Autor de sucessos como Confidência, Jorge de Altinho conta, nesta entrevista a Cláudia Santos, como passou de fã da Jovem Guarda para artista de música regional. Também fala sobre o forró estilizado e a estratégia que construiu para sua música tocar nas rádios FMs.
Você é Jorge de Altinho, mas nasceu em Olinda?
Sim, mas aos 5 anos meus pais se mudaram para Altinho. Meu pai abriu uma mercearia por volta de 1956. Toda a minha infância e adolescência foi na cidade. Era uma infância maravilhosa, como não existia essa degradação da natureza, nem o aquecimento global, costumo dizer que os invernos eram certos, chovia muito, a gente brincava de fazer açudes nas ruas. Tomávamos banho nos rios Una e Taquara. A gente chegava da escola e ia pescar e tomar banho. Quando tinha lá pelos meus 15 anos eu tinha o hábito de copiar minhas matérias escola ouvindo rádio e um dia achei interessante uma música da banda Renato e Seus Blue Caps, Menina Linda. Tocava muito no rádio. Aí, copiei um pedacinho da música, no outro dia outro pedaço. Antes de começar a aula os meninos se reuniam para ouvir Zé Maria, filho de um seresteiro, tocar na porta da escola. Eles estavam malucos pra tocar Menina Linda, mas não conheciam a letra. Eu disse a eles que tinha a letra, mas não sabia cantar. Eles insistiram pra eu cantar, aí cantei e agradei. Comecei a liderar o grupo. Nós fazíamos muito piquenique com a escola e cantávamos muito nesses encontros.
Foi o seu primeiro contato com a música?
Sim. Com a febre da Jovem Guarda queríamos formar um grupo de guitarra, baixo e bateria, mas o poder aquisitivo não ajudava. Então pegamos uma caixa de tocar no desfile do 7 de setembro e três violões e improvisamos um grupo imitando uma banda da Jovem Guarda. A gente cantava em aniversário, piquenique, festa dos distritos. Mais tarde, o presidente do Clube Altinense, Homero, comprou uns instrumentos usados, mas de boa qualidade, em Belo jardim. Ele adquiriu uma bateria, contrabaixo e guitarra nacional da Giannini. Foi uma festa quando chegaram os instrumentos. Ensaiávamos todos os dias. O repertório era Roberto Carlos, Tim Maia, Renato e Seus Blue Caps.
Por que começou a cantar forró?
A Jovem Guarda acabou nos anos 70, o programa saiu do ar, Roberto Carlos seguiu a linha da canção, e até o os Beatles acabaram. O pessoal da Jovem Guarda ficou órfão. Altinho é uma cidade muito próxima a Caruaru. Sofri muito a influência das rádios da cidade que tocavam muito a música nordestina, especialmente a Rádio Cultura do Nordeste, que pertencia aos irmãos Almeida (Onildo e José). Onildo era um compositor gravado por artistas como Luiz Gonzaga. Também sofri a influência da cultura local. A feira de Caruaru na época era dentro da cidade, em cada esquina havia uma manifestação popular: dois emboladores com pandeiro fazendo verso, várias pessoas lendo literatura de cordel, violeiros, sanfoneiros, artesanato. Enfim era um caldeirão cultural. Quando a Jovem Guarda acabou, culminou também que eu fui morar no Sertão.
Em que cidade?
Em várias: Salgueiro, Parnamirim, Ouricuri, Bodocó, Serrita, Cabrobó, Floresta, Belém do São Francisco. Nesta época eu trabalhava no sistema de rádio do Governo do Estado, minha função era operador. Eu tirava as férias dos colegas. Era itinerante. Depois passei três anos morando em Petrolina, mas no sistema de televisão do Governo de Pernambuco, também como operador. Aí surgiu a oportunidade de gravar meu primeiro disco no início dos anos 80 pela Odeon. Gravei com 12 músicas de minha autoria.
Como foi a repercussão?
Eu gravei meu primeiro disco, mas ele não teve o acompanhamento da gravadora que eu desejava. Eu também tirei seis meses de licença sem vencimentos para me dedicar à música, mas o disco não atingiu a vendagem que a gravadora estava esperando. Voltei para o meu emprego. Em 1981 fiquei sem gravar. Quando foi em 1982, João Florentino (proprietário da rede Aky Discos e da distribuidora Condil), me chamou pra fazer um LP. Ele também era atacadista de discos e me disse: “rapaz, você fez um bom disco e a gravadora não acreditou, não investiu”. Disse a ele que só gravaria se fosse no Rio de Janeiro, com um trabalho de divulgação nas rádios. Ele respondeu: “vou tentar o possível para realizar o trabalho nas rádios, mas tenho uma rede de lojas de Manaus a Salvador, que é melhor do que rádio porque o povo vai lá comprar. Então nós fechamos. Só que João mandou fabricar o disco na Tapecar no Rio e a capa no parque gráfico da Continental em São Paulo. O disco chegou primeiro que a capa. Olha a confusão armada! Quando o disco chegou em Caruaru, de cara estouraram cinco músicas, as rádios começaram a tocar e o povo começou a querer o disco. As pessoas chegavam nas lojas e levavam o disco e um papel que valia uma capa, que era entregue posteriormente. Teve gente que vendeu o LP embalado em cartolina (risos). Foram vendidos em um mês e 20 dias 58 mil discos sem capa, um fato inédito no País (risos).
