*Por Rafael Figueiredo e Rafael Toscano
O mundo dos negócios sempre foi um território que valorizou o sólido, enraizado em estruturas firmes, como os grandes edifícios que compõem os centros financeiros. Durante muito tempo, essa base funcionou bem, refletindo uma cultura corporativa que prezava por hierarquias definidas, planos de cinco anos e contratos assinados em papel. No entanto, as coisas começaram a mudar quando a internet veio para “derreter” as barreiras do mercado.
Tal como o sociólogo Zygmunt Bauman descreveu as relações modernas como “amores líquidos”, os negócios também começaram a se tornar líquidos, mais dinâmicos e flexíveis. Mas, com o boom da inteligência artificial (IA), entramos em uma nova fase: a era dos “negócios gasosos”.
De Sólido a Líquido: A Transformação das Bases dos Negócios
Para entender essa história, precisamos voltar ao momento em que a internet abriu as portas para a fluidez dos negócios. Antes, era preciso toda uma estrutura para abrir uma empresa – um espaço físico, um estoque, uma equipe. Com o tempo, o e-commerce e o trabalho remoto tornaram a rigidez dos escritórios desnecessária. Surgiram startups e pequenas empresas que, como líquido, preenchiam espaços e se adaptavam a novos formatos, facilitando o nascimento de negócios escaláveis e inovadores. É o que podemos chamar de fase “líquida” dos negócios, onde a tecnologia permitia que a empresa fluísse sem uma base física sólida, aproveitando-se de um mundo cada vez mais conectado.
Os negócios se tornaram fluidos: era possível se comunicar com qualquer um, de qualquer lugar. Aplicativos, plataformas digitais e o e-commerce viraram a “nova onda”. Era o começo de uma era em que os negócios deixaram de ser “caixas” para se tornarem “redes” flexíveis.
O Estado Gasoso: A Inteligência Artificial e a Economia Volátil
Com o surgimento e a expansão da IA, passamos a viver numa nova camada, onde os negócios parecem mais espalhados, voláteis e imateriais do que nunca. Hoje, estamos na era dos “negócios gasosos”, onde as interações, transações e até as infraestruturas são quase invisíveis, permeando todos os aspectos de nossa vida de forma sutil.
Pense em como a IA já está integrada em tudo ao nosso redor: seja nas recomendações de filmes, nos aplicativos de mensagens, na personalização de anúncios ou nas tecnologias que permitem, literalmente, “conversar” com o próprio software para fechar um negócio. A IA não só automatizou e agilizou processos; ela mudou a lógica das empresas e o comportamento dos consumidores.
Agora, os negócios não têm mais um ponto de referência ou um formato fixo. A IA permitiu a criação de experiências personalizadas em uma velocidade exponencial, pulverizando a oferta de produtos e serviços ao ponto de ela estar presente em diferentes formatos para diferentes pessoas – tudo ao mesmo tempo. Os negócios gasosos são aqueles que conseguem se moldar, se dividir e se multiplicar em resposta às necessidades, preferências e peculiaridades de cada usuário.
E aí? O Que Muda na Dinâmica do Jogo?
Se antes as empresas precisavam planejar uma campanha para alcançar determinado público, agora a IA já desenha automaticamente a experiência que cada pessoa vai vivenciar. As redes sociais, as lojas virtuais e os aplicativos usam algoritmos para prever o que o consumidor quer e já apresentar essa possibilidade na forma de produtos ou serviços ajustados individualmente. Os negócios gasosos não precisam mais de escritórios, de um estoque fixo ou de sistemas físicos para funcionar. A computação em nuvem, os servidores distribuídos e a própria IA criam uma estrutura que existe apenas no espaço digital. É como uma névoa tecnológica: você não vê, mas sabe que está lá, sustentando o funcionamento de tudo. É essa “atmosfera” de sistemas conectados que permite a existência de negócios em plataformas como o Google, a Amazon e o próprio ChatGPT.
Em um negócio gasoso, as ações não são pensadas com base em um plano rígido, mas em dados instantâneos. A IA coleta e analisa informações em tempo real, dando a cada empresa a capacidade de se adaptar ao que o consumidor espera. Um restaurante pode mudar o menu com base no clima do dia, uma loja pode ajustar o preço de um item ao vivo, dependendo da demanda. A volatilidade dos negócios não é um “problema”, mas uma vantagem que permite mudanças em minutos, ajustando-se ao mercado quase como o vento que muda de direção.
Claro que essa nova fase traz desafios. Assim como é difícil tocar o ar, é difícil também controlar um negócio que está sempre mudando, se moldando e respondendo a estímulos. Empresas que não conseguem se adaptar a essa volatilidade acabam ficando para trás. Outro desafio é a segurança: quanto mais “gasosos” os negócios se tornam, mais vulneráveis eles ficam a vazamentos e invasões, como se uma simples “rajada” pudesse trazer consequências graves.
Como Navegar nas Ondas de Gás?
Ser gasoso é, em parte, se desfazer de certezas e aprender a viver em um ambiente onde as mudanças são frequentes. Ao contrário dos negócios sólidos, os negócios gasosos precisam de líderes e equipes que saibam operar com rapidez, adaptando-se a novas informações e mercados.
É preciso abraçar a incerteza. O mercado está menos previsível do que nunca, mas ao invés de ver a volatilidade como uma fraqueza, empresas de sucesso aprendem a usá-la como vantagem, experimentando e inovando de forma contínua. Em última análise, a economia gasosa depende de dados e da capacidade de entender o cliente em tempo real. Assim, é necessário o investimento em sistemas que ajudem sua empresa a captar e interpretar essas informações e transforme a IA em sua aliada.
Dizer que os negócios se tornaram gasosos não significa que não há espaço para crescer e prosperar, muito pelo contrário. As empresas que entendem e aceitam a natureza volátil do mercado atual têm a chance de evoluir e oferecer experiências únicas a cada cliente. Em vez de controlar todos os aspectos, como numa estrutura sólida, as empresas gasosas têm uma proposta quase orgânica, de se espalhar e permear a vida dos consumidores.
Na era dos negócios gasosos, o que vale é a habilidade de se transformar, de adaptar e de prever o próximo movimento com a ajuda da IA. É um tempo onde a realidade é quase etérea, onde os negócios estão ao nosso redor, ainda que a gente não veja. Afinal, como um bom gás, eles estão em toda parte – basta respirar para perceber.
*Rafael Figueiredo é Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Recife
*Rafael Toscano é gerente geral de Transformação Acadêmica da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Recife.