A fronteira de negócios entre Portugal e Pernambuco está diminuindo. O interesse dos pernambucanos pelo país dos antigos colonizadores vem de muito tempo e, agora, tem levado empresas e empresários do Estado para a terra de Camões. Além de ser a porta de entrada ao poderoso mercado europeu, o interesse pela migração se dá também pela qualidade de vida do outro lado do oceano.
Há menos de um ano os lusitanos viram a inauguração do Instituto Pernambuco-Porto em suas terras. Há pouco mais de 70 quilômetros dali, o Porto Digital abriu recentemente um escritório em Aveiro, fortalecendo a internacionalização do principal cluster tecnológico do Estado. Um dos gigantes do polo, o CESAR, já iniciou as operações na mesma cidade. Além desses destaques há inúmeros profissionais e empresários atuando na capital Lisboa.
De acordo com Daniela Freire, superintendente da Câmara de Comércio, Indústria e Turismo Brasil-Portugal, há muita procura por informações sobre a migração dos negócios por parte dos pernambucanos e de brasileiros de outros Estados. Embora haja empresas de maior porte, que estão internacionalizando suas operações, ela destaca que a maioria que busca informações é constituída principalmente por empresas de médio e pequeno porte ou mesmo profissionais que atuam remotamente, mas que desejam viver no continente europeu. Sem a barreira do idioma, Portugal é o destino principal.
“Há muito interesse por parte das pessoas que trabalham remotamente pois existe um visto de nômade digital que facilita a entrada desses profissionais na União Europeia. Portugal tem um setor de inovação muito pujante, oferece ao mesmo tempo oportunidades e qualidade de vida, com um custo de vida mais barato que os demais países do continente”, explica Daniela Freire.
PONTE ENTRE RECIFE E LISBOA
Há cinco anos os advogados Gustavo Escobar e Renata Escobar atravessaram a fronteira. O interesse do casal era fazer algumas especializações na área jurídica e também acompanhar o estudo do filho mais velho, que é aluno de direito em uma universidade portuguesa. Eles prepararam a empresa para fazer atendimentos remotos e a gestão da equipe que atua no Recife. Além disso, mantêm um calendário de viagens entre Lisboa e a capital pernambucana ao longo do ano.
Quando já estavam adaptados à rotina internacional, surgiu a pandemia e então o mundo todo passou a experimentar os serviços remotos que a Escobar Advocacia já vivenciava desde 2018. O fechamento das fronteiras criou uma dificuldade aos pernambucanos e portugueses que atuavam no Brasil e em Portugal. Foi quando aumentou o número de clientes.
“Começamos a atender muitos brasileiros interessados em investir de maneira ampla em Portugal como, por exemplo, empresários que têm imóveis. E atendemos, ao mesmo tempo, os portugueses que têm negócios no Brasil”, afirma Gustavo Escobar. “Hoje somos uma ponte de mão dupla para relações de brasileiros em Portugal e de portugueses que precisam de serviços jurídicos no Brasil. Entendemos Portugal como porta de entrada das empresas brasileiras para a Europa”.
O advogado afirma que ainda há um longo horizonte na prestação de serviço em Portugal para o escritório. A maioria dos clientes nesses primeiros anos são da área imobiliária, seja de empresas ou pessoas físicas. As demandas da área tributária são bem altas, tanto de brasileiros, como de portugueses. Como poucos advogados portugueses conhecem bem os sistemas tributários dos dois países, esse é um diferencial do escritório em Lisboa.
“Nosso plano futuro é nos consolidarmos nessa ponte de confiança entre o investidor brasileiro e o mercado português. Já temos conseguido ser esse ponto de confiança, em que o cliente pode contar com nossa estrutura e suporte”. Gustavo projeta mais dois anos para consolidar a atuação no segmento, ao mesmo tempo em que mantém em crescimento o escritório no Brasil.
