação ao governo central.

Como driblar as Fake News e conseguir entender o cenário político?

Embora a tecnologia seja a principal ferramenta para a disseminação de Fake News, também é uma grande ferramenta para que o cidadão consiga acompanhar o que está acontecendo na política brasileira e mundial.

A utilização das redes sociais para o acompanhamento do político

A relação entre as redes sociais e a política de compartilhamento precisa estar mais equilibrada com o próprio funcionamento do Estado. Ivan Moraes sugere ao cidadão “procurar acompanhar diretamente a ação de quem a gente elege, seja pelas redes oficiais das Câmaras, seja pelas redes sociais dos mandatos”.

Luís Monteiro confirma que, apesar de não querer fazer das redes sociais “o alfa e o ômega” do seu trabalho, “as redes sociais são uma interface importante de dar a conhecer as propostas do partido, de dar a conhecer o trabalho desenvolvido na Assembleia da República e de tornar aquilo que é muitas vezes uma linguagem jurídica e política em uma linguagem social”. O deputado português acrescenta que há grande interação dos eleitores com o seu perfil no Instagram, onde responde dúvidas sobre processos administrativos e burocráticos.

Mecanismos oficiais jornalísticos e informativos de acompanhamento de notícias
Apesar da importância das redes sociais, não há como manter um acompanhamento isento e imparcial do que ocorre no cenário político apenas seguindo governadores específicos. Em Portugal, Luís Monteiro cita um projeto do seu partido, o Bloco de Esquerda, para trazer os jovens para mais perto do conteúdo oficial digital a partir da garantia de que tenham acesso a no mínimo uma inscrição gratuita em um órgão jornalístico tradicional.

A ideia de facilitar o acesso à mídia oficial é contemporânea, mas ainda desconhecida por muitos cidadãos. De fato, alguns jornais portugueses como o Público oferecem assinaturas gratuitas anuais a alunos. Semelhantemente estão projetos brasileiros como o Estadão Incentiva. Independentemente do acesso gratuito favorecido por projetos, a mídia tradicional permanece o meio mais coeso de acesso à informação.

A necessidade de constante checagem e filtragem dos dados
É importante adicionar que, mais do que facilitar o acesso, é necessário que haja constante confirmação por parte de meios tradicionais e oficiais das informações que são publicadas na internet. Sobre esse tema, o deputado Luís Monteiro cita o Polígrafo, um mecanismo do chamado fact check implementado em Portugal. No Brasil, há, por exemplo, a Agência Lupa e a Aos Fatos, interessantes fontes para que o cidadão confirme se a informação debatida com outra pessoa no Whatsapp, dita no Twitter ou encontrada em um Instagram de um político é de fato verdadeira.

Conheça os projetos da Open Knowledge Brasil
Além da checagem dos fatos, há a filtragem. É o caso da Open Knowledge Brasil, que atua para promover políticas de transparência governamental. Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da O.K. Brasil, conta que a organização atua em mais de 60 países e, no Brasil, foi fundada em 2013. Denomina-se associação sem fins lucrativos e apartidária, constituída por um grupo de ativistas e pesquisadores. Fernanda Campagnucci também apresenta os eixos de organização da OKBR:
“Temos três eixos de atuação: a Escola de Dados, programa educacional que visa democratizar o acesso a dados e técnicas de análise, promovendo materiais, cursos e eventos sobre o tema; a Ciência de Dados para Inovação Cívica, em que desenvolvemos tecnologias abertas para controle social de governos e informações públicas, como a Operação Serenata de Amor e o projeto Querido Diário; e a Advocacy e Pesquisa, em que desenvolvemos avaliações e estudos para incidir nas políticas públicas sobre transparência, dados abertos e participação social, a exemplo do Índice de Transparência da Covid-19.”

Relembrando que a transparência das informações “permite o envolvimento dos cidadãos nos assuntos públicos e decisões tomadas pelos governos”, Fernanda Campagnucci reitera a importância da disseminação de dados seguros em uma situação tão crítica quanto a da pandemia da COVID-19.

Aplicativos e plataformas oficiais que falam sobre política
Sobre o governo brasileiro, é necessário destacar, como fonte oficial para acompanhamento político, o Diário Oficial da União e os portais oficiais dos três poderes. O portal da Câmara dos Deputados permite, inclusive, uma consulta por nome que possibilita saber votos, projetos de lei, faltas, discursos, e até despesas do deputado em questão. Embora menos detalhado, o site do Senado também possibilita acesso a dados. Finalmente, há o próprio Portal da Transparência, que fala sobre investimentos, gastos, servidores, funcionários e as mais variadas informações.

Há também muitas plataformas alternativas de busca de informação, como o aplicativo Poder do Voto, disponível para IOS e Android, que permite saber se os seus candidatos votaram a favor ou contra um determinado projeto. Dentro do mesmo exemplo está o Parlametria, projeto que nasceu da parceria entre a Dado Capital, a OKBR e a UFMG e busca estabelecer uma transparência de dados sobre votações, posicionamentos e atuações da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Ferramentas coesas para acompanhamento político devem ser usadas de forma paralela e também em conjunto, para que o cidadão cruze informações e verifique se os dados estão de fato corretos. Entretanto, é impossível falar sobre o entendimento do cenário político sem citar a importância da educação de base. Como afirma Luís Monteiro, “a tecnologia não pode resolver a despolitização”. Antes, é necessário utilizar as escolas para aproximar os jovens do fazer político, do espírito crítico e da transformação social:

“Para garantir que as pessoas tenham mecanismos e instrumentos de pensamento crítico... E os instrumentos de pensamento crítico não é só ter acesso à internet, ou a um tablet, ou a um Android que nos dá capacidade de instalar uma aplicação. Ter instrumentos de pensamento crítico é ter acesso a bibliotecas, livrarias, formas de pensar diferentes, ter capacidade de nos juntarmos, seja do ponto de vista digital, seja do ponto de vista presencial”, afirma o deputado português.

*Amanda Ribeiro (alexsyane.amanda@gmail.com)

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