Qual foi seu primeiro sucesso?
Confidência. Ela entrou na cabeça do povo. Veja, isso foi em 1982 e tenho sempre que abrir o show cantando essa música e se eu não cantá-la não é Jorge de Altinho. Para você ver como ela marcou. Bem, quando o disco estourou – chegou a vender mais de 100 mil cópias – aí o presidente da RCA Victor veio aqui e me convidou para a gravadora que também trabalhava com Dominguinhos e Luiz Gonzaga. Assinei um contrato de 10 anos.
Sua música era tocada nas FMs?
O espaço para a música regional só era na AM, onde tocava entre 4h e 5h da manhã quando todo mundo estava dormindo. Só os tiradores de leite ou o pessoal da roça escutavam. Nessa época, o Recife só tinha uma emissora FM, a Manchete, e a ordem da direção era só tocar MPB. Então o que eu fiz? Bem, eu participei de uma banda filarmônica – aquela que toca atrás da procissão – durante a minha época de conjunto e de guitarra. Havia dois artistas que me chamavam a atenção: Raul Seixas, por ter uma poesia urbana, e Tim Maia por valorizar os metais. Então eu e meu parceiro Petrúcio Amorim pensamos nisso ao compor Confidência. A canção tem uma letra urbana assim como tudo o que fizemos depois. Também peguei a base de Luiz Gonzaga, a sanfona, o triângulo, a zabumba, o ritmo do baião e do xote, e introduzi os metais. Fiz essa fusão no terceiro disco. Foi a maneira de enganar a FM, porque quando vinham os metais, pensavam que era MPB. Passada a introdução entravam a sanfona, zabumba e triângulo. Você sabe que gravadora pensa muito em números, quando ela viu Jorge de Altino recebendo disco de ouro no Chacrinha, no Bolinha, na Xuxa, começou a sentir que as coisas podiam também mudar um pouco.
E Luiz Gonzaga não criticou essa fusão?
Quando coloquei os metais na música nordestina houve uma reação negativa das pessoas que gostavam do forró tradicional, mas depois elas perceberam, assim como as rádios, que só havia metais na introdução das músicas. Depois entrava sanfona, triângulo e zabumba. Quando eu cheguei na gravadora, tive o apoio de Gonzaga e Dominguinhos. Ambos já participaram de meus discos e gravaram música de minha autoria. Fizemos uma amizade muito grande.
Como é o mercado de música regional hoje?
Na medida em que ela é mostrada, ela agrada. Faço minhas as palavras de Ariano Suassuna: o cachorro só gosta de osso porque dão osso a ele. Dê filé para ver se ele não come (risos). As pessoas gostam da música popular nordestina na medida em que ela é mostrada. Vou citar um exemplo. Gil gravou um xote quando as bandas de forró estavam no auge e foi sucesso no Brasil inteiro. É um xote simples e uma sanfoninha tocando. “Por isso eu vou pra casa dela ai, ai, falar do meu amor pra ela ai, ai” (cantando). Acho que o que está faltando é nós − poder público e povo – tomarmos conhecimento do valor cultural que temos. Nossa música nordestina é muito rica, deveria ser mais valorizada durante o ano inteiro e principalmente no São joão. As cidades que representam o São João devem se empenhar para divulgar nossa cultura popular. Eu gostaria muito que o turista chegasse aqui e encontrasse a nossa cultura. Mas me deram uma notícia boa de que Caruaru está começando a descentralizar o São João do Centro da cidade e fazer, como antigamente, os polos alternativos. Antes havia o Palhoção do Vassoral, da Rua Bahia, do Alumínio, do Zé Lucia, eram vários palhoções distribuídos na cidade e ali era forró mesmo. E o centro da cidade ficaria para o público jovem que quer curtir uma atração diferente.
O que você acha do forró estilizado?
Dominguinhos disse uma coisa que eu achei engraçada. Perguntaram a ele o que achava dessas bandas do Ceará. Ele respondeu: “eles dizem que é forró, tem uma sanfona no meio, mas pra mim não é não” (risos).
Como é a concorrência?
Nosso público é muito fiel. Recentemente fizemos um show em Mossoró e nunca vi uma loucura daquela. Foi realizado num restaurante pra mais de mil pessoas e os ingressos foram vendidos antecipadamente. Saí de lá felicíssimo. E disse ao pessoal: nem tudo está perdido. Acho que os artistas precisam se mobilizar, chegar mais junto do Ministério do Turismo, da Cultura, das secretarias nos Estados, ir nas assembleias legislativas, levar para as crianças nas escolas a importância das nossas tradições, porque senão qual o legado que vamos deixar pra nossos filhos e netos?
São quantos anos de carreira?
Comecei em 1980, então são 37 anos. Essa pergunta é legal porque a partir de agora vou me organizar pra fazer uma festa em Altinho, daqui a três anos, e chamar a rapaziada que participou dos meus discos e gravou minhas músicas, Fagner, Alceu, Elba e Zé Ramalho, e fazer um barulho grande.