CENTRO DE CONVERGÊNCIAS NA MESA
Quem também promove a conexão entre os brasileiros e portugueses, mas sem sair da terra de Fernando Pessoa, é o empresário Paulo Dalla Nora Macedo. Há um ano e meio, ele migrou para Portugal desmotivado com o cenário político do Brasil, com o avanço da extrema- -direita no País. Com a experiência na promoção do debate público, por meio de organizações como o Política Viva e o Poder do Voto, o empresário viu a oportunidade de construir um espaço que pudesse ser ao mesmo tempo um negócio e um local de encontro dos interesses dos dois países. Nasceu o Cícero Bistrot, restaurante inspirado no pintor Cícero Dias e outros artistas plásticos pernambucanos.
Paulo Dalla Nora (E) abriu em Lisboa o restaurante Cícero, que também é um espaço de discussões políticas, além de ponto de encontro de personalidades. Uma das visitas ilustres foi o presidente Lula. “A ideia é ser um lugar de convergências dessa relação entre Portugal, Brasil e Europa”, afirma.
“A ideia do Cícero é ser mais do que um restaurante, é ser um centro de debates, um lugar de convergências dessa relação entre Portugal, Brasil e Europa”, afirma Dalla Nora. O espaço possui três salas exclusivas para debates, palestras e reuniões, mantém um podcast regular e promove eventos de conteúdo ao menos duas vezes por mês.
Fora as atividades programadas, como se trata de um restaurante frequentado por políticos, empresários e artistas, não é incomum acontecerem encontros espontâneos entre autoridades e personalidades dos dois países. Um encontro casual que aconteceu entre o cantor Alceu Valença e o primeiro-ministro António Costa, é um exemplo. Recentemente, também sem agendamento, o local reuniu os ministros José Múcio e Gilmar Mendes e o ator Chico Diaz. Uma das visitas ilustres do local foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro do ano passado, poucos dias após o segundo turno das eleições.
“A ideia desse empreendimento surgiu quando cheguei aqui, comecei a conversar com pessoas e claramente tinha esse espaço a ser ocupado, no sentido de ter um ponto para acolher o grande fluxo de brasileiros que querem investir em Portugal, empreender, como a porta de entrada ao mercado europeu”, disse o empresário. Ele lembra que anteriormente o perfil mais típico era de brasileiros em busca de trabalho, enquanto agora se percebe um público com capacidade de investimento, interessado no destino como uma porta de entrada na Europa.
MISSÃO PERNAMBUCANA EM PORTUGAL
Uma das novidades da ponte aérea de empresários entre Pernambuco e Portugal será a Missão Empresarial organizada pela Câmara de Comércio, Indústria e Turismo Brasil-Portugal. Com a chancela da União Europeia, 20 empresários do setor têxtil e de confecções, de Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, vão atravessar o oceano para fechar negócios e conhecer mais o mercado português, num primeiro passo para entrar no mercado europeu.
Daniela Freire explica que os portugueses têm interesse na relação com as empresas brasileiras, principalmente nas áreas de energia e de inovação. “A missão vai promover rodadas de negócios, mediadas por alguém que pode contribuir para o match dessas empresas. Cada empresário vai participar de palestras, reuniões individuais e visitas para relacionamento. Nosso objetivo é que os 20 saiam pelo menos com os negócios a serem firmados com Portugal já desenhados. Devem ser assinados também alguns acordos de cooperação entre instituições, principalmente em setores nos quais os empresários precisam de acordos específicos”, destacou.
Entre as entidades portuguesas que integrarão a programação estão órgãos como o Citeve (Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e de Vestuário de Portugal), e a IAPMEI (Agência para a Competitividade e Inovação). Somente em 2021, as 47 empresas associadas ao Citeve, um cluster têxtil de tecnologia e moda, movimentaram receita maior que 470 milhões de euros. A expectativa de Daniela com a ação é de que a visita e os encontros ajudem a acelerar o fechamento de novos contratos entre as corporações pernambucanas e do país europeu.
TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO PARA O MUNDO
No campo dos negócios, a chegada do CESAR, um dos gigantes do polo tecnológico pernambucano, em Aveiro, e a própria abertura de um escritório do Porto Digital na cidade são um dos sinais mais concretos do interesse de intercâmbio entre o Estado e o país europeu.
O CESAR já tem um representante local atuando em Aveiro, Deric Guilhen, e outras duas pessoas se juntarão a ele até o segundo semestre. O CEO Eduardo Peixoto anunciou que em 2023 o investimento na unidade será de cerca de R$ 5 milhões. “Portugal é muito próximo do Recife, na cultura e na distância geográfica. E é uma porta para a Europa. A cidade de Aveiro foi escolhida pela sua tradição em TIC (tecnologia da informação e comunicação) e inovação. Algumas importantes digitais portuguesas nasceram na cidade. Adicionalmente Aveiro está entre os dois polos econômicos mais importantes do país: Lisboa e Porto”, destacou Peixoto.
O CEO do CESAR afirma que a chegada em Portugal, mesmo com todos os benefícios do mundo remoto tem uma explicação. “A tecnologia e as soluções que fazemos são globais, mas os negócios, não. Ainda não somos uma marca globalmente reconhecida, então para fazer negócios precisamos estar perto, conhecer a cultura, desenvolver uma relação de confiança com clientes e parceiros. E isso exige proximidade”.
Peixoto destaca que a proposta do CESAR é ampliar o repertório nos temas em cooperações com instituições portuguesas e europeias, tendo como foco inicial os fundos europeus de inovação e educação. A empresa já tem conversas iniciadas com clientes em potencial, com empresas automotivas e aeronáuticas, além dos setores do varejo e óleo & gás.
A instalação do Porto Digital da Europa tem quatro principais objetivos, relacionados aos interesses das empresas pernambucanas em Portugal e vice-versa. “O primeiro deles é poder fazer um processo de internacionalização das empresas, poder conquistar clientes na Europa. Isso é possível, mas é preciso se estabelecer lá. O segundo é criar uma via de mão dupla. O problema do capital humano é dramático em Portugal. A gente pode convencer empresas de lá a se instalarem aqui. Já tem gente interessada em abrir empresas portuguesas no Recife, dentro do Porto Digital, para empregar a galera da cidade”, afirmou o presidente Pierre Lucena.
Os demais objetivos do polo tecnológico são abrir canais para os institutos de tecnologia buscarem recursos de inovação na Comunidade Europeia e dar suporte para as pessoas fazerem intercâmbio em Portugal. “Ajudar as pessoas a encontrar um apartamento, obter visto, escola para os filhos, ajudar a montar empresa lá e a exportar. Há muita coisa para a gente aprender e fazer também. Tem um espaço de mercado legal para ir. A cidade é pequena e tem muito brasileiro, o que ajuda o processo cultural. Acreditamos que é possível criar um ecossistema lá também”, destacou Lucena. Essa empreitada em terras portuguesas está sendo feita com financiamento da Apex Brasil.
UM INSTITUTO COM DNA DE PERNAMBUCO NO PORTO
O Instituto Pernambuco-Porto foi sonhado há duas décadas pelo empresário Zeferino Ferreira da Costa. Ficou pronto há quatro anos, mas foi inaugurado apenas no ano passado. Construído sobre os pilares do intercâmbio cultural, empresarial e acadêmico, o espaço erguido na Cidade do Porto já tem um calendário de atividades que promovem a aproximação entre o Brasil, com destaque para Pernambuco e Portugal.
“Hoje o instituto tem um acervo de artesanato pernambucano importante e tem em cartaz uma exposição que mescla obras de mestres artesãos pernambucanos, com uma expografia de Fred Jordão. A atividade está sendo bem bacana, essa missão de aproximação do instituto tem sido atingida de uma forma satisfatória. Temos atuado em outras áreas também, como no apoio ao imigrante brasileiro que vem para Portugal”, explica Zeferino Costa, vice-presidente e filho do presidente, Zeferino Ferreira Costa.
O Instituto organizou recentemente um final de semana cultural que reuniu um conjunto de ações como exposições, oficinas de frevo e maracatu. Zeferino conta que estão começando a ser construídos também os convênios no campo comercial, com empresas brasileiras, seja as que já tem negócios em Portugal ou aquelas que querem entrar no cobiçado mercado europeu.
Nesta semana, inclusive, os fundadores apresentaram o Instituto Pernambuco-Porto ao presidente do Brasil Luiz Inácio da Silva e ao primeiro-ministro de Portugal António Costa, a convite da Apex Brasil, no Fórum Empresarial Portugal Brasil: Parcerias para Inovação.
MERCADO IMOBILIÁRIO COM SOTAQUE PERNAMBUCANO
Uma das empresas pernambucanas que auxilia os investidores a entrarem no mercado imobiliário do país europeu é a Direct Imóveis. De acordo com o presidente Gustavo Morais, a expertise com o mercado português aconteceu quando havia um caminho inverso, de muitos lusitanos atravessando o oceano. Ele avalia que as instabilidades políticas e financeiras do País fizeram muitos investidores buscarem outros lugares para aportar seus recursos.
“As pessoas buscam investir em Portugal por ser um mercado seguro, com imóveis de renda garantida e tranquilidade jurídica e comercial, além de uma moeda forte”, disse Gustavo Morais. Ele mencionou o Golden Visa como um dos atrativos dos brasileiros para investir em Portugal. Trata-se de uma autorização de residência para atividade de investimento, em que o país concede residência para estrangeiros que comprovem a realização de determinados tipos de investimento em Portugal, entre eles o imobiliário.
A empresa, que atua no mercado português por meio de parcerias, destaca que entre os produtos mais cobiçados pelos pernambucanos estão o investimento em unidades de hotelaria, operações comerciais, loja de supermercado e imóveis para arrendamento comercial, em projetos de longo prazo.
OPORTUNIDADES E PERSPECTIVAS
O diretor de empreendedorismo e educação da Câmara de Comércio Brasil e Portugal, Maurício Xavier, ressalta que há muitos negócios ou profissionais na área jurídica e de saúde, especialmente no segmento estético, que estão chegando ao mercado português. No caso dos advogados, há uma facilitação para exercer a profissão no país europeu, devido a uma cooperação entre a ordem de classe de ambos os países.
No caso do setor de saúde e estética, ele afirma que os brasileiros são bem vistos no País e que ocupam uma parcela significativa do mercado. “É provável que a influência brasileira em Portugal tenha feito com que as mulheres do País tivessem um olhar diferente para a estética. Há muitas clínicas de beleza, vinculadas à saúde, estética em geral e barbearias. Entre os salões de beleza, a cada 10 em Lisboa, 5 são de brasileiros e são muito bem vistos, ocupando uma área com crescimento enorme em Portugal”, disse o consultor Maurício Xavier.
Assim como os empresários entrevistados nesta reportagem, ele ressalta que a qualidade de vida do País é um incentivo para muitos dos que migraram e dos que planejam a migração. No aspecto mercadológico, Portugal é visto como a porta de entrada mais próxima do continente. Apesar dos sonhos e expectativas, ele ressalta que abrir negócios no País requer muito estudo para entender as nuances do mercado de Portugal. A inflação imobiliária nas grandes cidades é outra realidade que dificulta a chegada de brasileiros ou que estimula a migração para outras cidades menores, mas próximas dos grandes mercados.
Mais que comer os pastéis de Belém e de mergulhar na rica cultura lusitana, os investimentos, formação acadêmica e o fechamento de novos negócios são algumas das bússolas que apontam o caminho para a terra dos antigos colonizadores.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)